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Caravana
Stephen Goldin
São os anos 80 na América de um mundo alternativo. A sociedade dos E.U.A. desmorono devido a falta de alimentos, falta de combustíveis, instabilidade racial e uma variedade de outros problemas. Um grupo de pessoas planeja escapar para outro planeta e começar um novo mundo...se eles conseguirem atravessar o país roubando combustível e lutando contra bandidos para chegar até a nave antes que ela decole.



CARAVANA
um romance de
Stephen Goldin

Publicado por Parsina Press (http://parsina.com/)
Tradução publicada por Tektime
Caravan Copyright 1975 Stephen Goldin. Todos os direitos reservados
Título original: Caravan Tradutor: Fernando Luiz Schumann Sessegolo
SUMÁRIO
Capítulo 1 (#uffc01118-5FFF-11e9-be98-0cc47a5f3f85)
Capítulo 2 (#uffc01118-6FFF-11e9-be98-0cc47a5f3f85)
Capítulo 3 (#)
Capítulo 4 (#litres_trial_promo)
Capítulo 5 (#)
Capítulo 6 (#)
Capítulo 7 (#litres_trial_promo)
Capítulo 8 (#)
Capítulo 9 (#litres_trial_promo)
Capítulo 10 (#)
Capítulo 11 (#litres_trial_promo)
Capítulo 12 (#litres_trial_promo)
Sobre Stephen Goldin (#litres_trial_promo)
Conecte-se com Stephen Goldin (#litres_trial_promo)

CAPÍTULO 1
WASHINGTON-Reuniões internacionais sobre a economia começaram aqui na Segunda-feira com tons de melancolia e angústia sobre o aumento dos preços do petróleo e a ameaça de depressão mundial.
H. Johannes Witteveen, diretor do Fundo Monetário Internacional, previu persistente recessão e inflação em todo o mundo, juntamente com tensões financeiras sem precedentes.
O Presidente do Banco Mundial Robert S. McNamara estima fome em massa nos países mais pobres do mundo, contendo populações totalizando um bilhão, a não ser que tanto nações exportadoras de petróleo como as industrializadas aumentem fortemente sua ajuda—um movimento que poucos destes países parecem dispostos a fazer.

Los Angeles Times
Terça-feira, 1
de Outubro de 1974

* * *

Estamos sentados na beira de um precipício, enfrentando a força da gravidade que nos puxa para o fosso. O fundo é indistinguível porque subimos tão alto que acabamos perdendo ele de vista. Nada é tão trivial como uma recessão; mesmo uma depressão semelhante a dos anos 30 ficaria pequena em comparação. Aquilo que nos deparamos enquanto observamos o abismo é nada mais nada menos do que a total destruição da nossa atual civilização - e a maioria de nós, por medo de altura, fecha seus olhos…
Se você escalar uma ladeira um pouco e escorregar, você provavelmente não se machucará muito. Quedas de alturas maiores podem ser fatais. Nós subimos tão alto nas ladeiras do Progresso que uma queda irá nos partir como um vidro caindo do Everest…

