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A Multidão
Stephen Goldin
Claudia Peruto
TEKTIME S.R.L.S. UNIPERSONALE
Um alienígena está visitando a Terra de forma invisível, através de projeção astral, quando inadvertidamente ele testemunha um assassinato. Ele agora enfrenta dois problemas: deveria relatar o crime às autoridades? Em caso afirmativo, como?



A MULTIDÃO

por Stephen Goldin

Publicado por Parsina Press (http://www.parsina.com/)

Editor da Tradução: Tektime
A multidão. Copyright 1975 by Stephen Goldin. Todos os direitos reservados
Original title: Herds
Translator: Claudia Peruto

Índice
Prólogo (#u69cdae66-08fd-5839-92ba-266e18c69a49)
Capítulo 1 (#u2e63a087-c416-53dd-9f10-c498357dbbec)
Capítulo 2 (#u3cbf2da6-953a-5a95-8a05-2d1dbb5d225f)
Capítulo 3 (#ua9b21a74-6729-589c-b6e1-fd7a8f6eb886)
Capítulo 4 (#litres_trial_promo)
Capítulo 5 (#litres_trial_promo)
Capítulo 6 (#litres_trial_promo)
Capítulo 7 (#litres_trial_promo)
Capítulo 8 (#litres_trial_promo)
Capítulo 9 (#litres_trial_promo)
Capítulo 10 (#litres_trial_promo)
Capítulo 11 (#litres_trial_promo)
Capítulo 12 (#litres_trial_promo)
Capítulo 13 (#litres_trial_promo)
Capítulo 14 (#litres_trial_promo)
Capítulo 15 (#litres_trial_promo)
Sobre Stephen Goldin (#litres_trial_promo)
Conecte-se com Stephen Goldin (#litres_trial_promo)
Dedicado à minha mãe, Frances Goldin, que sempre gostou de mistérios

Prólogo
O planeta Zarti foi pacífico um dia. A raça mais avançada era uma espécie de herbívoro gentil de pescoço alongado que não possuía maiores ambições do que a barriga cheia. Estes Zarticku se uniram em bandos para se protegerem de predadores e, eventualmente, desenvolveram métodos simples de comunicação para trocar ideias básicas entre si.
Sem avisar, os Offasii chegaram. Essa raça especial chegou em massa a Zarti, centenas de milhares deles – e uma forma concebível, toda a população Offasii – em navios que tinham vários quilômetros de diâmetro. Eles pulavam como gafanhotos neste planeta idílico e mudaram irrevogavelmente o curso da vida ali.
Primeiro, eles formaram zoológicos, pegando espécimes de cada espécie de animal grande que encontraram. Estes espécimes foram testados, sondados e estimulados de todas as formas possíveis por motivos muito sutis para compreender. Os Zarticku passaram no teste e foram mantidos, enquanto os outros foram devolvidos para o seu habitat natural.
Houve um redimensionamento em todo o planeta. Todos os Zarticku que foram capturados foram colocados em currais especiais, enquanto os que não puderam ser capturados foram mortos. E então, a tortura começou. Muitos Zarticku foram mortos e dissecados. Alguns outros não tiveram tanta sorte – eles foram cortados vivos para que seus sistemas pudessem ser observados enquanto funcionavam. Os gritos destas pobres criaturas foram permitidos para serem filtrados até os bandos encurralados, enchendo de pânico os outros animais e causando ainda mais mortes.
Nenhum Zarticku tinha permissão para reproduzir normalmente. Espermas e óvulos especialmente selecionados foram acompanhados por inseminação artificial, enquanto os Offasii registravam com calma os resultados destes cruzamentos por três gerações. Quando os seus computadores tinham dados suficientes, começavam a alterar a estrutura de DNA dos gametas Zartic. Os genes que não gostavam eram removidos. Os novos eram substituídos para ver quais efeitos teriam na nova geração. Alguns desses novos genes também provaram ser indesejáveis. Eles foram eliminados nas gerações seguintes.
Depois de vinte vidas Zartic, uma geração que combinava com o ideal dos Offasii nasceu. Quando essa geração chegava à maturidade, todos os membros que restaram das gerações seguintes foram condenados à morte, não deixando nenhum deles, mas apenas esta raça nova de Zarticku para herdar o mundo.
Estas novas criaturas eram substancialmente diferentes de seus antepassados, que andavam livres nas florestas de Zarti. Eles eram maiores, mais fortes e mais saudáveis. Sua visão era mais aguçada. Os cabelos duros e emaranhados que tinham em suas costas se tornaram como blindagem fina. Os pequenos apêndices nos ombros, que inicialmente serviam para se manter nos ramos das árvores enquanto comiam se desenvolveram em braços crescidos, terminando em faixas de seis dedos com dois dedões polegares opositores que podiam agarrar e manipular objetos. Sua expectativa de vida média foi dobrada. E o mais importante, eles eram muito mais inteligentes do que seus antepassados. Seu nível de inteligência quadruplicou, no mínimo.
Eles também possuíam um legado de seus antepassados. Histórias de torturas dos Offasii foram passadas ao longo dos anos de boca em boca, com cada geração acrescentando novos contos de horror. As histórias aumentaram nos relatos, e os mitos de crueldade dos Offasii aumentaram.
Agora que eles aparentemente tinham conseguido o que queriam, os Offasii passaram a usar – e abusar – de seus súditos. Os Zarticku se tornaram escravos da raça mais velha, usados para as tarefas de rotina e as tarefas mais domésticas. Eles eram acorrentados para assistir as máquinas que não precisavam de supervisão, forçados a fazer parte de rituais que não tinham qualquer propósito, feitos para desmontar as máquinas somente para que outros Zarticku pudessem montá-las novamente. Eles podiam ser caçados e mortos pelos Offasii apenas por esporte. Algumas vezes eram colocados em arenas para lutar contra animais selvagens ou até com outros de sua espécie. Embora copular fosse permitido, a escolha dos companheiros era feita pelos Offasii, e nenhum padrão era seguido para que os Zarticku fossem distinguidos.
O período de escravidão durou cerca de um século. Durante esse tempo, a face do planeta mudou. Cada centímetro quadrado de terra arável foi transformado para um bom uso pelos brutalmente eficientes Offasii. As cidades surgiram, planejadas e projetadas à perfeição. Os sistemas de transporte e de comunicação eram universais.
Então, um dia, os Offasii foram embora. Foi um êxodo ordenado e bem planejado, sem qualquer palavra direcionada aos assustados Zarticku. Em um momento, os Offasii haviam corrido o mundo de acordo com sua forma habitual, e no momento seguinte, caminharam até suas espaçonaves enormes – que estavam paradas desde o dia do pouso – e partiram em direção ao espaço. Eles deixaram para trás todas as suas obras, suas cidades, fazendas, máquinas. Abandonaram também uma raça de escravos muito atordoados e perplexos.
Os Zarticku não podiam acreditar que os seus mestres realmente tinham partido. Eles se juntaram com medo de que isso pudesse ser uma forma nova e desleal de tortura. Mas as semanas foram passando, havia culturas e máquinas que precisavam de cuidados. Como por reflexo, eles voltaram às suas tarefas habituais.
Vários séculos se passaram e os Zarticku modificaram sua inteligência criada especialmente para uso próprio. Examinaram as máquinas que os Offasii deixaram para trás e descobriram os princípios da ciência. A partir daí, melhoraram e adaptaram as máquinas para uso próprio. Desenvolveram uma cultura própria. Usaram sua inteligência para criar filosofias e o pensamento abstrato. Criaram suas próprias recreações e prazeres. Começaram a viver uma vida confortável de uma espécie inteligente, que dominou seu próprio planeta.
Mas por baixo do verniz do sucesso sempre havia o medo – o medo dos Offasii. Séculos de opressão cruel deixaram sua marca na psiquê dos Zartic. E se os Offasii voltassem algum dia? Eles não considerariam essa usurpação de seus equipamentos por parte dos escravos arrogantes de forma gentil. Eles acabariam inventando torturas novas e mais horríveis, e os Zarticku, como sempre, sofreriam.
Foi essa atmosfera de medo e curiosidade que alimentou o passo mais ousado que a raça Zartic já tomou – o Projeto de Exploração Espacial.

CAPÍTULO 1
Um trecho de duas pistas da rodovia California 1 corria ao longo da costa. Ao oeste, apenas há alguns metros de estrada, estava o Oceano Pacífico, envolvendo calmamente suas ondas sobre as areias e as pedras de San Marcos State Beach. Ao leste, um penhasco de rochas brancas e nuas saltava para cima, a uma altura de mais de sessenta metros. Além do penhasco, tinha uma trilha de montanhas. Elas não eram muito altas, sendo a mais alta com no máximo trezentos metros acima do nível do mar, mas eram suficientes para os moradores locais. As montanhas eram cobertas com florestas esparsas de ciprestes e arbustos emaranhados, com outros tipos de vegetação que ousavam fazer sua presença conhecida em intervalos dispersos.
No topo do penhasco, com vista para a rodovia e para o oceano, havia uma pequena cabana de madeira. Estava no centro de uma área limpa, um eufemismo da presença humana no meio da natureza. Um carro estava estacionado ao lado da cabana, no cascalho, que estava espalhado ao redor do perímetro da estrutura. O cascalho se estendia por cerca de dez metros, cedendo depois na terra seca solta sobre a rocha dura, passando, por fim, pelas árvores para além de seis metros.
Havia uma estrada de terra estreita que levava até a cabana. Não subia, mas serpenteava entre as árvores até alcançar a clareira. Um par de faróis podia ser visto tecendo ao longo da estrada, desaparecendo e reaparecendo conforme o carro rodeava em várias curvas ou passava por trás dos grupos de ciprestes.