Peter Stone
Colapso do Mundo

* * *

A placa em cima da escrivaninha dizia “Posto de Controle de Granada Hills”, mas isso não disfarçava o fato que esse prédio era um mercado abandonado próximo a um centro de lojas deserto. Corredor após corredor de prateleiras vazias eram testemunhas mudas dos maus bocados que essa comunidade passou. Na verdade, o estado do prédio pareceu a Peter ser um símbolo do Colapso da civilização.
O guarda atrás da escrivaninha olhou para ele desconfiado. Peter não sabia muito sobre armas, mas a que o guarda tinha no seu coldre parecia ser grande o suficiente para deter uma manada de elefantes desgovernados. Peter tossiu nervosamente e pigarreou. “Eu... Eu gostaria de entrar para sua comunidade, se possível,” disse ele. “Tenho trinta e dois anos e sou um bom trabalhador. Posso fazer quase qualquer coisa que precisa ser feita.”
A carranca do guarda permaneceu impassível. “Qual é mesmo seu nome?”
“Peter Smith”, mentiu. Seu sobrenome verdadeiro, Stone, adquiriu diversas conotações ruins recentemente, e ele nunca mais o usou desde então. Ele já tinha problemas o suficiente para passar despercebido sem ter que divulgar muito de si.
“Smith, é? Alguém em Granada Hills pode responder por você?”
“Uh, não, eu recém entrei. Eu venho pedalando de San Francisco já faz alguns meses, e esse me pareceu um bom lugar para me estabelecer.”
“Como vão as coisas por lá?”
“Ruins,” disse Peter. “Estão ruins em toda costa. Pelo que vi, sua área me pareceu na média.”
O guarda grunhiu. “Temo, Sr. Smith, que não podemos aceitá-lo aqui. Já temos pessoas demais sem ter que adicionar forasteiros. Há muitos dispostos a ajudar, mas os recursos são limitados para alimentar a todos, se sabe o que quero dizer.”
“Claro,” Peter acenou. Essa estória já era familiar para ele. “Nesse caso, me pergunto se poderia comprar alguma comida de vocês. Tenho dinheiro—”
“Granada Hills opera em escambo até que a situação do dinheiro se normalize. A menos que tenha algo para trocar, está sem sorte. Teria balas, baterias, velas, ferramentas ou fios de cobre?” Peter balançou a cabeça negativamente. “Que tal sua bicicleta? Outra bicicleta é sempre útil.”
“Desculpe, eu preciso dela também. Não é seguro ficar a pé; a bicicleta me confere esta vantagem, pelo menos.”
O outro acenou. “Dureza, é verdade. Eu nunca pensei que esse tipo de coisa aconteceria com a gente.”
“Tem algum lugar nessa área que aceita dinheiro?” O sol estava descendo e Peter queria estabelecer-se em algum lugar antes do cair da noite. Ele já tinha vivenciado situações apavorantes no escuro ultimamente.
“Você poderia tentar San Fernando; pelo que ouvi, eles ainda estavam aceitando dinheiro. É melhor ter cuidado com eles, contudo—eles têm um pessoal arruaceiro por lá.”
“Como chego nesse local?”
“Você pega essa estrada ali, Balboa, e siga para o norte por uma milha até a Avenida Missão San Fernando, então leste por algumas milhas. Não tem como errar.”
“Obrigado.” Peter começou a pedalar saindo do mercado.
“Boa sorte,” falou o guarda atrás dele. “Eu não gostaria de ser um stoner
(#) agora nem por todo o ouro de Fort Knox.”
Peter pensou enquanto pedalava se haveria algum ouro sobrando em Fort Knox. Provavelmente haveria, ele decidiu; ouro não valia a pena ser roubado no momento. As pessoas tinham interesses mais urgentes, como comida, água, gasolina e eletricidade. Em algum lugar, pensou ele, o governo dos EUA deve estar se esforçando para continuar como se nada tivesse acontecido, guardando aquele ouro e as riquezas que ele supostamente representa como se fosse um dinossauro estéril guardando um ninho de ovos inférteis. E se eles pensam sobre o Colapso de algum modo, eles provavelmente põe a culpa em mim—como se eu não fosse outra coisa se não o mensageiro que trouxe as marés do desastre.
Ser um profeta da desgraça não é uma carreira recompensadora.
Enquanto pedalava pela Avenida Balboa, Peter olhava ao redor e tentava imaginar como a vizinhança teria sido há dez anos, antes do Colapso estar realmente em processo. A sua esquerda outro shopping center e um prédio alto que uma vez foi, de acordo com a placa, um hospital; atualmente sendo usado como uma série de apartamentos. A sua direita mais apartamentos, certa feita luxuosos, mas agora desgastados e feios. Resíduos que não puderam ser queimados foram largados no lado de fora, ao longo da rua e conferindo um odor desagradável.
Ele passou por outro supermercado deserto enquanto cruzava a Rua Chatsworth e continuou para o norte. Havia casas em ambos os lados, as ticky-tacky boxes
(#) tinham sido muito populares em comunidades suburbanas certa época. Elas tinham pequenos jardins frontais que agora continham hortas ao invés de grama—alface, rabanetes, tomates e melões pareciam ser populares. Os jardins eram cercados por cercas—algumas delas, ele percebeu, eram feitas com o material divisor de estradas expressas. Um sinal de pare foi colocado em um jardim e vestido com roupas rasgadas para formar um espantalho improvisado. Algumas casas pareciam ter sido derrubadas para dar lugar a plantações de milho. As hastes verdes balançavam orgulhosamente na brisa.
Cães perambulavam pelas ruas e patrulhavam a frente das casas. Eles latiam para ele enquanto passava, mas não se preocupavam em persegui-lo quando percebiam que ele não era uma ameaça ao jardim de seus donos. Havia algumas cabras por lá e um bom número de galinhas, mas Peter não avistava gato algum correndo por ali—eles e os coelhos seriam colocados em cercados e usados como fonte de comida. Animais de estimação não eram mais um luxo viável. Pássaros, também, eram escassos; sem dúvida a pontaria da meninada da vizinhança estava melhorando no estilingue.
Peter se perguntava o que fazia ele se apegar a centros urbanos. As cidades, ele sabia, eram armadilhas mortais, devido ao colapso de seu próprio peso em um futuro imediato, e qualquer um pego dentro delas compartilharia da destruição. Foi o relativamente pequeno número de pessoas vivendo no campo que suportou melhor, embora eles ainda fossem afetados da mesma forma. Qualquer pessoa sensível deveria prever isso e tentar obter um pedaço de terra antes que o caos total se instalasse na nação. Mas Peter foi, e sempre será, um garoto da cidade e era atraído a elas mesmo sabendo que significasse sua morte a qualquer momento.
Meu problema, decidiu, é que eu dou bons conselhos mas, como todo mundo, me recuso a segui-los.
Talvez já fosse tarde de mais para se fazer alguma coisa, sete anos atrás, quando o livro dele, Colapso do Mundo, chegou as prateleiras e abasteceu a controvérsia. As vastas forças globais que ele havia previsto já estavam em curso para destruir a civilização. A falta de materiais tornou-se perceptível já nos anos 70, ainda assim a série de pequenas crises continuaram a crescer sem que medidas sérias fossem tomadas para prevenir isso. A desagregação da sociedade, colocando grupos contra grupos, removeu da humanidade a coesão necessária para lidar com os problemas que ela enfrentava. A Inflação aleijou a economia e greves enfraqueceram a confiança das pessoas em conjecturas.
Muitos livros foram escritos antes prevendo que as condições ficariam críticas antes do fim do Século Vinte; eles foram todos taxados como derrotistas e pessimistas ao extremo pela grande maioria das pessoas, que mantiveram uma fé ingênua nas habilidades da Humanidade de se reerguer como a Fênix, de seus próprios excrementos. Então Colapso do Mundo apareceu, com os mais contundentes e apavorantes argumentos até o momento. E Peter Stone, com vinte e cinco anos, provou sem qualquer sombra de dúvida que a civilização estaria condenada em apenas alguns anos a menos que medidas radicais fossem tomadas imediatamente. Ele até mesmo delineou que medidas seriam essas: eutanásia obrigatória, controle de nascimentos obrigatório, redistribuição de riquezas imediata, descentralização imediata da sociedade, por um fim às moradias familiares singulares, por um fim na produção de animais que não fossem para alimentos, movimento forçado de pessoas para equalizar a distribuição das mesmas, estrito racionamento de água e comida, controle total do governo sobre a indústria, trabalho e transporte, e um estrondoso programa multibilionário para cultivar e colonizar o leito marinho.
Para Peter, foi incrível como pode antagonizar com noventa e cinco por cento do país em apenas uma noite. Embora poucos intelectuais o saudassem como “uma das maiores mentes de nosso tempo”, a melhor saudação menos que a maioria das pessoas criou para foi “aquele maldito socialista.” Alguns estavam convencidos que ele era o diabo encarnado apenas por mencionar o óbvio. Mas o livro vendeu milhões de cópias. Era irônico, pensou Peter, que seu livro foi um dos últimos campeões de vendas; pouco depois da vigésima edição do livro, a maioria dos sindicatos de tipógrafos entrou em greve. Até onde Peter sabia, eles ainda estavam.
Peter tinha acumulado fama e fortuna quando as mercadorias perdiam rapidamente as suas recompensas. Aparecia na televisão em numerosos talk shows, explicando e debatendo a sua crença de que a civilização, não apenas nos E.U.A., mas em todo o mundo, estava desmoronando. Dizia às pessoas que ele não gostava de suas próprias soluções, mas de que algo drástico teria de ser feito para evitar um destino ainda pior. Ninguém escutou. Seus inimigos o chamaram de oportunista, fazendo dinheiro da desgraça do mundo, lucrando no desastre. Peter foi tachado como um vilão e marcado como um radical e traidor.
Enquanto isso, tudo o que tinha previsto foi se tornando verdadeiro. Greves de funcionários municipais levaram a uma quebra nos serviços da cidade. A escassez de gasolina tornou-se ainda mais aguda no final da Guerra de Israel, que devastou noventa e três por cento dos campos de petróleo árabes. De um dia para o outro, o mundo enfrentava sua mais grave crise energética. Sem energia, estações de rádio e de televisão saíram do ar uma a uma. Sem gasolina, os caminhoneiros já não poderiam distribuir materiais, suprimentos e produtos acabados com sua antiga eficiência. Tudo estava em falta e cada vez faltando mais. Comunicação, transporte e distribuição—"A Tríade" que Peter havia listado em seu livro—estavam se deteriorando a cada dia.
Peter virou a direita na Avenida Missão San Fernando e continuou a pedalar. Postes telefônicos foram espaçados esporadicamente ao longo dos lados da rua; a maioria foi derrubada para virar lenha. Ao passar pelas casas enxergou muitas pessoas que trabalhavam nos seus jardins. Eles provavelmente continuariam a viver suas minúcias até o dia em que a água deixou de ser bombeada para suas torneiras. Peter estremeceu enquanto pensava sobre o pânico que seria construir sob a superfície como um gênio malvado aguardando o dia inevitável que seria posto em liberdade.
Peter passou por baixo de um viaduto da autoestrada, atravessou uma rua principal e finalmente chegou a uma área que outrora tinha sido um parque. Eram cerca de três quarteirões de comprimento e um de largura. Uma tentativa foi feita para cultivar milho aqui também, mas foi frustrada por uma multidão que se deslocou para lá. O parque era tomado de carros velhos que as pessoas tinham empurrado e estavam usando como habitação. Primeiro Peter perguntou-se por que eles fizeram isso—habitações eram uma das necessidades menos severas no momento. Então ele viu o que havia do outro lado da rua do parque.
Era a Missão de San Fernando, um dos santuários estabelecidos no século XVIII pelo Padre Junípero Serra que veio a ser chamado El Camino Real. Como uma Igreja Católica, ela representava uma das poucas organizações ainda em funcionamento no mundo de hoje. A missão agia como um ponto de distribuição de alimentos, provavelmente alimentando os indigentes como parte de seu trabalho de caridade. Isso era o que tinha levado o enxame de pessoas pobres a mover-se até o parque do outro lado da rua.
Peter tinha sentimentos mistos sobre as igrejas. Não sendo ele religioso, costumava desconfiar delas. É verdade que elas estavam fazendo um trabalho bom agora, fornecendo não apenas cuidados materiais—como a distribuição de comida—mas também cuidando das necessidades espirituais das pessoas e mantendo o moral alto. Como a situação ficou progressivamente pior, as pessoas apelavam cada vez mais à religião como fonte de conforto. Isso foi bom até certo ponto, mas Peter não podia deixar de recordar como a igreja medieval tinha crescido em um monólito entorpecido, incentivando a superstição e esmagando implacavelmente toda individualidade. Se for para a Humanidade crescer novamente, a liberdade de pensamento seria uma necessidade absoluta. Peter tinha medo que as igrejas estivessem trazendo um alívio de curto prazo e uma opressão de longo prazo.
Peter parou fora da missão e desceu da bicicleta. Esta era sua melhor perspectiva para passar a noite. Ele poderia se alimentar na missão e depois passar a noite sentado contra a parede. As noites podem ser geladas em Los Angeles, mas normalmente não eram insuportavelmente frias. Um dos seus poucos pertences—além do dinheiro, que nem sempre era útil—era o cobertor enfiado na sua mochila. Isto seria suficiente para mantê-lo aquecido esta noite.
Começou a empurrar sua bicicleta para a missão quando notou algo acontecendo em uma rua a oeste da parede do edifício. Um homem negro com uma moto estava sendo incomodado por um bando de jovens brancos.
“Eu acho que ele é de Pacoima”, um dos baderneiros estava dizendo. “Vindo aqui para nos espiar, descobrir quais são nossos pontos fracos. Provavelmente ele e seus amigos querem fazer uma pilhagem de gasolina esta noite. E então, brilhoso, onde conseguiu a motoca?”
O negro era jovem, alto e angular; em dias mais felizes, poderia ter sido um jogador de basquete. Ele vestia uma camisa regata vermelha, calça azul e uma bandana também vermelha na testa. O seu rosto era adornado com um nítido cavanhaque e bigode pretos e era coberto por uma juba curta de cabelos encaracolados. Expressava um olhar digno e ardente. “Toque nessa moto”, disse ele, “e eu vou esculpir o Gettysburg Address
(#) em seu traseiro branco.” A sua voz era tão tranquila, quase inaudível, mas ainda tinha um sentimento de força nela.
O bando ficou surpreendido por um instante, e então começaram a rir nervosamente. Eram nove contra um. “Quem você pensa que é, nego, vindo aqui e dando ordens?”, perguntou o líder, movendo um passo mais perto. O resto do bando fez o mesmo.
Em um movimento rápido, o negro foi a seu bolso das calças, puxou um canivete e abriu a lâmina. A sua mão movia em um pequeno círculo na frente dele, dando a aparência de que a lâmina estava flutuando sozinha. “Não são ordens,” disse ele. “apenas bons conselhos.”
Os baderneiros pararam novamente. As coisas estavam ficando quentes e eles estavam incertos sobre o que fazer. O líder estava na pior situação—ele não queria amarelar na frente de seus companheiros. Assim, após olhar o canivete por um momento, ele calmamente foi a seu cinto e puxou sua própria arma, uma baioneta do exército montada numa haste de madeira. "Se você quer brincar, nós podemos lhe fazer companhia, não é pessoal?" Inspirados pelo seu comportamento, os outros pegaram suas facas.
Peter olhou ao redor. Ninguém no parque estava em uma posição para ver o que estava acontecendo. Se estavam, ignoravam muito bem. Sentiu uma sensação de embrulho em seu estômago e o cuspe em sua boca azedou. Verificou que a sua própria faca estava solta na sua bainha, para o caso de ser necessário.
O bando foi circulando sua presa, mas com menos confiança do que poderia sentir idealmente. A prospectiva vítima não era um impotente forasteiro assustado por seu bullying, mas um homem de aparência poderosa com uma faca afiada e um aparente conhecimento de como usá-la. A gangue avançou com cautela.
O negro ficou parado no lugar, rodando lentamente para manter um olho nas pessoas por trás dele bem como àquelas em frente. A sua faca preparada e apontada diretamente para a garganta do líder.
Com um berro alto, semelhante a um touro, o líder foi para cima. O negro evadiu com facilidade e rapidamente moveu seu punho naquilo que parecia um movimento sem muito esforço—ainda assim, quando o líder se endireitou novamente, Peter pôde ver que um profundo corte tinha trespassado sua orelha esquerda, que sangrava profusamente. “Próximo,” disse o negro, rindo.
Três outros atacaram a partir de direções diferentes. Um recebeu um chute rápido na virilha que o fez dobrar-se de dor; o segundo encontrou apenas o ar quando a vítima já havia se deslocado para causar um golpe na mão do terceiro. “Vamos lá,” gritou o líder da gangue de um canto mais afastado. “O que somos? Um bando de frangotes? Peguem ele!”
Todos eles convergiram de uma só vez, embora mostrando um grande respeito pelas proezas da sua vítima. O negro tinha um maior alcance do que a maioria deles e foi capaz de mantê-los momentaneamente à distância com seus cortes, mas ele não podia durar para sempre contra os seus números superiores.
Peter não era um bom lutador, embora tivesse mais do que a sua quota de prática ao longo do último ano. Ele geralmente evitava brigas se pudesse, mas esta foi uma que ele não podia ignorar se quisesse viver com a sua consciência limpa. Sacando a sua faca e emitindo um grito alto, ele correu para frente.