Stella Stoneham estava na escuridão, observando os faróis se aproximarem. Seus órgãos internos estavam tentando, valentemente, se prender em nós enquanto as luzes se aproximavam. Ela puxou um trago longo de seu cigarro e o apagou nervosamente por baixo dos seus pés, no cascalho. Se houvesse alguém que ela não queria ver agora, era seu marido, mas parecia que a escolha não era dela. Ela franziu a testa e olhou para o céu. A noite estava bastante clara, com apenas pequenas manchas de nuvem cobrindo as estrelas. Ela olhou para os faróis. Ele estaria aqui em um minuto. Suspirando, voltou para dentro da cabine.
O interior normalmente a animava com seu brilho e calor, mas essa noite havia uma qualidade irônica que só aprofundou sua depressão. O quarto era grande e sem aglomeração, dando a ilusão de espaço e liberdade que Stella queria. Havia um longo sofá marrom encostado na parede, com uma pequena mesa de leitura e uma lâmpada ao lado. No canto próximo, no sentido horário, havia uma pia e um pequeno fogão. Uma dispensa pendurada na parede perto deles, esculpida em madeira de forma elaborada, com arabescos e pequenos gnomos vermelhos no canto, segurando-a. Também na parede tinha uma prateleira com vários utensílios de cozinha, ainda brilhantes por falta de uso. Continuando em torno da sala, havia uma pequena mesa de jantar branca perfeitamente instalada no terceiro canto. As portas do quarto de trás e do banheiro estavam entreabertas, com a luz da sala principal penetrando apenas ligeiramente a escuridão além do limiar. Finalmente, havia uma escrivaninha com uma máquina de escrever, um telefone e uma cadeira dobrável velha ao lado, no canto mais próximo da porta. O centro da sala estava vazio, com exceção de um tapete castanho esfarrapado que cobria o chão de madeira. O lugar não tinha muito com o que se agarrar, Stella sabia, mas se uma luta estivesse acontecendo ali, como agora parecia que aconteceria – seria melhor lidar com isso em seu próprio território.
Ela se sentou no sofá e se levantou imediatamente. Percorreu a extensão da sala, imaginando o que faria com as mãos enquanto falava ou escutava. Homens, ao menos, tinham a sorte de terem bolsos. Lá fora, ela podia ouvir o carro triturar seu caminho até o cascalho, chegando à porta da cabine e parar. Uma porta do carro se abriu e, em seguida, fechou. A porta da cabine se abriu e seu marido entrou.
* * *
Este seria o décimo primeiro sistema solar que havia explorado pessoalmente, o que significava que, para Garnna iff-Almanic, a tarefa de encontrar e examinar planetas se tornou tão rotineira quanto um trabalho exótico. Os Zartic foram treinados há anos, antes mesmo se serem autorizados no Projeto. Houve, antes de tudo, o rigoroso treinamento mental que permitia que a combinação de máquinas e drogas projetasse sua mente para longe de seu corpo e para além das profundezas do espaço. Mas um explorador tinha que ter mais treinamento do que apenas isso. Ele teria que traçar seu curso no vazio, seja na tentativa de localizar um novo planeta, seja para encontrar o caminho de volta para casa depois. Isso exigia um extenso conhecimento da navegação celestial. Ele tinha que classificar, em um breve momento, o tipo geral de planeta que estaria investigando, o que exigia uma experiência atualizada na crescente ciência da planetologia. Ele seria chamado para fazer um relatório sobre as formas de vida que o planeta mantinha, se houvesse. Isso exigia um conhecimento de biologia. E, no caso do planeta abrigar vida inteligente, ele tinha que ser capaz de descrever o nível de sua civilização a partir de um pouco mais do que um olhar – e que exigia que esta descrição fosse o máximo possível feita livre de preconceitos pessoais e medos, por sociedades alienígenas que tinham formas diferentes de fazer as coisas, podendo enviar um Zartic normal em crises histéricas.
Mas, acima de tudo, os Zartic tinham que superar o medo instintivo dos Offasii, e que exigia o treinamento mais difícil de todos. Sua mente pairava acima desse novo sistema solar, estudando-o para possibilidades. Era a exploração mais distante feita até agora, bem mais de cem parsecs de Zarti. A estrela era média, uma anã amarela – o tipo frequentemente associado aos sistemas planetários. Mas se esse sistema tinha planetas... Garnna fez uma careta mental. Esta sempre era a parte que mais odiava.
Ele começou a se dispersar pelo espaço que cercava a estrela. Suas fibras mentais se espalharam como uma rede, tornando-se mais finas enquanto ele empurrava seus fragmentos de mente em todas as três dimensões em sua busca por planetas.
Ali! Ele tocou uma quase imediatamente, e a descartou rapidamente. Não era nada além de uma rocha em forma de bola, sem ar, e nem sequer estava dentro da zona de habitação de vida protoplasmática da estrela. Embora fosse fracamente concebível que algum tipo de vida pudesse existir ali, isso não o incomodava. Ele continuou a espalhar sua rede externa.
Outro planeta. Ele estava feliz em encontrar um segundo planeta, pois os três pontos que ele tinha agora – o sol e dois planetas – determinariam para ele o plano eclíptico do sistema. Há muito tempo foi descoberto que os sistemas planetários se formavam geralmente dentro de um único plano, com apenas pequenos desvios individuais dele. Agora que ele sabia sua orientação, ele poderia parar sua expansão tridimensional e se concentrar, em vez disso, em explorar toda a área dentro do plano eclíptico.
O segundo planeta também foi uma decepção. Estava dentro da zona de habitação, mas era a única coisa que ele podia dizer a seu favor. A atmosfera estava coberta de nuvens e cheia de dióxido de carbono, enquanto a superfície era tão incrivelmente quente que oceanos de alumínio e rios de estanho eram comuns. Nenhuma vida protoplasmática poderia existir aqui também. Garnna continuou na sua exploração.
A próxima coisa que encontrou o deixou um pouco surpreso – um planeta duplo. Dois grandes objetos de tamanho planetário circularam a estrela em uma órbita comum. Em uma inspeção mais íntima, um dos planetas parecia muito mais maciço do que o outro. Garnna começou a pensar nisso como um sendo o principal e o outro como uma espécie de satélite.
Ele tentou concentrar toda a atenção que pode sobre esse sistema enquanto ainda mantinha a rede que havia espalhado pelo espaço. O satélite era outra bola cinzenta sem ar, ainda menor do que o primeiro planeta, e parecia completamente sem ar, mas o principal parecia promissor. Visto do espaço, tinha uma aparência azul e branca manchada. O branco eram as nuvens e o azul, aparentemente, era água líquida. Grandes quantidades de água líquida. Isso parecia bem para a existência de vida protoplasmática lá. Ele verificou a atmosfera e ficou ainda mais agradavelmente surpreso. Havia grande quantidade de oxigênio livremente disponível para respiração. Fez uma nota mental para investigar isso mais de perto, se nada melhor aparecesse e continuasse a expandir para o exterior, em busca de planetas.
O próximo planeta que descobriu foi um pequeno e vermelho. A pouca atmosfera que havia parecia consistir principalmente de dióxido de carbono, com quase nenhum oxigênio livre detectável. A temperatura superficial era aceitável para a vida protoplasmática, mas parecia haver pouca água disponível, se houvesse – um sinal muito triste. Embora este lugar tivesse possibilidades, o planeta duplo principal tinha mais. Garnna continuou sua expansão.
A rede estava ficando muito fina, agora, enquanto os Zartic se esticavam cada vez mais. As imagens estavam ficando embaçadas e sua mente parecia ter apenas um controle tênue de sua própria identidade. Ele encontrou algumas pequenas rochas flutuando no espaço, mas se recusou a considerá-las. O planeta seguinte era um gigante de gás. Era difícil percebê-lo, pois sua mentalidade estava tão esticada e fina no momento, mas aquilo não era necessário. A busca por planetas havia terminado neste sistema, ele sabia, pois já havia passado pela zona de habitação. Um gigante de gás como este não poderia existir dentro daquela zona, de acordo com a teoria. Poderia haver outros planetas além desta órbita, mas também não importava. Os Offasii não estariam interessados neles e, portanto Garnna não estava interessado neles também.
Ele voltou sua atenção para o sistema planetário duplo. Ele sentiu um enorme alívio enquanto cambaleava por todas as partes distantes de sua mente, aquelas que haviam se expandido pelo espaço. Sempre foi um sentimento bom quando a pesquisa planetária inicial terminava, com uma sensação de juntar os elementos díspares para formar um todo coeso mais uma vez. Um sentimento semelhante a fazer uma multidão de indivíduos, apenas em uma escala menor, mais pessoal.
Era ruim o suficiente ser um Zartic solitário no espaço, destacado de toda a multidão, para não mencionar a segurança de seu próprio grupo. O trabalho era necessário, claro, para o bem da multidão, mas a necessidade não o tornava mais agradável. E quando um indivíduo Zartic tinha que estender partes de si mesmo até que não houvesse quase nada, era quase insuportável. Era por isso que Garnna odiava essa parte da missão mais do que qualquer outra coisa. Mas estava acabando, agora, e ele podia se concentrar no verdadeiro objetivo da exploração.
* * *
Wesley Stoneham era um homem grande, com mais de um metro e oitenta, com ombros largos e bem musculosos e o rosto de um herói de meia idade. Ele ainda tinha os cabelos, uma juba preta grossa, cortada de modo que ele bagunçava de modo elegante. A testa por baixo dos cabeços era estreita em comparação às grandes sobrancelhas espessas. Seus olhos eram cinza e determinados, seu nariz proeminente e reto. Em sua mão, ele carregava uma mala de tamanho médio.
“Eu recebi seu recado”, foi tudo o que disse quando tirou um pedaço de papel dobrado de seu bolso e o jogou no chão, aos pés da esposa.
Stella soltou o ar suavemente. Ela reconheceu que o tom estava muito bom, e sabia que esta seria uma noite longa e cruel. “Por que a mala?” ela perguntou.