A gangue foi surpreendida por este ataque a partir de um novo sentido e travou por um momento, dando Peter uma vantagem que precisava muito. Ele incapacitou um dos inimigos com uma punhalada rápida na lateral, sob as costelas. Virando para o próximo homem, golpeou na altura da face, cortando um pouco acima da sobrancelha. Sangue vazou do corte para dentro do olho, cegando o sujeito e fazendo com que ele pensasse que seu olho tivesse sido vazado. O baderneiro caiu no chão, aos gritos.
O negro não hesitou como seus atacantes. A sua faca estava ocupada cortando seus adversários, fazendo-os lutar defensivamente. Mas agora eles tinham se recuperado da surpresa do ataque de Peter e lançaram uma contraofensiva própria. Peter encontrou-se enfrentando dois tipos grandes ameaçadores com homicídio em seus olhos. Sem o elemento de surpresa do seu lado, os dois baderneiros eram sem dúvida os melhores combatentes. Peter afastou-se deles lentamente até que descobriu que a suas costas estavam contra a parede da missão. Os outros dois continuavam se aproximando dele, sorrisos maldosos em suas faces.
O que estava à sua esquerda arremeteu-se contra ele. Peter tentou girar para longe, mas não foi rápido o suficiente—a faca do atacante cortou a parte superior do seu braço esquerdo, enviando uma onda de dor através de seu corpo. O sangue brotou, colorindo sua já encardida camisa, mas teve pouco tempo para se preocupar com isso—lutava por sua vida.
Seu giro o colocou em uma má posição, porque agora tinha o seu lado esquerdo para fora e o seu lado direito—juntamente com a sua faca—contra a parede. Peter teve que se abaixar rapidamente quando o segundo invasor, vendo a abertura, fez um golpe perigoso em direção a sua cabeça. A lâmina assoviou apenas um quarto de polegada sobre seu cabelo.
No entanto, ao fazer o golpe, o jovem ficou com a guarda aberta. Peter avançou e deu-lhe uma estocada na barriga do atacante. O homem soltou um grito de dor e encolheu-se lentamente no chão. Peter com agilidade puxou sua lâmina e rolou no chão para escapar do primeiro atacante, que vinha para cima dele outra vez.
Quando ficou em pé viu o homem diante dele em uma posição agachada de combate. Circularam um ao outro por breves momentos, então o sujeito atacou. Peter tentou dar uma de Matador
(#), evadindo o ataque e aparando a investida, mas foi apenas parcialmente bem-sucedido. A faca do baderneiro cortou através de sua camisa e arranhou as costelas do lado esquerdo. Peter girou o corpo e tomou distância.
O jovem, sentindo uma presa fácil, atacou de novo. Contudo, ele chegou a apenas meio caminho de Peter. Gritando ele caiu para frente. Um canivete estava enfiado em seu pescoço.
Peter olhou em sua volta, estudando o campo de batalha. Sete corpos estavam espalhados no chão, a maioria deles vivos, mas gravemente feridos. Os dois membros da gangue restantes fugiam descendo a rua. No centro da devastação, o homem negro admirava sua obra com calma. Parecia incólume. Com um sorriso direcionado a Peter, ele aproximou-se e puxou seu canivete da garganta da última vítima, limpou-o na camisa do homem, dobrou a lâmina e o enfiou de volta em seu bolso. Então, ele caminhou para a sua moto, preparando-se para partir.
“Ei,” disse Peter, “você não vai me agradecer?”
O negro virou-se. “Agradecer? Pelo que? Por fazer algo que qualquer um com coragem deveria ter feito?"
“Mas não foi qualquer um, fui eu e estou sangrando.”
O negro aproximou-se, agarrou bruscamente o braço esquerdo ferido de Peter e examinou-o. “Merda, cara, essa ferida não é nada. Ela vai curar, a menos que infeccione.” Ele parou com uma ideia que lhe ocorreu. “Você vive aqui?”
Peter balançou a cabeça negativamente.
“Ah, um stoner, né?” Peter detestava essa expressão. Desde que o Colapso tinha começado, muitas pessoas haviam deixado suas casas e foram levadas a vagar, procurando por um lugar melhor do que aqueles que deixaram. Supostamente o termo "stoner" tinha surgido porque essas pessoas foram descritas como "rolling stones," mas Peter suspeitava de que a palavra era também uma brincadeira com seu sobrenome.
“Veja bem”, o homem prosseguiu, “gostaria de estabelecer-se em um lugar pacífico, onde não há escassez e todos trabalham em conjunto?”
Peter olhou para ele com desconfiança. “Claro, quem não gostaria? Só que onde você vai achar um lugar como esse? É no seu quintal por acaso?”
“Não banque o engraçadinho, cara, fiz uma pergunta legítima”.
“E eu disse que sim.”
“Qual é o seu nome?”
“Peter Smith.” A mentira veio por reflexo agora.
O negro estendeu sua mão. “Kudjo Wilson.” Eles bateram as mãos em vez de sacudi-las. “Ouça, se você realmente deseja ir para algo melhor do que tudo isto”, e gesticulou de uma forma que mostrasse o parque repleto de carcaças de carros, “Acho que será melhor você ter uma conversa com o meu chefe.”
Peter deu de ombros. “Mal não vai fazer, eu acho. Onde está ele?”
“Ah, ele ainda está há algumas milhas daqui. Se quiser, você pode subir na garupa que eu levo você até lá imediatamente.”
Peter balançou a cabeça negativamente. “Desculpe, mas tenho uma bicicleta que eu prefiro não deixar para trás e não podemos levá-la conosco na moto.”
“É mesmo.” Kudjo pensou por um minuto. “Seguinte: Vou de moto na frente e contarei a meu chefe sobre você. Ele passará por aqui de qualquer forma, ou aqui por perto. Por que você não espera junto a rodovia, aquela lá.” Ele apontou mais a leste. “Fica duas ou três quadras naquela direção. Você espera antes da ponte da passarela, na face sul. Você tem um relógio?”
Peter balançou a cabeça novamente. “Foi-me roubado mês e meio atrás.”
“Bem, mesmo assim, ele vai estar lá daqui algumas horas. Depois do escurecer, se isso não incomodar você.”
“Bem.….” Peter começou.
“Esteja lá,” o outro aconselhou. Ele deu a partida na moto. “Nós não esperaremos.” E partiu.
Segurando o braço esquerdo dolorido, Peter voltou para bicicleta. Após a luta com aqueles brutos, a missão pode não ser o melhor lugar para ele para passar a noite. Pois afinal, eles poderiam voltar querendo vingança. Seu estômago roncava por não ter sido alimentado desde o café da manhã, mas seria melhor permanecer vivo do que tentar um rango gratuito aqui e, mais tarde, ser assassinado em seu sono.
Pedalou mais para leste ao longo da Avenida Missão San Fernando e finalmente chegou à passarela que Kudjo Wilson havia mencionado. O sol tinha acabado de sumir e o céu estava ficando sinistramente escuro. Peter parou embaixo da passarela e olhou para cima. Deveria acreditar no que o negro tinha dito? Ele tinha há muito desistido de acreditar nos contos de fadas, e toda essa estória soava como um El Dorado moderno. Um lugar de paz e fartura seria muito difícil de encontrar, e convites para ele não cairiam no seu colo assim tão casualmente. Além disso, como poderia um homem negro ter a chave para Utopia? Não fazia sentido. Se houvesse tal lugar, o que Kudjo Wilson estava fazendo aqui?
Mas enfim, o que é que ele tem a perder? Se isto fosse uma emboscada, o que mais eles poderiam tomar dele além de sua bicicleta, um cobertor e algum dinheiro praticamente inútil? Seria pouco saque para uma armadilha tão elaborada. Além disso, Wilson poderia ter lhe roubado sozinho se quisesse. Toda essa situação era muito intrigante.
Peter pedalou sua bicicleta na rampa e estacionou do lado da ponte.
Sentou lá no escuro, a espera. O tráfego na estrada era praticamente inexistente devido à falta de gasolina—apenas dois carros em mais de uma hora, e passaram por ele na pista rápida sem ao menos diminuir de velocidade. Seriam as pessoas que ele devia encontrar que haviam passado? O teriam visto? Se não fossem eles, será que viriam afinal? Perguntou-se. Tudo isto poderia ser uma piada elaborada e incompreensível.
Você é um tolo, ele disse a si mesmo com firmeza. Escutando histórias da Terra do Nunca na sua idade. Você provavelmente compraria a ponte Golden Gate se alguém oferecesse a você agora. Mas ele ficou, porque não havia nenhum lugar para ir.
Depois do que deve ter sido outra hora, viu alguns faróis se aproximando do norte. Estes viajam mais lentamente do que os carros que passaram zumbindo, e, a medida que se aproximavam, Peter pode notar que era uma fila de carros em procissão. O veículo que encabeçava parou antes de chegar à ponte e saiu no acostamento. Os carros atrás seguiram o seu exemplo.
Um refletor ligou na parte superior do veículo e mirou em Peter, cegando-o com o seu brilho. “Sr. Smith?” chamou uma voz estranha.
“Sim,” ele respondeu.
“Venha, entre, estávamos torcendo que estivesse aqui. Gostaria de jantar?”