“Enquanto eu estava dirigindo para cá, pensei que poderia ficar por aqui à noite”. Sua voz era uniforme e suave, mas havia uma ponta de comando quando colocou a mala no chão.
“Você não se importa em pedir permissão à sua anfitriã antes de se mudar?”
“Por que eu deveria? Esta é minha cabana, que construí com o meu dinheiro”. A ênfase no “meu” em ambos os casos foi leve, mas inconfundível.
Ela se afastou dele. Mesmo estando de costas para ele, no entanto, ela ainda podia sentir seu olhar penetrando sua alma. “Por que não termina o pensamento, Wes? Minha cabana, meu dinheiro, minha esposa, não é?”
“Você é minha esposa, você sabe.”
“Não sou mais”. Ela já podia sentir os cantos dos olhos começando a aquecer, e tentou verificar suas emoções. Chorar agora não seria bom, e poderia acabar com o seu propósito. Além disso, ela tinha aprendido com a experiência dolorosa que Wesley Stoneham não se afetava pelas lágrimas.
“Você ainda é a lei, de qualquer forma”. Ele cruzou a sala até ela com dois passos largos, agarrou-a pelos ombros e a girou. “E você vai olhar pra mim quando eu falar com você.”
Stella tentou se soltar de seu aperto, mas seus dedos apertaram ainda mais sua pele, um deles (ele fez isso intencionalmente?) acertando um nervo, de modo que um traço de dor percorreu seus ombros. Ela parou de se contorcer e, eventualmente, ele afastou os braços.
“Está um pouco melhor”, ele disse. “O mínimo que um homem pode esperar é um pouco de cortesia de sua própria esposa.”
“Desculpe-me”, ela disse com doçura. Havia uma pequena mentira em sua voz enquanto tentava forçar alguma alegria nela. “Eu deveria ir até o fogão e assar um grande bolo de boas-vindas.”
“Economize o sarcasmo para alguém que gosta dessa porcaria, Stella”, Stoneham grunhiu. “Eu quero saber por que quer o divórcio.”
“Ora, meu precioso, é” – ela começou com os mesmos tons sarcásticos. Stoneham lhe deu uma tapa forte na bochecha. “Eu lhe disse para parar com isso”, ele disse.
“Eu acho que minhas razões devem ser mais do que aparentes”, Stella disse amargamente. Havia um rubor aparecendo lentamente na bochecha onde ela havia sido atingida. Ela levou a mão até o lugar, mais por autoconsciência do que por dor.
As narinas de Stoneham se abriram, e seu olhar era superfrio. Stella desviou os olhos, mas se manteve firme por teimosia. Havia gelo nas palavras de seu marido quando perguntou, “Você está tendo um caso com esse velhote, sua hippie?”
Demorou um momento para ela entender de quem ele estava falando. A cerca de um quilômetro e meio da cabana, em Totido Canyon, um grupo de jovens se mudaram para um apartamento de verão abandonado e formaram o que eles orgulhosamente chamaram de “Comunidade Totid.” Por causa de seu comportamento e vestuário não convencional, eles eram considerados pelos moradores da vizinhança como hippies e, portanto, condenados. Seu líder era um homem mais velho, com pelo menos trinta anos de idade, e parecia manter o grupo em ordem apenas neste lado da lei.
“Você está falando de Carl Polaski?” Stella perguntou incrédula.
“Eu não estou me referindo ao Papai Noel.”
Apesar do nervosismo, Stella riu. “Isso é um absurdo. E, além disso, ele não é hippie. Ele é um professor de psicologia fazendo pesquisas sobre o fenômeno da desistência.”
“As pessoas me falam que ele está andando por aí, Stell. Eu não gosto disso.”
“Não há nada de imoral nisso. Ele trás alguns recados para mim e faz alguns trabalhos esquisitos. Eu lhe devolvo o favor, o deixando usar a cabine para escrever. Ele escreve aqui, porque não consegue privacidade suficiente para dizer o que realmente pensa na comunidade. Algumas vezes nos falamos. Ele é um homem muito interessante, Wes. Mas não, eu não estou tendo um caso com ele, nem pretendo.”
“Então, o que está corroendo você? Por que você quer o divórcio?” Ele foi para o sofá e se sentou sem tirar os olhos dela em nenhum momento.
Stella andou de um lado para outro na frente dele algumas vezes. Ela fechou e abriu as mãos, e finalmente as deixou cair do lado. “Eu quero ser capaz de ter algum respeito próprio”, ela disse, por fim.
“Você tem isso agora. Você pode manter sua cabeça erguida para qualquer um no país.”
“Não foi isso que eu quis dizer. Eu gostaria, apenas uma vez, poder assinar meu nome ‘Stella Stoneham’ ao invés de ‘Sra. Wesley Stoneham.’ Talvez dê uma festa para as pessoas que eu gosto, em vez de seus amigos políticos. Wes, eu quero me sentir como uma parceira igual neste casamento, não apenas um acessório de bom gosto para sua casa.”
“Eu não entendo você. Eu lhe dei tudo que qualquer mulher poderia querer—”
“Exceto identidade. No que diz respeito a você, eu não sou um ser humano, apenas uma esposa. Eu decorei seu braço em jantares de cem dólares o prato e faço barulhos charmosos como as esposas de outros aspirantes a políticos. Eu faço um advogado corporativo socialmente respeitável o suficiente para pensar em correr para o escritório. E, quando você não está me usando, você me esquece, me manda para a cabana ao lado do mar ou me deixa andando sozinha por quinze salas da mansão, apodrecendo lentamente. Eu não posso viver assim, Wes. Eu quero sair.”
“O que você acha de uma separação de experiência, talvez um mês ou mais—”
“Eu falei sair’, S-A-I-R. Uma separação não traria nada de bom. A culpa, querido marido, não está em nossas estrelas, mas em nós mesmos. Eu conheço você muito bem, e sei que você nunca mudará algo que seja aceitável para mim. E eu nunca vou ficar satisfeita em ser uma decoração. Assim, uma separação não nos faria bem nenhum. Quero o divórcio.”
Stoneham cruzou as pernas. “Você falou para alguém sobre isso?”
“Não.” Ela balançou a cabeça. “Não, eu estava planejando ver Larry amanhã, mas senti que você deveria ser o primeiro a ser informado.”
“Bom,” Stoneham disse em um sussurro quase inaudível.
“O que isso quer dizer?” Stella perguntou bruscamente. Suas mãos estavam se mexendo, o que era uma sugestão para buscar na sua bolsa, em cima da escrivaninha, por seu maço de cigarros. Ela realmente precisava de um neste momento.
Mas, até que ela colocou um cigarro entre seus lábios, percebeu que estava sem fósforos. “Tem isqueiro?”
“Claro.” Stoneham procurou no bolso do casado e tirou uma caixa de fósforos. “Fique com eles,” ele disse e os jogou para sua esposa.
Stella os pegou e examinou com interesse. A parte de fora da caixa era de cor prata clara, com estrelas vermelhas e azuis em torno da borda. No centro estavam as palavras que proclamavam:
WESLEY STONEHAM
SUPERVISOR
CONDADO DE SAN MARCOS

Dentro, os fósforos de papel eram da cor vermelha, branca e azul.
Ela olhou com curiosidade para seu marido, que estava sorrindo para ela. “Gostou deles?” ele perguntou. “Eu acabei de pegar de volta da impressora esta tarde.”
“Não foi um pouco prematuro?” ela perguntou sarcasticamente.
“Apenas por alguns dias. O velho Chottman se demitiu da diretoria por causa de problemas de saúde no final de semana, e estão deixando que ele nomeie o homem que quer como seu sucessor para cumprir seu mandato. Não será oficial, claro, até que o governador nomeie o homem, mas eu tenho fontes muito confiáveis que dizem que o meu nome é o que está sendo mencionado. Se Chottman diz que quer que eu cumpra o seu mandato, o governador vai escutar. Chottman tem setenta e três anos e tem muitos favores a cobrar.”
Uma ideia começou a brotar na cabeça de Stella. “Então é por isso que você não quer o divórcio, não é?”
“Stell, você sabe tão bem quanto eu o quanto Chottman é puritano,” Stoneham disse. “O velho ainda se opõe firmemente ao pecado de qualquer tipo, e ele acha o divórcio um pecado. Só Deus sabe por que, mas ele acha.” Ele levantou do sofá e foi até sua esposa novamente, segurando seus ombros com ternura, dessa vez. “É por isso que estou pedindo para você esperar. Seria apenas por uma semana ou duas—”
Stella se afastou com um sorriso elegante e triunfante em seu rosto. “Então é isso. Agora sabemos por que o grande e forte Wesley Stoneham está se rastejando. Você não vai me deixar com qualquer vestígio de auto-respeito, não é? Você nem sequer vai me deixar pensar que veio porque pensou que havia algo em nosso casamento que valeria à pena salvar. Não. Você vem direto com isso. É um favor que você quer.”
Ela acendeu um fósforo furiosamente e começou a soprar seu cigarro como uma locomotiva a vapor escalando uma colina. Ela jogou o fósforo no cinzeiro, e o fósforo caiu ao lado dele. “Bem, eu estou cansada de sua política, Wesley. Estou cansada de fazer as coisas para que você fique melhor ou mais preocupado com os cidadãos de San Marcos. A única pessoa que você considera é você mesmo. Suponho que você me daria mesmo o divórcio sem contestar se eu esperasse, não é?”
“Se é o que você quer.”
“Claro. O Grande Compromisso. Faça qualquer acordo, desde que você obtenha o que quer. Bem, tenho uma pequena surpresa para você, Senhor Supervisor. Eu não faço acordos. Eu não dou a mínima se você faz isso na política ou não. Pretendo entrar no escritório de nosso advogado amanhã e começar a fazer os papéis andarem.”
“Stella—”
“Talvez eu até converse um pouco com a imprensa sobre todo o líquido de humanidade humana que flui nas suas veias, querido marido.”