(#) (NdT) Expressão pejorativa que designa alguém que abandonou seu lar depois do Colapso em busca de algo melhor. O termo será melhor explicado mais a frente.

(#) (NdT) Boxes refere-se a um modo de construção urbana, na qual muitas casas eram parecidas (no formato de pequenas caixas) a não ser pela cor, e ticky-tacky refere-se ao material de má qualidade utilizado na construção das mesmas.

(#) (NdT) nome do mais famoso discurso do Presidente Abraham Lincoln em 19 de Novembro de 1863.

(#) Provável referência ao filme western O Matador de 1950 (em inglês The Gunfighter).

CAPÍTULO 2
“Serviços de correio de primeira classe são história,” alega o Wall Street Journal. Um exemplo do problema ocorreu no mês passado quando um saco de cartas desapareceu no Condado de Prince George, Maryland, causando incômodos para um grande número de residentes. A Sra. Ernest Drumheller, que vive em Clinton, Maryland, disse que retornou de férias e descobriu que seu telefone havia sido cortado porque o cheque dela não chegou a empresa telefônica. Custou US$ 10 para ter o serviço reinstalado. Vários clientes do Banco Nacional do Povo em Clinton pararam de pagar os cheques que temiam estar no saco perdido…

Los Angeles Times
Quarta-feira, 11 de Setembro de 1974

* * *

A comunicação faz parte da Tríade, um dos três grandes requisitos de qualquer civilização. As pessoas e as organizações podem interagir apenas na medida em que eles podem se comunicar um com o outro. Pouca ou nenhuma comunicação gera suspeita, ódio e conflitos. À medida que a comunicação aumenta e melhora, o estranho se torna menos temeroso e a interação pacífica torna-se viável…
No tempo dos gregos a unidade política gerenciadora era a cidade-estado, e seu tamanho foi determinado por quanto um homem pode caminhar em um dia. Isso garantiu que todos não estariam mais do que um dia fora de contato com os acontecimentos atuais. Cidades-estados vizinhas, com as quais a comunicação era muito menos frequente e mais fora da data, eram tratadas com desconfiança.
As comunicações hoje são praticamente instantâneas em qualquer parte do mundo. Esse fato nos permitiu desenvolver uma civilização global. Porém, ao construir esta rede tão rapidamente, podemos ter ido longe demais. Como um elástico estendido além de seu ponto de ruptura, a chicotada será forte e dolorosa…

Peter Stone
Colapso do Mundo

* * *

Enquanto Peter aproximava-se do primeiro veículo, ficou perplexo ao ver que este era blindado, o tipo utilizado para transportar dinheiro para bancos e lojas. Aquele quadrado cinzento sinistro estava ali impassível diante dele. O holofote no telhado ferroava seus olhos, habituados à escuridão, mas ele podia notar que o segundo veículo do comboio também era blindado. O resto dos carros na retaguarda eram apenas formas em sombras; Peter não sabia dizer quantos eram ou como pareciam.
Uma figura esguia saiu do segundo veículo e veio ao seu encontro na porta do primeiro. Era Kudjo Wilson. “Que bom que conseguiu”, disse ele, abrindo a porta do passageiro na cabine do veículo. “Deixe-me fazer as introduções.”
Ele colocou a cabeça dentro da cabine. “Honon, este é o cara, Peter. Peter, gostaria de te apresentar o honorável, ilustre, e inestimável Israel Baumberg”
Havia uma pequena lanterna brilhante à bateria dentro da cabine, lançando luz suficiente para Peter distinguir o homem a quem estava sendo apresentado. Mesmo sentado, Israel Baumberg era um homem grande, com ombros largos e braços potentes. De pé, ele deveria ter facilmente um metro e noventa. Seu cabelo era liso e preto, cortado à tigela curto. O seu rosto era cheio de rugas e desgastado pelo tempo, parecendo mais pele curtida que carne. Era difícil distinguir os tons de pele na luz débil, mas com base na estrutura das características Peter apostaria que este homem era de cor. Um fuzil automático e uma metralhadora estavam apoiados casualmente ao lado dele.
“Bem-vindo à nossa caravana, Sr. Smith. Venha, entre.” Enquanto Peter entrava, o interlocutor examinou-o através da luz tênue. “Ou devo dizer Sr. Stone? Que honra inesperada.”
Peter fez uma careta. O reconhecimento não era bem-vindo; muitas pessoas tinham sentimentos ruins sobre ele. Entretanto, subiu na cabine e sentou no banco do passageiro.
“Deixe-me ver seu braço,” o homenzarrão continuou. “Kudjo me disse que você se feriu.” Ele examinou a ferida ternamente. “Bem, não me parece muito ruim, mas não queremos quaisquer surpresas desagradáveis ao longo do caminho por isso é melhor tratar disso. Kudjo, você poderia voltar e ver se Sarah está livre? E enquanto estiver nisso, verifique como eles vão indo com o jantar.”
“Sim, sinhô,” riu Kudjo em uma paródia do tempo de negros submissos. Ele moveu-se entre os carros alinhados para efetuar as instruções.
“Bom homem, esse Kudjo. Você teve sorte em deparar-se com ele. Ele costumava ser um oficial de narcóticos trabalhando disfarçado para a polícia de St. Louis. Eles não o tornaram uma pessoa melhor. Já quanto a mim, antes de começar a fazer perguntas, meu pai era judeu e minha mãe indiana, e prefiro que usem meu nome indiano, Honon, que significa ‘urso.’ Isso é mais do que suficiente sobre mim no momento. Perguntas?”
“Sim—do que se trata tudo isto?”
“Esta,” Honon abriu seus braços e mãos para incluir a comitiva atrás de seu veículo, “é uma caravana que Kudjo e eu estamos liderando. Estamos no processo de ir daqui até lá.”
“Eu sei onde o aqui é, mas onde fica o ‘lá’?”
“Esta é uma longa história que vou contar em breve. Começamos em San Francisco desta vez, e andamos por toda a costa da Califórnia. Você teve muita sorte em ter nos encontrado; estávamos descendo a Rota 101 e teríamos evitado esta área por completo, não fosse por um terremoto ter destruído a estrada a sul de Ventura. Tivemos de recuar até a 138 e atravessar toda Santa Paula até a Interestadual 5, que é onde estamos agora. Íamos provavelmente acampar aqui para passar a noite e partiríamos pela manhã.”
Neste ponto uma mulher enfiou a cabeça através da porta aberta do lado do passageiro. Ela parecia ter seus quarenta anos, com cabelos loiro-acinzentados e uma face rechonchuda. “Eu ouvi falar que tem alguém precisando de cuidados,” disse ela a Honon.
“Certo. Peter, esta é a Dra. Sarah Finkelstein, que estará administrando nossos males nesta viagem. Sarah, eu gostaria que você conhecesse o notório Peter Stone.”
Peter estremeceu-se novamente pela apresentação. A médica o olhou de cima a baixo de forma crítica. “Ora, ora, ora. O homem que no fim das contas estava certo. Isso funcionou de consolo?”
“Nunca.”
“Eu suponho que não. Bem, vamos ver o que você tem?” Ela analisou a sua ferida, cacarejando sarcasticamente consigo mesma. “Sua vacina de tétano é recente?”, perguntou ela.
“Não faço uma em anos.”
“Foi uma pergunta tola, eu sei, mas velhos hábitos não morrem. Você não receberá uma de mim, também; estou sem vacinas. Contudo, não parece muito ruim. Eu vou limpar a ferida e fazer um curativo para você. O braço vai ficar um pouco rígido, mas você vai sobreviver. Já a minha próxima pergunta, vai soar um pouco pessoal, mas é necessária. Você tem alguma doença venérea?”
Peter se surpreendeu com a atitude rude dela, mas respondeu negativamente. “Bom,” disse ela. “Temos de tentar manter os nossos reprodutores puros.” Sem mais elaboração, Sarah passou a trabalhar em seu braço de forma silenciosa e eficaz, depois deixou Peter e Honon sozinhos.
“Antes de começar a minha história completa,” disse Honon, “há alguns fatos necessários como prelúdio. Você está familiarizado, sem dúvida, com os avanços no campo da criogenia e animação suspensa.”
Peter acenou. “Eu as mencionei no meu livro.”
“Sim, certo. Perdoe-me, eu tinha esquecido; já faz um tempo desde que eu pude reler ele. Se me lembro bem, você não tem nada de bom a dizer sobre elas.”
“Elas foram um esforço inútil, uma fútil tentativa de obter a imortalidade. Quais possíveis vantagens poderia haver no congelamento de alguém para ser despertado cinquenta anos depois de agora, quando todas as indicações são de que o mundo naquele tempo teria dificuldade em suportar até mesmo as poucas pessoas que ainda estariam sobrando? As pessoas do passado seriam totalmente inúteis em um mundo novo atormentado pela fome, seca, guerras e praga. O dinheiro e o talento usado nessa pesquisa seria mais bem utilizado em outro local.”
“Talvez,” disse Honon, “mas pode ter havido algumas ramificações que mesmo que você não previu.”
“Tais como?”
“Não tão rápido. Você já ouviu falar de uma estrela chamada Epsilon Eridani?”
“Temo que a astronomia nunca foi meu forte.”
“Nem o meu. Mas felizmente há algumas pessoas que têm interesse por isso. Alguns anos atrás, antes de o programa espacial desintegrar-se por completo, eles realizaram um experimento que chamaram de paralaxe de satélite—não me peça para explicar o que eu não consigo—e eles descobriram que a Epsilon Eridani tinha toda uma série de planetas, tal como o nosso próprio sol. Foi uma descoberta interessante, mas o mundo tinha problemas mais urgentes e não prestou atenção.
“Nesse mesmo tempo, um homem escreveu um livro. Era um grande livro, um poderoso livro, e assustou muita gente. Falava do fim da civilização e de um regresso à barbárie devido à superpopulação, esgotamento de matérias-primas e de uma repartição geral das forças coesivas. A maioria das pessoas ficou brava com isso porque era um fato que não estavam dispostas a enfrentar—“
“Não me diga,” Peter murmurou.
“—mas algumas pessoas ficaram intrigadas. A contestação do autor era indiscutível, ainda assim essas pessoas com ideias não queriam ver o fim da civilização. Então elas começaram a pensar em alternativas.”
“E eu também, e fui odiado por isso. Claro que minhas sugestões eram radicais, mas eu estava lidando com uma situação de crise. Meus planos podem não ter funcionando, mas não seriam tão ruins comparados com o inferno que vivemos hoje.”
Honon deu de ombros. “Quem saberá ao certo? De qualquer modo, aquelas pessoas com ideias viram o ressentimento contra você e decidiram trabalhar em segredo. Incluído neles estavam pessoas com influência, algumas com dinheiro, e outras com ambos.”
“Isso sempre ajuda.”
“Então eles construíram essa espaçonave—”
Peter engasgou-se. “Ei, espera um minuto. Acho que perdi uma etapa aqui. O que é isso sobre uma espaçonave?”