“Estou avisando, Stella—”
“Esta seria uma grande tragédia, não seria, Wes, se você tivesse que realmente ser eleito...”
“PARE, STELLA!”
“...pelos eleitores para entrar no cargo, em vez de ser nomeado pelos seus amigos por causa de sua bondade e simpatia.”
“STELLA!”
Suas mãos estavam em sua garganta enquanto gritava seu nome. Ele queria que ela parasse, mas ela não pararia. Seus lábios continuaram se mexendo e mexendo, e as palavras se perderam em uma névoa silenciosa que envolveu a cabana. As cores normais desapareceram quando o quarto ficou com um tom de sangue. Ele a sacudiu e fechou suas enormes mãos em volta do seu pescoço.
O cigarro caiu de seus dedos surpresos com o ataque inesperado, derramando algumas cinzas no chão. Stella levantou as mãos contra o peito do marido e tentou afastá-lo. Ela conseguiu por um momento, mas ele continuou vindo, lutando com seus braços se debatendo para agarrá-la com toda a força que tinha.
Havia um entorpecimento em seus dedos quando se fecharam em volta de sua garganta. Ele não sentia o suave calor de sua pele cedendo sob sua pressão, o pulsar das artérias em seu pescoço ou o aperto instintivo de seus tendões. Tudo o que ele sentia era seus próprios músculos, apertando, apertando, apertando.
Gradualmente, sua luta cessou. A cor de sua face parecia engraçada, mesmo através da névoa vermelha que escureceu sua visão. Seus olhos esbugalhados pareciam prontos para saltar das órbitas, bem abertos, olhando fixamente para ele, olhando, olhando...
Ele soltou. Ela caiu no chão, mas devagar. Em câmera lenta, como um sonho lento. Ainda não havia nenhum som enquanto ela atingia o chão. Ela caiu, batendo como uma boneca de pano jogada ao lado de brinquedos extravagantes. Exceto por aquele rosto, aquele rosto roxo e inchado. Sua língua para fora de forma grotesca. Um pequeno fio de sangue saia pelo nariz, descendo pelos lábios rolos e caindo sobre o tapete marrom desbotado. Um dos dedos de sua mão esquerda se contraiu espasmodicamente duas ou três vezes, e depois ficou imóvel.
* * *
O mundo azul e branco estava abaixo dele, esperando pelo toque de sua mente. Garnna mergulhou na atmosfera e foi dominado pela abundância de vida. Havia criaturas no ar, na terra, na água. O primeiro teste, claro, foi buscar por qualquer Offasii que pudesse estar por perto, mas foi preciso apenas uma varredura rápida para revelar que não havia nenhum por lá. Os Offasii não foram encontrados em nenhum dos planetas já explorados pelo Zarticku, mas a busca tinha que continuar. A raça Zartic não podia se sentir verdadeiramente segura até que descobrissem o que tinha acontecido com os seus antigos mestres.
O objetivo principal da Exploração tinha sido realizado. Permaneceu com o objetivo secundário: determinar que tipo de vida havia neste planeta, se era inteligente e se poderia representar qualquer ameaça a Zarti.
Garnna estabeleceu outra rede, uma menos dessa vez. Ele abrangeu todo o planeta com sua mente, sondando sinais de inteligência. Sua busca foi bem sucedida de forma instantânea. As luzes brilharam em padrões brilhantes no lado noturno, indicando cidades grandes. Uma profusão de ondas de rádio, artificialmente modulada, pulava por toda a atmosfera. Ele seguiu essas ondas e encontrou grandes torres e edifícios. E ele encontrou as próprias criaturas que eram responsáveis pelas ondas de rádio, edifícios e luzes. Eles andavam eretos em duas pernas e seus corpos eram macios, sem a armadura de um Zartic. Eles eram baixos, talvez metade do tamanho de um Zarticku, e sua pele parecia concentrada na cabeça. Ele observou seus hábitos alimentares e percebeu com desgosto que eram onívoros. Para uma raça herbívora como o Zarticku, essas criaturas pareciam ter uma natureza cruel e maliciosa, representando ameaças potenciais a uma espécie mais delicada. Mas, pelo menos eles eram melhores do que os carnívoros ferozes. Garnna tinha visto algumas sociedades de carnívoros, onde matar e destruir eram ocorrências cotidianas, e o simples pensamento que enviava estremecia seu imaginário através da mente. Percebeu-se desejando que toda a vida do universo fosse herbívora, e então se controlou. Ele não podia permitir que seus preconceitos pessoais interferissem no desempenho de seus deveres. Sua tarefa agora era observar essas criaturas no curto espaço de tempo que lhe restava e fazer um relatório que seria arquivado para estudo futuro.
Ele percebeu uma nota de esperança sobre as criaturas, ou seja, que elas pareciam ter o instinto de bando ao invés de agir apenas como indivíduos. Eles se reuniam em grandes cidades e pareciam fazer a maioria das coisas em bandos. Eles tinham o potencial para ficarem sozinhos, mas não faziam isso com frequência.
Ele reuniu sua mente novamente e se preparou para fazer observações detalhadas. Ele se aproximou da superfície do mundo para assistir. As criaturas eram, obviamente, diurnas ou não precisaria de luzes nas cidades, então no início ele escolheu um ponto no hemisfério do lado da luz para observar. Não se preocupava de forma alguma em ser visto pelos nativos. O método dos Zartic de exploração espacial cuidou disso.
Basicamente, este método é chamado de separação completa de corpo e mente. As drogas foram usadas para ajudar a dissociação, enquanto o Explorador descansava confortavelmente em uma máquina. Quando a separação aconteceu, a máquina assumiu os aspectos mecânicos da função do corpo – batimentos cardíacos, respiração, nutrição e assim por diante. A mente, no entanto, estava livre para vagar à vontade onde quer que ele escolha.
Até agora, alguns limites tinham sido encontrados para uma mente livre. A velocidade com que ele podia “viajar” – se, de fato, poderia dizer que ia para algum lugar – era tão rápida que não podia ser medida. Teoricamente, podia ir até o infinito. Uma mente livre pode reduzir sua concentração para uma única partícula subatômica ou se expandir para cobrir vastas áreas do espaço. Poderia detectar radiação eletromagnética em qualquer lugar do espectro. E o melhor de tudo, do ponto de vista do cauteloso Zarticku, não podia ser detectado por nenhum dos sentidos físicos. Tudo que tornava o instrumento ideal para explorar o universo além da atmosfera de Zarti.
Garnna parou em um lugar onde a terra foi colocada regularmente para o cultivo. A agricultura variou muito pouco em todas as sociedades que tinha investigado até agora, provavelmente porque a forma seguia a função e esta era manifestadamente a mesma. Essas criaturas estavam lavrando a terra com implementos brutos desenhados por um herbívoro subserviente, de dois chifres. Este estado primitivo da agricultura não parecia consistente para uma civilização que também podia produzir muitas ondas de rádio. Para resolver o aparente paradoxo, Garnna estendeu a mão com sua mente e tocou a mente de um dos nativos.
Esta era outra vantagem da mente livre. Parecia ter a capacidade de “ouvir” os pensamentos de outras mentes. Era telepatia, mas de forma restrita, pois funcionada apenas de uma maneira. Garnna era capaz de ouvir os pensamentos dos outros, mas o pensamento dele era indetectável.
O fenômeno, no entanto, não foi tão útil como parecia. Os indivíduos inteligentes pensam, por um lado, nas palavras de sua própria linguagem, por outro lado em conceitos abstratos e até mesmo em imagens visuais. Os pensamentos ocorrem rapidamente e depois desaparecem para sempre. Diferentes espécies tinham padrões de pensamento diferentes com base, principalmente, nas diferenças de suas entradas sensoriais. E dentro de uma corrida, cada indivíduo tinha seu próprio código particular de simbolismo.
A leitura mental, no entanto, tendia a ser um negócio meticuloso e muito frustrante. Garnna teria que percorrer montanhas de impressões sem sentido que o bombardeavam a um ritmo inacreditável para chegar realmente ao núcleo de uma ideia. Com sorte, ele leu algumas emoções generalizadas e aprendeu alguns conceitos básicos que existiam dentro da mente daquele que ele contatou. Mas ele era experiente nesse procedimento e não tinha medo do trabalho duro se fosse pelo bem do bando, então ele mergulhou.
Após uma dose de sondagem e até mesmo de adivinhação, Garnna foi capaz de reunir uma pequena imagem deste mundo. Havia apenas uma raça inteligente aqui, mas tinha se fragmentado em muitas culturas individuais. No entanto, vários padrões constantes surgiam em quase todas as culturas. Os grupos de identificação aqui pareciam geralmente consistir de apenas alguns adultos, geralmente em relacionamentos ou casados, além de seus filhos. A finalidade do grupo de identificação era muito mais orientada para a criação dos jovens do que para o fornecimento de segurança para o indivíduo. Parecia ter alguns indivíduos que sobreviviam inteiramente sem os grupos de identificação. O bando aqui era mais um conceito abstrato do que uma realidade cotidiana, como era em Zarti.
Ele aprendeu, também, que algumas culturas no planeta eram mais ricas do que outras. As culturas mais ricas podiam ser encontradas atualmente no lado escuro do planeta. Nessa cultura em particular, muita das coisas normalmente feitas manualmente eram feitas por máquinas, e ele imaginava que havia muita comida para todos. O pensamento de que uma parte do bando poderia ser superalimentada enquanto a outra parte ficava com fome parecia insensível para os Zartic. Ele se lembrou de reprimir suas emoções mais uma vez. Ele estava ali apenas para observar, e deveria se concentrar nisso.
Ele decidiu investigar esta cultura ultra-rica. Ao avaliar essas criaturas como uma ameaça potencial para o bando, seus superiores só estariam interessados em suas mais altas capacidades. Não importa o que as culturas mais pobres fizeram se a cultura mais rica possuía um método de viagem interestelar física junto com uma natureza bélica.