“Pense sobre isso; use essa sua mente incisiva. Se a Terra está esgotada, então a civilização teria uma melhor chance em outro lugar para continuar e crescer, correto? Onde mais podemos ir? Certamente nenhum outro planeta do sistema solar é capaz de sustentar uma colônia sem uma poderosa tecnologia por trás. Então isso nos deixa com as estrelas—particularmente, Epsilon Eridani.”
Peter estava para dizer algo quando uma garota bateu na porta do veículo. Ela tinha cabelo escuro, e não podia ter mais que oito ou nove anos de idade. “Senhor Honon,” disse ela, “trouxe o jantar para você e para o outro homem.”
“Obrigado, Mary”. Honon foi até sua janela e pegou duas tigelas com a garota. “Cuidado,” ele disse a Peter, enquanto passava uma das tigelas para ele. “Está quente.” A garota saiu e voltou para sabe-se lá o lugar de onde veio.
O líquido nas tigelas era de uma consistência entre sopa e cozido. Havia batatas, ervilhas, feijões, cenoura, soja e até alguns pedaços pequenos de frango—praticamente um bufê nos padrões de hoje. O estômago de Peter estava gritando pelo fato de não ter tido nada o que comer desde um café da manhã ralo naquele dia. Ele aceitou a colher que Honon ofereceu e colocou um pouco da mistura na boca, apreciando a combinação de sabores. “Você come muito bem,” disse Peter.
“Obrigado. Como mencionei, estamos tentando manter a civilização viva, e um dos aspectos mais agradáveis dela é a boa comida. Fazemos o que está ao nosso alcance enquanto viajamos, mas até isso é longe de ser uma refeição balanceada.”
“Há pessoas que matariam por um pouco disso.”
Honon suspirou. “Sim, eu sei bem. Houve algumas tentativas, e é por essa razão que usamos veículos armados para liderar essa procissão. Viajar nos dias de hoje não é algo que você faz por capricho.”
Ambos comeram em silêncio por um momento, percebendo que sua refeição era literalmente um tesouro nesse mundo sem recursos. Peter terminou primeiro e recostou-se satisfeito.
“Muito obrigado. Foi a melhor refeição que tive em semanas.”
“Você gostaria de um pouco mais? Posso mandar a tigela para uma recarga.”
“Não quero fazer incursões em seus suprimentos—”
“Vamos ficar bem por um tempo. A parte de trás inteira daquele segundo caminhão está lotada de coisas congeladas ou desidratadas.”
Peter ficou tentado, mas decidiu abster-se de pedir. “Não quero me acostumar com uma vida rica,” disse ele. “As coisas podem mudar abruptamente.”
Honon acenou. “Verdade, mas nada me impede de viver bem enquanto posso. Eu aprendi quando pastoreava que você sobrevive os maus momentos e vive os bons.”
“Você criava gado, então?”
“Fui um pouco de cada coisa. Lenhador, caminhoneiro, patrulheiro, capataz, carpinteiro, lavador de louças—gosto de fazer coisas diferentes de tempos em tempos.”
“E você é agora um condutor de uma caravana”
“É. Então, o jeito que vejo isso é que você tem que continuar se movendo em direção a algo. Viajar não é o bastante; você tem que ter um objetivo em mente.”
“E seu objetivo é as estrelas?”
“Não imediatamente. Primeiro tenho que levar esse povo até o Monastério.”
“Até o que?”
“É assim que chamamos nossa pequena colônia. Uma vez foram os monastérios que mantiveram todo o conhecimento vivo durante a primeira Idade das Trevas, nós pensamos em batizar nossa base assim. Garanto que não tem nenhum significado religioso; somos todos muito tolerantes. Já é difícil viver hoje sem ter que reviver maus hábitos.”
“Não são todos que pensam assim. O fanatismo parece ter chegado ao ápice,” falou Peter amargamente.
Honon deu de ombros. “Não me importo eles se matando e tudo mais. Penso que que a raça só irá melhorar quando o fanatismo for removido do pool genético.”
“Onde fica esse seu Monastério?”
“Oh, fica por ai, em algum lugar.” Honon acenou com a mão em uma direção mais ou menos a leste. “Temo não poder ser mais específico. É segredo, e por um bom motivo. Vivemos muito bem a ponto de gerar inveja em pessoas do lado de fora. Se soubessem onde estamos, iriam nos destruir. É por isso que não posso contar para as pessoas da caravana aonde vamos exatamente—no caso de eles nos deixarem ou ficarem separados, não serão capazes de contar a outros.”
“Mas se você planeja uma colônia interestelar, você deve ter um monte de gente—”
“Quase cinco mil, na última contagem.”
Peter assoviou. “Mas é impossível esconder tantas pessoas.”
“Nós damos um jeito,” sorriu Honon.
“Mas tirar essa quantidade de pessoas da Terra seria um enorme problema. Como você propõe fazê-lo?”
“Para começar, nem todo mundo irá. Alguns de nós temos um sentimento de apego a esse velho mundo, e gostariam de ficar aqui tentando reabilitá-lo se possível. Somente uns três mil farão a viagem.”
“Mas mesmo assim, o combustível necessário—”
“Propulsão nuclear, o que permite grande energia com poucos gastos. O desenvolvimento do programa espacial nos últimos anos foi suprimido por outros assuntos nas reportagens e na imprensa. Tudo do que se falava eram guerras e carências. Não foi testado ainda em missões tripuladas, mas experimentos em terra foram promissores.”
“Não vou fingir ser um engenheiro espacial, mas lembro-me de ter visto em um planetário que levaria milhares de anos para ir daqui até à estrela mais próxima. Você não pode esperar que os colonizadores vivessem isso tudo—somente a comida para três mil pessoas encheria diversas naves.”
“O que você viu foi baseado em velocidades constantes. Motores nucleares, por sua vez, aceleram constantemente—dez milésimos de um ‘G,’ para ser preciso. Eu sei que não parece muito, mas vai se acumulando. As últimas estimativas dizem que se pode fazer a viagem em apenas seiscentos e cinquenta anos.”
“Mas, mesmo assim—”
“Lembra o que eu disse mais cedo sobre as técnicas de criogenia? Os colonizadores serão congelados momentos antes da decolagem e, exceto pela tripulação, não acordarão até que estejam em sua nova casa. Vai poupar suprimentos e espaço, já que não vão andar pela espaçonave.”
Peter ficou parado por um instante, considerando as possibilidades. “Ou você é louco,” disse ele afinal, “ou o sonhador mais desesperado que eu conheço.”
“Um pouco de ambos, espero. Estamos vivendo uma era realista, sem sonhos, e olhe a confusão em que as coisas estão. Não há nada mais realista que tentar continuar vivo, que é o que todos estão fazendo. Para eles é um negócio vitalício. Não há tempo para sonhar. Como resultado, eles têm vidas no limite da sobrevivência e fica cada vez pior. Quanto a mim, insisto em olhar o céu de vez em quando e perguntar se as coisas poderiam ser melhores. A fantasia pode ser ligeiramente insana, mas nenhuma criatura inteligente pode durar muito sem ela.
“Além disso,” acrescentou, apontando um dedo acusador para Peter, “você é muito bom em criticar. Não ache que eu não consigo ver atrás da máscara de cínico que você usa como se fosse um ator grego. Mark Twain, quando acusado de ser um pessimista em sua velhice, destacou que em vez disso ele foi ‘um otimista que não chegou.’ Se você não idealizar, se você não ver o mundo tal como deve ser, você nunca poderia ter reunido em seu livro todo o fogo e a cólera que sentiu.”
“É mesmo?” perguntou Peter surpreso. Muitas pessoas tinham tentado psicanalisar ele através de seu livro, com variado sucesso.
“Um cínico é apenas um otimista frustrado. Você tem que ter ideais em primeiro lugar para depois ficar desiludido com o fato de elas não terem sido alcançadas. Você, Peter Stone, é um construtor de utopias sem um bom suprimento de madeira.”
“E é por isso que você quer que eu me junte a você—porque eu sou uma falha aqui e quer me dar outra chance? Peço desculpas por ser cínico, mas não acredito.”
Honon balançou a cabeça negativamente. “Não só por isso. Quero dar outra chance para a humanidade, e acho que você pode ajudar. Você pensa sobre fenômenos sociais. Você vê alternativas onde outras pessoas são cegas, e você não tem medo de falar sobre elas abertamente. Vamos precisar de um bom observador de alternativas e um crítico social se esperamos chegar a algum lugar. Pronto—eis a regras e a descrição do trabalho. Preciso de uma resposta, um compromisso a partir de agora, porque não vou voltar a este caminho novamente. Você quer o trabalho?”
Peter nem sequer hesitou. “Bem, o pagamento é ruim, mas os benefícios extras parecem bons. Se você cortar um pedaço desse sonho para mim, eu acho que posso engoli-lo.”