Na velocidade do pensamento, Garnna se moveu com grande velocidade através de uma enorme extensão de oceano e chegou ao hemisfério escurecido. Ele imediatamente encontrou grandes cidades costeiras acendendo as luzes para ele. Essas criaturas podem ser diurnas, mas certamente não deixariam a escuridão afetar suas vidas de forma muito extensa. Havia partes das cidades que estavam iluminadas de forma tão brilhante quanto o dia. Havia um lugar em uma das cidades onde os bandos das criaturas se reuniam em assentos para ver a ação que ocorria entre um número menor de criaturas em um campo especialmente projetado. O padrão era semelhante ao que havia visto em muitos outros mundos, particularmente onde onívoros e carnívoros tinham a concorrência dominante institucionalizada. Em vez de dividir o que havia de bom no bando, como teria sido feito em Zarti, estas criaturas se sentiam compelidas a competir, onde os vencedores recebiam tudo e os perdedores nada. Tentando de todas as formas, Garnna não conseguia compreender plenamente o que essa competição significava para essas criaturas.
Ele seguiu em frente. Ele observou as construções dos nativos e as encontrou, em muitos aspectos, estruturalmente superiores às construções de Zarti. As máquinas de transporte também eram avançadas, sendo eficiente e capaz de viajar a grandes velocidades. Mas ele observou, também, que eles queimavam combustíveis químicos, a fim de se impulsionar. Isso, no momento, removeu esses seres da lista de ameaças. Eles, obviamente, não usariam combustíveis químicos se descobrissem um meio eficiente de usar a energia nuclear, e nenhuma raça poderia esperar criar uma movimentação interestelar viável usando combustíveis químicos sozinhos. Essas criaturas podiam saber da existência da energia nuclear – na verdade, a julgar pela sua tecnologia muito ampla, Garnna teria ficado surpreso se não – mas foi um salto muito grande esse ponto para uma unidade interestelar. Os Zarticku não precisariam se preocupar com essa corrida que representava uma ameaça no futuro próximo. Até mesmo os Zarticku não haviam aperfeiçoado ainda uma unidade interestelar – mas, é claro, havia circunstâncias atenuantes.
Ele passou a maior parte do seu tempo reunindo o material que achava que precisaria para seu relatório. Como sempre, havia uma superabundância de dados, e ele tinha que eliminar alguns detalhes muito interessantes com cuidado para abrir espaço para as tendências que o ajudariam a construir um quadro coeso desta civilização em sua mente. Novamente, o todo teve precedência sobre suas partes.
Ele terminou sua investigação e percebeu que ainda tinha um pouco de tempo sobrando antes de ser obrigado a voltar para seu corpo. Ele poderia muito bem usá-lo. Ele tinha um pequeno e inofensivo hobby. Zarti, também tinha litoral, e Garnna tinha nascido perto de um deles. Ele tinha passado sua juventude perto do mar e nunca se cansava de ver as ondas virem e quebrarem na costa. Assim, onde quer que estivesse, com tempo livre em um mundo estranho, tentava fantasiar de volta à sua infância na beira do oceano. Isso ajudava o alienígena a se sentir em um local familiar e não causava danos a ninguém. Assim, ele deslizou suavemente ao longo do litoral do enorme oceano neste mundo estranho, observando e ouvindo a água negra, quase invisível quebrando ao longo da areia escura deste planeta, uma centena de parsecs do lugar de seu nascimento.
Alguma coisa atraiu sua atenção. Na parte de cima do penhasco que tinha vista para a praia neste ponto, uma luz estava brilhando. Este devia ser um exemplo do indivíduo solitário da sociedade, estabelecido aqui longe do agrupamento mais próximo de outros grupos de sua raça. Garnna flutuou ainda mais.
A luz veio de uma pequena construção, mal feita em comparação com as construções da cidade, mas sem dúvida confortável para uma criatura única habitar. Havia dois veículos estacionados na parte de fora, ambos vazios. Uma vez que os veículos não eram automáticos, isso implicava que deveria ter pelo menos dois alienígenas dentro.
Sendo uma mentalidade pura, Garnna atravessou as paredes da cabana como se elas não existissem. Dentro dela havia duas criaturas conversando entre si. O incidente não parecia muito interessante. Garnna fez uma breve anotação dos móveis da sala e estava prestes a sair quando uma das criaturas atacou de repente a outra. Agarrou o pescoço de seu companheiro e começou a estrangulá-lo. Sem estender ainda mais a si mesmo, Garnna podia sentir a raiva que emanava da criatura que estava atacando. Ele congelou. Normalmente, os instintos de sua espécie teriam feito ele fugir da vizinhança a toda velocidade – neste caso, a velocidade do pensamento. Mas Garnna tinha passado por um treinamento extensivo para conquistar seus instintos. Ele havia sido treinado para ser o primeiro, o último e sempre um observador. Ele observou.
* * *
A realidade voltou lentamente para Stoneham. Começou com o sim, um rápido ka-thud, ka-thud, ka-thud que ele reconheceu tardiamente como o seu próprio coração. Ele nunca tinha ouvido tão alto antes. Parecia abafar o universo com sua batida. Stoneham colocou suas mãos nas orelhas para segurar o barulho, mas isso só piorou a situação. Um zumbido também começou – um formigamento agudo como um despertador soprano que sai de seu cérebro.
Então veio o cheiro. Parecia haver um odor estranho no ar, um odor doentio e com cheiro de banheiro. Manchas estavam crescendo na frente e atrás do vestido de Stella.
Gosto. Havia sangue em sua boca, gosto salgado e morno, e Stoneham percebeu que tinha mordido os próprios lábios.
Toque. As pontas de seus dedos estavam formigando, havia um tremor em seus pulsos, seu bíceps relaxado depois de ter sido super-humanamente tensionado.
Visão. A cor voltou ao mundo normal, e a velocidade tornou-se como de costume. Mas não havia nada que se movia para ver. Apenas o corpo de sua esposa deitado sem vida no meio do chão.
Stoneham ficou ali, por tantos minutos que ele não sabia. Seus olhos percorreram a sala, procurando as coisas banais que ela segurava, evitando o corpo aos seus pés. Mas não por muito tempo. Havia certo fascínio horrível sobre o corpo de Stella que compeliu seu olhar, puxando-o de volta de onde quer que fosse na sala onde vagueava.
Ele começou a pensar de novo. Ele se ajoelhou tardiamente ao lado de sua esposa e sentiu um pulso que ele sabia que não estaria ali. Sua mão já estava um pouco fria ao toque (ou era apenas a sua imaginação?), e toda a pretensão de vida tinha acabado. Ele rapidamente puxou a mão para trás e se levantou mais uma vez.
Caminhando até o sofá, ele se sentou e ficou olhando longamente para a parede oposta. As manchetes gritavam para ele: PROEMINENTE ADVOGADO LOCAL DETIDO PELA MORTE DA ESPOSA. Os anos de planejamento cuidadoso de sua carreira política, de ter feito favores para as pessoas para que elas, um dia, pudessem fazer favores a ele, ir a festas e jantares intermináveis... tudo isso ele viu afundar sob a superfície em um grande vórtice de calamidade. E viu longos e vazios anos à frente dele, com paredes cinza e barras de aço.
“Não!” exclamou ele. Ele olhou acusadoramente para o corpo sem vida de sua esposa. “Não, você gostaria disso, não é? Mas eu não vou deixar isso acontecer, não comigo. Tenho muitas coisas importantes que quero fazer antes de ir embora.”
Uma calma surpreendente se instalou em sua mente e ele viu claramente o que tinha que ser feito. Ele apagou o cigarro ainda fumegante que sua esposa havia deixado cair. Então, caminhou até a prateleira de utensílios e pegou uma faca da parede, segurando seu lenço ao redor da alça de modo que não deixasse nenhuma impressão digital. Ele saiu e cortou uma parte grande do varal. Voltando ao interior da cabine, amarrou as mãos de sua esposa atrás das suas costas e sobrou seu corpo para trás, de modo que ele pudesse amarrar seus pés ao seu pescoço.
Pegando novamente a faca, ele fez um corte limpo na garganta de Stella. O sangue escorria em vez de jorrar, pois não estava mais sendo bombeado pelo coração. Ele cortou grosseiramente seus seios e fez um corte obsceno no seu vestido na altura de sua virilha. Com uma medida boa, ele cortou implacavelmente seu abdômen, rosto e braços. Ele cortou os olhos fora das órbitas e tentou cortar seu nariz também, mas era difícil com sua faca.
Em seguida, ele mergulhou a faca em seu sangue e escreveu “Morte aos Porcos” em uma parede. Com um gesto final, cortou a linha telefônica com um corte decisivo. Em seguida, colocou a faca no chão ao lado de seu corpo, ao mesmo tempo em que pegava as anotações que ela tinha escrito sobre suas intenções de divórcio. Ele colocou as anotações no bolso da calça.
Ele se levantou e olhou para si mesmo. Suas mãos e roupas estavam manchadas de sangue. Isso nunca deveria ter acontecido. Ele teria que se livrar das roupas de alguma forma.
Ele esfregou bem as mãos na pia até que tinha removido todos os vestígios de sangue. Olhou ao redor da sala e viu algo que prendeu o seu fôlego: sua caixa de fósforos pessoalmente impresso colocado na mesa junto com o cinzeiro. Ele caminhou até ela, pensando que seria muito tolo deixar uma pista como aquela para que a polícia encontrasse. Ele enfiou a caixa de fósforos cuidadosamente no bolso.
Então, ele foi até sua mala e tirou uma roupa limpa. Ele rapidamente trocou as roupas, pensando como faria para que pudesse enterrar as roupas velhas em algum lugar com um quilômetro de distância para que nunca fossem encontradas. Então, ele poderia voltar aqui e fingir ter descoberto o corpo como estava. Como os fios foram cortados, ele teria que dirigir até outro local para chamar a polícia. O vizinho mais próximo com um telefone, se lembrasse, estava a cerca de três quilômetros de distância.
Stoneham se virou e examinou sua obra. O sangue estava manchando todo o chão e alguns móveis, o corpo tinha sido desmembrado de uma forma particularmente horrível, a mensagem radical estava escrita na parede, à vista. Era uma cena de um pesadelo surrealista. Nenhum assassino sensato teria executado daquela forma. A culpa cairia instantaneamente sobre aquela comunidade hippie, talvez sobre o próprio Polaski. Serviria para dois propósitos: encobrir sua culpa e livrar San Marcos de uma vez por todas desses malditos hippies.
Havia uma pá em uma caixa de ferramentas pequena fora da cabine. Stoneham pegou e saiu para o bosque para enterrar suas roupas. Como não havia chuva há meses, o solo estava seco e duro. Ele não deixou pegadas enquanto andava.
* * *
Não demorou muito para a criatura maior matar a menor. Mas depois que foi feito, o assassino parecia imobilizado pelas suas próprias ações. Cautelosamente, Garnna estendeu um indicador mental e tocou a mente do assassino. Os pensamentos eram um amontoado confuso. Havia traços de raiva, mas eles pareciam estar desaparecendo lentamente. Outros sentimentos estavam aumentando. Culpa, tristeza, medo do castigo. Estas eram todas as coisas que Garnna conhecia também. Ele entrou um pouco mais dentro da mente e aprendeu que a criatura morta tinha sido do mesmo grupo de identificação que o sobrevivente. Na verdade, tinha sido sua companheira. O horror de Garnna em relação a isso era tão forte que saiu correndo da mente e se enrolou em uma bola mental. Intelectualmente, ele podia aceitar a ideia de matar, possivelmente até mesmo um companheiro. Mas emocionalmente, o choque da experiência direta deixou sua mente tremendo.
Ele existiu ali por alguns minutos, esperando que o choque e o desgosto passassem. Finalmente, seu treinamento se reafirmou e ele começou a observar os arredores mais uma vez. A grande criatura agora estava cortando a carcaça da criatura pequena com uma faca. Era algum tipo de costume horrível? Se assim for, esses onívoros podem ter que ser reavaliados no que diz respeito ao seu potencial de ameaça. Até os carnívoros que Garnna observou não se comportavam de forma obscena.
Usou todo o autocontrole que tinha para permitir que fizesse contato com o cérebro do alienígena mais uma vez. O que ele viu o confundiu e o perturbou. Pela primeira vez, testemunhou diretamente um indivíduo planejando a execução de uma ação que ia contra o bem de seu bando. Havia culpa e vergonha na mente, o que levou Garnna a acreditar que esse assassinato estava longe de ser uma prática comum. O instinto do bando ainda estava funcionando, embora bastante suprimido. E dominava tudo com medo da punição. A criatura sabia que o que tinha feito era errado, e o seu curso de ação atual horrível era uma tentativa de fugir – por quais meios, Garnna não sabia dizer – a punição que viria naturalmente, de qualquer forma.
Esta era uma situação única. Nunca antes, ao conhecimento de Garnna, um explorador se envolvera em uma situação individual até este ponto. Era sempre o panorama geral que importava. Mas talvez alguns insights poderiam ser adquiridos ao observar esta situação se desenvolver. Mesmo enquanto pensava nisso, ele “ouviu” um sino tocar em sua mente. Este foi o primeiro aviso de que seu tempo de Exploração estava quase no fim. Haveria mais um em seis minutos e, então, ele teria que voltar para casa. Mas ele resolveu ficar e assistir o drama acabar tanto quanto possível antes de isso acontecer.
Ele sondou um pouco mais a mente do alienígena e testemunhou o engano interior. A criatura iria tentar evitar sua justa punição, culpando algum outro ser inocente pelo crime. Se o crime original tinha sido horrível para Garnna, essa composição era inimaginável. Uma coisa era permitir que um momento de paixão fizesse com que alguém violasse as regras do bando, mas enganar os outros para que um indivíduo diferente fosse prejudicado, de forma consciente e deliberadamente, era outra bem diferente. A criatura não estava apenas colocando o seu bem-estar acima do bem-estar do bando, mas acima do bem-estar dos outros indivíduos também.
Garnna não podia mais permanecer neutro e despreocupado. Essa criatura deve ser um depravado. Mesmo admitindo diferenças nos costumes, nenhuma sociedade viável poderia durar muito tempo se essas regras fossem a norma. Desmoronaria sob a influência do ódio e da desconfiança mútuos.
A criatura tinha deixado a cabine agora e estava caminhando lentamente para dentro das árvores. Garnna o seguiu. A criatura estava carregando as roupas que tinha usado dentro da sala, bem como uma ferramenta que tinha tirado da cabine. Quando a criatura andou cerca de um quilômetro e meio da construção, encostou as roupas no chão e começou a cavar um buraco. Quando o buraco estava bastante profundo, o alienígena enterrou as velhas roupas neste buraco e o cobriu novamente, escovando a sujeira ao redor com cuidado para que o chão parecesse imperturbável.
Garnna pegou flashes da mente da criatura. Havia satisfação por ter feito algo com sucesso. Havia um apaziguamento do medo agora, já que medidas foram tomadas para evitar a punição. E havia o sentimento de triunfo, de ter derrotado ou enganado o bando. Isso fez com que Garnna sentisse calafrios mentais. Que tipo de criatura era essa, que poderia se deleitar causando danos ao resto de seu bando? Isso estava errado para qualquer regra, tinha que estar. Algo teria que ser feito para ver esse depravado fosse descoberto, apesar de sua decepção. Mas...
O segundo alarme soou dentro de sua mente. Não! Ele pensou. Eu não quero voltar. Eu tenho que ficar e fazer alguma coisa sobre essa situação.
Mas ele não tinha escolha. Não sabia quanto tempo uma mente podia permanecer fora de seu corpo sem conseqüências terríveis para um ou outro. Se ele permanecesse longe por muito tempo, seu corpo poderia morrer, e era complicado saber se sua mente poderia sobreviver. Não faria nada de bom se sua mente fosse destruída por descuido.
Com relutância, então, a mente de registro de identificação de Garnna afastou-se da cena da tragédia no terceiro planeta azul-branco da estrela amarela e correu de volta para seu corpo a mais de cem parsecs de distância.
* * *
Enquanto caminhava de volta para a cabana, Stoneham sentia certa satisfação por ter enfrentado uma situação ruim com êxito. Mesmo que a polícia não culpasse os hippies, não havia nenhuma evidência real com a qual culpá-lo, pensou. Sem motivos, sem evidências, sem testemunhas.
Cerca de um quilômetro de meio de distância, uma garota chamada Deborah Bauer acordou de um pesadelo, gritando.

CAPÍTULO 2
Este não seria um dia bom, John Maschen decidiu enquanto dirigia pela costa até seu escritório na cidade de San Marcos. À sua direita, o céu estava começando a mudar de escuro para um azul claro, pois o sol tinha começado a fazer sua subida sobre o horizonte. Mas ainda estava escondido da visão de Maschen pelos penhascos do mar que se erguiam do lado leste da estrada. À oeste, as estrelas tinham desaparecido no veludo azul desbotado que era o que restava da noite.
Nenhum dia que começa com ter que ir trabalhar às cinco e meia da manhã pode ser bom, Maschen continuou. Mais particularmente quando há um assassinato conectado a ele.
Ele dirigiu até o prédio do seu escritório sentindo-se particularmente desalinhado. O deputado Whitmore ligou e disse que era urgente, e Maschen não tinha sequer tido tempo para se barbear. Ele não queria perturbar o sono de sua esposa e, na escuridão, pegou o uniforme errado, que usou ontem. Cheirava como se tivesse jogado um jogo de basquete completo. Ele tinha levado cerca de quinze segundos para passar uma escova em seu cabelo parcialmente calvo, mas que tinha sido a única concessão à limpeza.
Nenhum dia que começa assim, ele reiterou, pode ser qualquer coisa além de confuso.
Seu relógio apontava cinco e quarenta e cinco, enquanto caminhava pela porta da estação do xerife. “Tudo bem, Tom, qual é a história?”
O deputado Whitmore olhou para cima quando seu chefe entrou. Ele era um garoto de aparência juvenil, na força há apenas meio ano até agora, e sua falta de antiguidade fez dele um natural para o posto de despachante noturno. Seus longos cabelos loiros estavam bem arrumados, seu uniforme apertado e imaculado. Maschen sentiu uma onda de ódio por qualquer um que pudesse parecer imaculado a essa hora, mesmo sabendo que o sentimento era irracional. Fazia parte do trabalho de Whitmore parecer eficiente tão cedo, e Maschen teria gritado com ele se parecesse diferente.
“Houve um assassinato em uma cabana privada ao longo da costa, a meio caminho daqui e Bellington,” Whitmore disse. “A vítima era a Sra. Wesley Stoneham.”
Os olhos de Maschen se arregalaram. Fiel às suas expectativas, o dia já se tornara imensamente pior. E nem eram seis horas ainda. Ele suspirou. “Quem está cuidando disso?”
“Acker fez o relatório inicial. Ele está no local, coletando as informações que puder. Principalmente, ele está se certificando de que nada será mexido até que você dê uma olhada.”
Maschen assentiu. “Ele é um bom homem. Você tem uma cópia do seu relatório?”
“Em um minuto, senhor. Ele o passou por rádio, e eu tive que digitá-lo sozinho. Tenho apenas mais duas frases para digitar.”
“Está certo. Vou tomar uma xícara de café. Quero esse relatório na minha mesa quando voltar.”
Sempre havia um pote de café no escritório, mas era invariavelmente terrível e Maschen nunca o bebia. Em vez disso, ele atravessou a rua até o restaurante aberto 24 horas e entrou. Joe, o balconista, olhou para ele pelos ombros, as pernas apoiadas contra as mesas. Deixou o jornal que estava lendo. “Um pouco cedo para você, não, xerife?”