CAPÍTULO 3
Bilhões de dólares foram gastos nos últimos anos para melhorar a aplicação da lei—ainda assim o crime tem continuado a aumentar e muitos americanos estão preocupados se será possível controlá-lo…
Patrick V. Murphy, um antigo agente da polícia em Washington e Nova Iorque, diz o seguinte: “Temos de encarar os fatos. Há muita instabilidade nas nossas cidades. Enquanto tivermos desemprego, subemprego, lares quebrados, alcoolismo, drogas e problemas mentais, teremos também o crime.”

U.S. News & World Report
10 de junho de 1974

* * *

O crime é uma saída que muitos adotam para adaptarem-se a uma sociedade cuja complexidade cresceu acima dos limites. Em sua última tentativa de se manter unida, prevejo que nossa cultura atravessará seu último e monstruoso espasmo de “lei e ordem.” Tudo o que for diferente da norma será sujeito a variados meios de repressão nas desesperadas tentativas da sociedade de se manter à tona.
A verdadeira tragédia disso tudo são os efeitos colaterais que a polícia terá na sociedade pós-Colapso. A repressão suscitada agora vai prolongar-se, como a perna de um sapo que continua chutando mesmo depois do corpo estar morto…

Peter Stone
Colapso do Mundo

* * *

Peter passou a noite na cabine do caminhão blindado com Honon. Eles conversaram um pouco mais, comparando experiências que cada um teve em suas viagens pelo país. Peter descobriu que Honon esteve viajando pela nação regularmente nos últimos quatro anos, conduzindo essas caravanas. O quadro que pintou não era muito agradável. Miséria, fome e conflito eram onipresentes nos Estados Unidos. A praga ainda não tinha começado a cobrar seu preço, mas as condições das cidades estavam colaborando para a quebra do saneamento e a dispersão de doenças.
“De certo modo,” disse Honon, “é vantajoso que o Colapso seja global. Se as guerrilhas judaicas não tivessem começado sua luta na Rússia há cinco anos, os russos poderiam ter levado vantagem da nossa fraqueza e nos invadido. Mas com os judeus dentro, os chineses a sua volta e uma tremenda falta de recursos, eles acabaram ficando pior que a gente.”
Com o passar do tempo a dor no braço de Peter e a exaustão das atividades do dia foram se acumulando. Ele recostou-se no assento de couro e teve sua primeira boa noite de sono em dias.
Honon o acordou logo após o nascer do sol sacudindo seu ombro bom. “Acorde bela adormecida”, disse ele amigavelmente. “Está na hora do café da manhã—e hora também de conhecer o resto das pessoas com quem vai dividir essa viagem.”
Peter desceu da cabine e teve sua primeira boa visão da caravana inteira. Os primeiros dois veículos eram caminhões blindados—e depois que Honon contou sobre como as condições do país estão no momento, Peter concordou que a caravana deveria estar preparada para tudo. O próximo na fila era um trailer, ao lado do qual um grande grupo de pessoas estava reunido. Atrás do trailer uma van Volkswagen azul e branca, e atrás dela três carros compactos. Formando um desfile interessante, pensou Peter.
Enquanto Honon o levava até o trailer, Peter sentia o olhar frio dos membros da caravana. Eles já deviam estar a par do nome de seu notório novo companheiro. Imaginou quantos deles já o odiavam.
“Pessoal, reúnem-se”, chamou Honon, e as conversas privadas cessaram. “Quero que conheçam nossa nova aquisição, Peter Stone. Todos devemos gratidão a ele, eu acho, porque foi o seu livro que fez com que nosso pessoal se mexesse. Sem ele, não haveria Monastério e nenhum plano de espaçonave. Não hesitem em mostrar a ele quão gratos nós estamos.”
Peter ficou surpreso com aquela apresentação, e mais surpreso ainda quando as pessoas atenderam ao pedido de Honon. Ficaram paradas por um momento, meio inseguras de si, mas então vieram em pequenos grupos dar boas-vindas à caravana. Homens e mulheres vieram cumprimentá-lo, e crianças sorriam timidamente para ele.
“Desculpe, não posso ficar e apresentar a todos,” disse Honon. “Vou pegar um café rápido e ver se consigo recrutar um sapateiro.”
“Um sapateiro?”
“Sim, um bom homem que foi recomendado por alguém do Monastério. Ele vive no centro de Los Angeles.” Honon viu a confusão na cara de Peter e explicou mais um pouco. “Veja bem, se você for lotar uma colônia vai pegar os sujeitos mais inteligentes e intelectuais que encontrar, certo? Mas digo agora mesmo que isso não vai funcionar. Alguns intelectuais—até mesmo muitos intelectuais—são necessários, com certeza, mas você não pode construir um mundo só de doutores e físicos nucleares. A primeira vez que o encanamento falhar, você terá um problemão. Tenho que recrutar pessoas que seriam úteis em uma situação de limites. Pessoas que já foram treinadas para produzir o que precisamos. Aonde estamos indo não haverá fábricas fazendo roupas para você em uma linha de montagem; precisaremos de artesões que podem fazer bons calçados do nada. As pessoas dessa viagem serão uma mistura esquisita, claro; mas estamos tentando salvar a Humanidade, e a Ela em si já é uma mistura esquisita. Pense nisso.”
Honon foi até o trailer e, depois de um momento, voltou com um cantil, dois pedaços de bolo de trigo e algumas frutas desidratadas. “Vejo você mais tarde,” falou a Peter. “Enquanto isso, tente conhecer o pessoal um pouco. Penso que achará esse grupo interessante.” Ele foi até o caminhão blindado, pegou uma motocicleta de dentro e saiu com ela até a cidade.
Enquanto Peter esperava na fila para o café da manhã, foi conhecendo membros da caravana que vinham se apresentar. Conheceu Dominic e Gina Gianelli de Oakland, um casal na casa dos trinta anos de idade. Dom, como o homem preferia ser chamado, era carpinteiro “e um fã de futebol americano. Mas não parece que teremos mais jogos por enquanto.” Peter concordou. Os Gianellis tinham cinco filhos, indo de dois a dez anos de idade; apesar de ter sido apresentado a todos eles, Peter teve problemas para memorizar a ordem correta e os nomes, exceto por Mary, a de oito anos, que foi a garota que lhe trouxe comida na noite anterior.
Conheceu Bill e Patty Lavochek de San Luis Obispo. Os Lavocheks, ambos com seus vinte e poucos anos, estavam casados fazia apenas quatro meses, e estavam encarando essa empreitada como se fosse uma grande aventura—e um bom modo de começar vida nova. Bill, um maquinista, tinha certeza que seus talentos teriam alta demanda no Monastério e no novo mundo.
Peter também conheceu Harvei e Willa Parks. Harv, um encanador de San Francisco, era um homem pequeno experiente em seus quase quarenta anos. Tinha modos bruscos, mas uma disposição amistosa. Willa era cerca de dez anos mais nova que ele. Muito tímida e quieta, mas que sempre fazia tudo que lhe era pedido sem reclamar. Possuíam dois filhos, uma garota de sete e um garoto de quatro.
Antes de se tornar o primeiro da fila a médica, Sarah Finkelstein, veio perguntar como seu braço estava. Peter disse a ela que o braço estava rígido, mas usável, e ela pediu que avisasse se a situação mudasse.
Em frente a fila, servindo os membros, estava o casal japonês, Charlie e Helen Itsobu, ambos na casa dos quarenta anos. Charlie foi colocado nos afazeres culinários porque era um chef profissional—chefe de cozinha, na verdade, no que era o restaurante japonês favorito de Peter em San Francisco. Peter deu-se conta de quão habilidoso Charlie deveria ser—não é comum um jovem chegar tão alto nos círculos da culinária—e cumprimentou ele. Charlie sorriu e pediu desculpas por servir algo não tão elegante como gostaria. Com uma piscadela, deu a Peter um bolo de trigo a mais.
Enquanto Peter se afastava do trailer, os Gianellis acenaram, convidando-o para sentar e comer com eles. Peter fez isso com alegria; já fazia tanto tempo que ele teve companhia e agora estava ficando bêbado de camaradagem. Kudjo lhe deu um tapa nas costas quando se sentou, saudou o resto de pessoal, e então pegou uma segunda motocicleta do caminhão líder e saiu com ela. “Onde ele está indo?” perguntou Peter.
“Oh, ele é nosso batedor,” disse Dom Gianelli. “Vai na frente, dá uma olhada na situação, garante que nossa rota está segura. Era isso que ele estava fazendo ontem quando encontrou você.”
Peter acenou. “Faz sentido.”
“Bom homem, esse Kudjo. Aposto que teria sido um excelente jogador de futebol americano. Um wide receiver
(#) natural, pelo jeito dele.”
“Posso me juntar a vocês?” veio uma voz feminina por trás. “Não posso deixar passar a notável chance de conhecer um bacharel.”
“Sim, sente-se,” sorriu Gina Gianelli.
A garota que se sentou ao lado de Peter era baixa e meio corcunda, com um cabelo castanho desgrenhado e olhos grandes. Sua característica mais aparente era seu nariz, que dominava sua face a ameaçava tomar o controle completamente. “Sou Marcia Konigsburg, vinte e quatro e solteira. Não que eu esteja medindo você para um bolo de casamento, mas acho que é bom deixar as coisas claras o quanto antes. Desenho roupas para boutiques, e também faço fantasias para o teatro. Acho que é por isso que Honon pediu para que eu viesse—seja lá onde vamos parar, acho que precisaremos de alguém que faça as roupas certas para a ocasião.”
Peter gostou dela instantaneamente. Ela era amigável, quase grudenta, mas cujo charme superava a impressão inicial de falta de elegância. “Li seu livro, sabe,” ela prosseguiu.
“Então você é a única.”
“Ei, você é engraçado também. Sim, ele realmente me impressionou. Estava no segundo grau do colégio na época, e acho que tudo me impressionava. David Hume, Aleister Crowley e você eram meus três favoritos.”
“Certamente fazemos um trio estranho.”
“Se serve de consolo, meus amigos diziam que eu não tinha gosto. Esse era o tipo de pessoas que eu costumava andar—loucas, todas elas.”
Subitamente Peter sentiu uma sensação estranha na nuca, como se estivesse sendo observado. Ao virar ele viu uma garota o observando ao lado de um dos carros. Ela era jovem, magra e loira, com a aparência que transmitia uma inocência quase angelical. Quando se virou para olhar melhor ela olhou em outra direção, fingindo não ter percebido. Peter deu de ombros e voltou a conversa.
Marcia nem notou que ele não prestava atenção e estava falando algo sobre a quebra no jeito formal da educação, a qual ela mesma tinha testemunhado.
“Foi bem como você mencionou—as aulas tinham cada vez menos a ver com a realidade, não só porque não queriam ser relevantes, mas porque a realidade escapava delas.” As palavras dela fora tiradas quase como estavam no livro; deve ter memorizado essa parte.
Dom Gianelli acenou para um homem alto com uma camisa de malha branca e calças pretas. “Padre Tagon,” chamou ele, “por que não se junta a nós?”
O homem seguiu a sugestão. “Espere até conhecer este cara,” Dom falou para Peter. “ele é capaz de realmente entrar em um debate com você.”
O recém chegado era um homem alto e magro, na casa dos trinta, com um nariz de falcão, olhos castanhos e uma grande testa que gradualmente se fundia com seu cabelo castanho. “Oi” disse ele, curvando-se para Peter e estendendo a mão. “Sou Jason Tagon.”
“Ouvi Dom chamar você de ‘Padre’?”
“Poderia me chamar de ‘Doutor’ se quisesse—tenho um Ph.D. em astronomia.” Mas sim, sou um padre. Títulos não parecem ter muito significado nos dias de hoje, e prefiro ser chamado de Jason.”
Peter acenou e armazenou aquele fato em sua memória, que já estava ficando rapidamente sobrecarregada dessa sequência de novos rostos e nomes. “Dom também mencionou algo sobre você debater comigo.”
“Ele fraseou isto de forma exagerada. Não posso argumentar contra suas predições—elas obviamente se tornaram realidade. São suas atitudes que me incomodam.”
“Sobre a Igreja Católica?”
Jason sorriu. “Em parte sim. Você falou—vejamos se consigo citar—‘a Igreja Católica fez mais do que qualquer organização na história para retardar o curso do progresso do homem.’ “
“Espero que você não tenha levado isso para o lado pessoal; o fato é que a igreja Católica esteve presente por mais tempo que qualquer outra organização na história. Todas as organizações eventualmente se tornam repressivas em alguma extensão—elas passam por certo ponto em sua existência onde sua função original troca para preservação própria. Eu era contra a estrutura burocrática, não contra os Católicos em si.”
“Eu percebi isso. Mas nós, Católicos individuais, somos levados a acreditar que a Igreja não pode fazer coisas erradas, e sofrer esse tapa ainda dói. Essa não é minha única objeção. Como um ordenado de Deus, não pude deixar de perceber que você deixou Ele fora de seus cálculos.”
“Como um ordenado agnóstico,” rebateu Peter, “não pude deixar de sentir que o sobrenatural era uma variável supérflua em meus cálculos. Estava lidando primariamente com ecologia social. As regras foram postas por Deus—se ele realmente existe—há muito tempo atrás, e não pude notar mudanças significativas em tais regras uma vez o jogo tendo começado. Trabalho exclusivamente com seres humanos.”
“E você ignorou a possibilidade de intervenção divina.”
“Digamos que teria recebido de braços abertos, mas não contava com ela.”
“O que me diz sobre essa tentativa de colonização interestelar?”
“Se está tentando dizer que foi intervenção divina, não serei capaz de refutar. Na mesma medida, desafio você a provar que não foi um mero trabalho de homens ingênuos e dedicados.”
“Touché” sorriu Jason.
Aquele mesmo sentimento de ser observado atingiu Peter uma segunda vez. Ele olhou ao redor e notou a garota loira encarando ele longe dali. “Quem é ela?” ele perguntou para as pessoas ao redor.
“Aquela é Risa Svenson,” prontificou-se Marcia. “Nós a pegamos em Monterrey. Uma garota bem estranha se quer saber.”
“Estranha? Em que sentido?”
“Basicamente é apenas tímida,” explicou o padre. “Isso e sua juventude parecem manter ela afastada do resto de nós.” Contudo, é uma pessoa muito boa.”
“Gostaria de ir conversar com ela um pouco. Obrigado a todos por dividirem o café comigo. Jason, estou interessado em continuar nosso debate mais tarde.”
Peter levantou-se e caminhou até a garota, que novamente fingia não o ter notado. “Desculpa por perguntar, mas você estava olhando para mim?”
Ela o olhou assustada. “Eu não estava—”
“Sim, estava. Não me incomoda muito, só quero saber por quê.”
Ela abriu a boca para inventar uma desculpa, fechou, então disse, “Você é tão famoso e tal, só queria dar uma olhada em você. O que há de errado com isso?”
“Nada. Na verdade estou aliviado em descobrir que não pareço o monstro horrível que pensou que fosse.”
Pela expressão que ela fez, Peter soube que adivinhou corretamente. “Não achei que fosse um monstro de verdade,” disse ela rapidamente.
“Claro que não.”
“Mas ouvi tantas coisas ruins sobre você—”
“Alguma vez leu meu livro?”
“Não, era jovem demais. Mas vi o show na TV. Não gostei—pareceu tão... depressivo e negativo.”
“Foi depressivo e negativo, e não gostei dele também. Mas o que fazer com a verdade? Se apenas a enterrar em um canto, ela irá se desenterrar, e morder suas canelas.”
“É tudo...sei lá. Queria sentir que haveria alguma esperança para o mundo. Seu livro fez as pessoas sentirem que há nenhuma.”
“A situação estava lá para todos verem. Fui apenas aquele que acendeu as luzes. Não funcionou—as pessoas apenas fecharam os olhos e foram tropeçando para o futuro. Só relatei os fatos.”
“Fatos não são suficientes,” disse a garota. “Precisamos de sonhos.”
“Quantos anos você tem?”
A garota olhou para ele defensivamente. “Dezenove, Por quê?”
“Quando eu tinha dezenove tinha acabado de ganhar o meu bacharel em sociologia. As pessoas me consideravam algum tipo de gênio e passei por um programa acelerado de estudo. Eu tinha sonhos até então, bons sonhos. Ia corrigir todos os problemas do mundo, endireitar as coisas de forma que pudéssemos viver em paz.” Ele deu de ombros. “Então algo aconteceu—talvez apenas cresci, não sei. Mas em apenas dois anos, todos os sonhos tinham virado pesadelos. O mundo estava indo alegremente para o inferno, e ninguém fazia nada para parar. Tentei gritar, tentei puxar os freios, e as pessoas me ignoraram. Não é de se admirar que me senti desesperado?” Peter notou, muito para seu desgosto, que havia lágrimas em seus olhos. Ah sim, tudo o que preciso. Surtar e chorar na frente de uma estranha,

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