Maschen ignorou a amizade que mascarava a curiosidade educada. “Café, Joe, e eu quero preto.” Ele tirou algumas moedas do bolso e as colocou no balcão. O balconista pegou a deixa pela atitude do xerife e passou a servir uma xícara de café em silêncio.
Maschen bebeu seu café em grandes goles. Entre os goles, passou longos períodos olhando fixamente para a parede oposta a ele. Ele parecia lembrar-se de ter conhecido a Sra. Stoneham - ele não conseguia lembrar-se do primeiro nome dela – uma ou duas vezes em algumas festas ou jantares. Lembrou-se de pensar nela na época como uma das poucas mulheres que haviam transformado a aproximação da meia-idade em uma habilidade, em vez de uma responsabilidade ao cultivar certa beleza madura sobre ela. Ela parecia uma pessoa boa, e lamentava que estivesse morta.
Mas ele estava ainda mais pesaroso por ela ter sido a esposa de Wesley Stoneham. Isso causaria complicações além do calculado. Stoneham era um homem que tinha descoberto sua própria importância e estava esperando o mundo alcançá-lo. Não só era rico, ele fez seu dinheiro contar em termos de influência. Ele conhecia todas as pessoas certas, e a maioria delas lhe devia favores, de um tipo ou de outro. O rumor que estava se espalhando era que ele estava mesmo sendo considerado para a cadeira no Conselho que Chottman estaria renunciando em alguns dias. Se Stoneham gostava de você, as portas se abriam como por magia. Se ele franzisse a teta, elas se fechariam na sua cara.
Maschen trabalhava na polícia há trinta e sete anos e era xerife há doze anos. Ele estaria concorrendo para a reeleição no próximo ano. Talvez fosse aconselhável ficar do lado útil de Stoneham, seja qual fosse esse lado. Ele ainda não conhecia os detalhes do caso, mas já sentia na sua úlcera que seria desagradável. Ele murmurou algo entre uma respiração e outra sobre o destino do policial.
“Perdão, xerife?” Joe perguntou.
“Nada,” Maschen grunhiu. Ele terminou o café em um gole, bateu a xícara no balcão e saiu do restaurante.
De volta ao seu escritório, o relatório estava esperando por ele em sua mesa, exatamente como havia pedido. Não havia muita coisa nele. Uma chamada tinha chegado às três e sete da manhã e outra às sete da manhã, relatando um assassinato. A pessoa que ligou era o Sr. Wesley Stoneham, chamando da residência do Sr. Abraham Whyte. Stoneham disse que sua esposa tinha sido assassinada por uma facção, ou facções, desconhecida enquanto ela estava sozinha em sua cabana à beira-mar. Stoneham chegou ao local em torno de duas e meia da manhã e descobriu seu corpo, mas como as linhas de telefone tinham sido cortadas, ele tinha que telefonar do vizinho. Um carro foi enviado para investigação.
O Sr. Stoneham se encontrou com o oficial de investigação na porta da cabana. Dentro, o agente encontrou o corpo, tentando identificar como a esposa de Stoneham, mãos e pés amarrados, sua garganta cortada, seus olhos removidos e peito e braços brutalmente cortados. Havia uma possibilidade de agressão sexual, pois a região púbica havia sido cortada. As distorções faciais e as marcas na garganta indicavam estrangulamento, mas não havia outros sinais de luta de qualquer tipo na cabana. Ao lado do corpo estava uma faca de cozinha que, aparentemente, tinha sido usada para cortar – era do conjunto de utensílios que estava pendurado na parede. O tapete estava manchado de sangue, presumindo-se ser da vítima, e uma mensagem tinha sido escrita na parede, com sangue: “Morte aos Porcos.” Um cigarro apagado que tinha sido parcialmente fumado estava no chão, e um fósforo usado estava em um dos cinzeiros. O quarto pareceu intocado.
Maschen largou o relatório, fechou os olhos e esfregou as costas de seus dedos contra as pálpebras. Não poderia ser apenas um simples estupro seguido de assassinato, não é? Este tinha todos os ingredientes de uma vingança psicótica, o tipo que atraia grande publicidade. Ele releu a descrição do corpo e estremeceu. Ele tinha visto várias visões sangrentas em seus trinta e sete anos de trabalho policial, mas nunca uma que soava tão sangrenta como esta. Ele achava que não iria gostar deste caso. Ele meio que temia ter que ir até o local e ver o cadáver por si mesmo. Mas ele sabia que teria que fazer isso. Em um caso como esse, com toneladas de publicidade – e com o Stoneham olhando por cima do ombro – ele teria que lidar pessoalmente com a investigação. O Condado de San Marcos não era grande o suficiente para poder pagar – ou exigir – um esquadrão de homicídios em tempo integral.
Ele apertou o botão do intercomunicador. “Tom?”
“Sim, senhor?”
“Chame Acker no rádio.” Ele respirou fundo e se levantou da cadeira. Ele teve que sufocar um bocejo quando passou pela porta e desceu as escadas para a recepção.
“Estou com ele, senhor,” o jovem agente disse enquanto entregava o microfone do rádio ao xerife.
“Obrigado.” Ele pegou o microfone e apertou o botão de transmissão. “Câmbio.”
“Aqui é Acker falando, senhor. Eu ainda estou na cabana de Stoneham. O Sr. Stoneham voltou para sua casa em San Marcos para tentar dormir um pouco. Tenho o endereço dele—”
“Não se preocupe, Harry. Eu tenho isso em algum lugar nos meus arquivos. Existe alguma novidade desde que você fez o primeiro relatório?”
“Eu verifiquei os terrenos ao redor da cabana procurando por possíveis pegadas, mas acho que estamos sem sorte aqui, senhor. Não chove há meses, você sabe, e o chão aqui está terrivelmente duro e seco. Um punhado de rochas cobertas por uma camada fina de sujeira solta e cascalho. Não consegui encontrar nada.”
“E os carros? Tinha algum rastro de pneu?”
“O carro da Sra. Stoneham está estacionado ao lado da cabana. Há dois conjuntos de faixas do carro de Stoneham e um do meu carro. Mas o assassino não teria vindo de carro. Há uma série de lugares com uma distância curta daqui.”
“Uma pessoa teria que conhecer seu caminho muito bem, no entanto, você não acha que eles se perderiam no escuro?”
“Provavelmente, senhor.”
“Harry, de forma extra-oficial, o que isso tudo parece para você?”
A voz do outro lado parou por um momento. “Bem, para dizer a verdade, senhor, esta é a coisa mais doentia que eu já vi. Eu quase vomitei quando vi o que tinha sido feito com o corpo dessa pobre mulher. Não poderia haver qualquer razão para o assassino fazer o que fez. Eu acho que estamos lidando com um lunático perigoso.”
“Está certo, Harry,” Maschen acalmou. “Espere aí. Vou pegar o Simpson e então iremos ajudá-lo. Câmbio e desligo.” Ele desligou o rádio e devolveu o microfone a Whitmore.
Simpson era o agente mais bem treinado nos aspectos científicos da criminologia. Sempre que ocorria um caso de maior complexidade do que o normal, o departamento tendia a confiar mais nele do que em qualquer outro membro. Normalmente, o Simpson não entrava em serviço antes das dez horas da manhã, mas Maschen fez uma chamada especial, informando-o da urgência da situação, e lhe disse que iria buscá-lo. Pegou o kit de impressões digitais do agente e uma câmera no carro, depois dirigiu para a casa do Simpson.
O agente estava esperando na varanda da sua casa, um pouco aturdido. Juntos, ele e o xerife partiram para a cabana de Stoneham. Muito pouco foi dito durante a ida. Simpson era um homem magro, muito quieto que geralmente mantinha seu brilho para ele, enquanto o xerife tinha mais do que suficiente para pensar sobre considerar os diferentes aspectos do crime.
Quando chegaram, Maschen dispensou Acker e lhe falou para ir para casa e tentar dormir um pouco. Simpson foi em silêncio até o seu trabalho, primeiro fotografando a sala e o corpo de todos os ângulos, em seguida, recolhendo pequenos pedaços de coisas, qualquer coisa que estava solta, colocando em sacos plásticos e procurando impressões digitais na sala. Maschen chamou uma ambulância, depois se sentou e assistiu o trabalho do seu agente. De alguma forma, ele se sentia desamparado. Simpson era o que estava mais bem treinado para esse trabalho, e havia pouco o que o xerife pudesse acrescentar à proeza de seu agente. Talvez, Maschen pensou amargamente, depois de todo esse tempo eu realmente acho que estou destinado a ser um burocrata e não um policial. E não seria este um comentário triste sobre sua vida, ele se perguntou.
Simpson terminou seu trabalho quase simultaneamente com a chegada da ambulância. Quando o corpo da Sra. Stoneham foi levado para o necrotério, Maschen fechou a cabana e junto com Simpson voltou para a cidade. Já era quase oito e meia, e o estômago de Maschen começava a lembrá-lo de que tudo que tinha tomado no café da manhã tinha sido a xícara de café.
“O que acha do assassinato”, perguntou ao inflexível Simpson.
“É incomum.”
“Bem, sim, isso é óbvio. Nenhuma pessoa normal... deixe corrigir isso, nenhum assassino normal cortaria um corpo assim.”
“Não foi isso que eu quis dizer. O assassinato foi feito por trás.”
“O que quer dizer?”
“O assassino matou a mulher primeiro, depois a amarrou.”
Maschen desviou os olhos da estrada por um momento para olhar seu agente. “Como você sabe disso?”
“Não houve corte na circulação quando as mãos estavam amarradas, e as cordas estavam muito apertadas. Portanto, o coração já tinha parado de bombear sangue antes de ela ser amarrada. Além disso, ela foi morta antes desses cortes serem feitos em seu corpo, ou então muito mais sangue teria jorrado.”
“Em outras palavras, este não é o sádico tradicional que amarra uma garota, a tortura e depois a mata. Você está dizendo que esse homem a matou primeiro, depois a amarrou e a desmembrou?”
“Sim.”
“Mas isso não faz qualquer sentido.”
“Por isso eu disse que era incomum.”
Dirigiram o resto do caminho em silêncio, cada homem contemplando as circunstâncias incomuns do caso, cada um à sua maneira.
Quando chegaram de volta à estação, Simpson foi direto para o pequeno laboratório para analisar suas descobertas. Maschen tinha começado a subir as escadas para seu escritório quando Carroll, sua secretária, desceu para encontrá-lo no meio do caminho. “Cuidado”, ela sussurrou. “Há uma multidão de repórteres esperando para te emboscar lá em cima.”
Como os abutres se reúnem rápido, Maschen pensou. Gostaria de saber se alguém os avisou, ou se eles apenas sentem o cheiro da morte e do sensacionalismo e vêm correndo atrás dele. Ele realmente não estava esperando por eles tão cedo, e ele não tinha nada preparado para dizer. Seu estômago fazia com que ficasse consciente de que não tinha comido nada sólido nas últimas quatorze horas. Ele se perguntou se ainda havia tempo para correr para um rápido café d manhã antes de lhe verem.
Não havia. Um rosto desconhecido apareceu no alto da escada. “Aqui está o xerife agora”, o homem disse. Maschen suspirou e continuou subindo os degraus atrás de Carroll. Ele sabia que não seria um dia bom.
Até ele ficou surpreso quando chegou ao topo e olhou ao redor. Ele esperava alguns repórteres de alguns jornais do condado. Mas aqui o quarto estava cheio de gente, e o único que ele reconheceu foi Dave Grailly do San Marcos Clarion. Todos os outros eram desconhecidos. E não havia somente pessoas, máquinas também. As câmeras de televisão, os microfones e outros equipamentos de radiodifusão estavam cuidadosamente espalhados, com letras de chamada das três principais redes, bem como estações locais das áreas de Los Angeles e São Francisco. Ele se sentia oprimido com a ideia de que este caso estava atraindo uma publicidade muito maior do que ele mesmo havia antecipado.
No instante em que ele apareceu, uma gritaria começou enquanto vinte pessoas diferentes começavam a lhe fazer vinte perguntas diferentes ao mesmo tempo. Tonto, Maschen só pôde ficar ali por um momento sob o bombardeiro de perguntas, mas finalmente recuperou a compostura. Ele caminhou até a área onde eles tinham montado os microfones e anunciou, “Senhores, se todos forem pacientes, eu pretendo emitir uma declaração em poucos minutos. Carroll, pegue seu bloco de notas e venha ao meu escritório, está bem?”
Ele entrou em seu escritório e fechou a porta, apoiando suas costas contra ela. Ele fechou os olhou, tentando regular sua respiração e talvez acalmar seus nervos. Os eventos foram se empilhando um por cima do outro rápido demais para o seu conforto. Ele era apenas um xerife de um pequeno condado, acostumado com um ritmo descontraído e uma atmosfera fácil. De repente, o mundo parecia estar ficando fora de controle, perturbando a normalidade monótona na qual estava acostumado. Novamente, o pensamento de que talvez não devesse ser um policial cruzou sua mente. Deve haver centenas de outros empregos no mundo que eram mais bem pagos e menos desgastantes.
Houve uma batida na porta atrás dele. Ele se afastou e abriu, e Carroll entrou, com o bloco na mão. De repente, Maschen percebeu que não tinha a menor ideia do que dizer. Cada palavra seria criticamente importante porque ele estaria falando não somente para Dave Grailly do Clarion, mas para as agências de notícias e redes de TV, o que significava potencialmente cada pessoa nos Estados Unidos. Sua boca ficou seca de repente com medo do palco.
Ele decidiu, finalmente, manter os fatos conforme ele os conhecia. Que os jornais tirem suas próprias conclusões. Eles iriam fazer isso, de qualquer forma. Caminhou ao redor da sala conforme ditava para a sua secretária, parando frequentemente para que ela lesse tudo que já tinha dito e corrigir alguma frase que pudesse parecer estranha. Quando terminou, lhe pediu para ler tudo em voz alta duas vezes, apenas para se certificar de sua precisão. Então ele a deixou sair para digitar.
Enquanto ela fazia isso, ele se sentou atrás de sua mesa e queria que suas mãos parassem de tremer. O pensamento de que ele não era adequado para o seu trabalho não deixava sua mente. Ele tinha sido um bom policial há trinta anos, mas as coisas tinham sido muito mais simples da época. O tempo passava por ele de forma permanente, deixando-o naquela estagnação com apenas uma pretensão lhe restando? Era a única razão que ele era capaz de ter sucesso como xerife, pois não havia realmente nada desafiador para fazer neste pequeno condado costeiro? E agora que o presente parecia estar finalmente se aproximando, ele seria capaz de enfrentá-lo como deveria?
Carroll entrou com uma cópia digitada e uma em carbono para sua aprovação antes de fazer outras cópias. Maschen ficou nervoso com isso, levando um tempo enorme para ler o documento inteiro. Quando ele não podia mais adiar o inadiável, ele rubricou e devolveu o carbono para fazer cópias. Limpando a garganta várias vezes, ele saiu do seu escritório.
Ele foi recebido pelo estalo dos flashes, o que o cegou temporariamente conforme ele tentava alcançar os microfones. Tateou seu caminho até encontrá-los. “Eu tenho uma declaração oficial a fazer neste momento”, disse ele. Ele olhou para o papel em suas mãos e mal podia ver as palavras por causa de todos os pontos azuis que pareciam fixos na frente de seus olhos. De forma hesitante, ele percorreu todo o caminho do seu discurso. Ele descreveu as circunstâncias da descoberta do corpo e o estado bastante horrível deste corpo. Ele mencionou a frase escrita na parede, mas não mencionou a hipótese de Simpson sobre o horário do assassinato. Ele concluiu dizendo: “Serão disponibilizadas cópias desta declaração para quem quiser.”
“Você já tem algum suspeito” um repórter perguntou a ele.
“Por que, uh, não. É muito cedo, nós ainda estamos assimilando os dados.”
“Tendo em vista o fato de seu escritório ser tão pequeno, você planeja pedir ajuda do Estado ou ajuda federal para resolver o caso?” Essa pergunta veio de uma parte diferente da sala.
Maschen sentiu a pressão sobre ele de repente. As câmeras de TV estavam olhando para ele com um olho grande, sem piscar. Ele estava ciente de que estava usando um uniforme sujo, não passado e que não tinha feito a barba naquela manhã. Seria esse tipo de imagem que iria se espalhar pelo país? Um caipira desgrenhado, descuidado que não consegue lidar com seu próprio condado quando algo realmente ruim acontece? “Até agora,”, ele disse deliberadamente, “as indicações são de que a solução para este crime está dentro das capacidades de meu escritório Não pretendo pedir ajuda externa neste momento, não.”
“Você acha que é possível que o assassinato tenha sido motivado por questões políticas?”
“Eu realmente não poderia dizer...”
“Considerando a importância do caso e a singularidade de sua natureza, quem vai ser colocado no comando?”
Quando a pergunta foi formulada dessa forma, havia apenas uma resposta que ele poderia dar. “Eu estou me responsabilizando pessoalmente pela investigação.”
“Você colocará um boletim sobre todos os pontos?”
“Quanto eu tiver alguma ideia do tipo de pessoa que estamos procurando, sim. Se não o pegarmos nesse meio tempo, é claro.”
“Que tipo de pessoa você acha que poderia ter cometido um crime tão terrível?”
Neste momento, Maschen viu Howard Willsey, o defensor público, entrar na sala pela parte de trás, e sua mente vagueou da pergunta por um momento. “Por que, hum, uh, para mim ele parece ser, uh, alguém muito perturbado. Se, uh, os cavalheiros me desculparem agora, acredito que o defensor queira falar comigo.”
Houve alguns murmúrios de agradecimento de rotina, pois os repórteres começaram a pegar as cópias da declaração e os cinegrafistas começaram a desmontar seus equipamentos. O defensor polidamente abriu caminho entre a multidão de jornalistas para chegar ao lado do xerife. Howard Willsey era um homem alto, magro e sem substância com um nariz pontudo, como um falcão, e os olhos lacrimejantes que sempre pareciam estar à beira das lágrimas. Ele era um defensor, em grande parte, porque tinha sido incapaz de ter sucesso na prática privada.
“Vamos para o seu escritório”, ele disse quando chegou ao xerife.
De volta à relativa calma de seu escritório, Maschen se sentiu muito mais à vontade. Era como se o gato selvagem que tinha pulado em suas costas tivesse, de repente, se tornado um bicho de pelúcia, afinal. A remoção da pressão foi uma benção positiva. Willsey, por outro lado, estava nervoso. Ele tinha um cigarro na boca antes que Maschen pudesse lhe oferecer uma cadeira. “Bem, Howard,” disse o xerife com alegria forçada, “preciso perguntar o que te trouxe aqui tão cedo nesta manhã?”
Willsey perdeu a pergunta ou a ignorou. “Eu não gosto da ideia de todos aqueles repórteres”, disse ele. “Eu queria que você não tivesse falado com eles. É tão difícil hoje em dia saber as coisas certas a dizer. Uma palavra errada e a Suprema Corte reverterá toda a decisão.”
“Acho que você pode estar exagerando um pouco.”
“Não tenha tanta certeza. E em qualquer caso, quando mais você disse, mais prejudicará os futuros jurados.”
“Talvez. Mas mesmo assim, o que mais eu poderia ter feito?”
“Você poderia ter se recusado a comentar. Simplesmente diria: ‘Estamos trabalhando disse e deixaremos vocês saberem quando terminarmos’. Ficaria quieto até que tudo estivesse acabado.”
A ideia nunca ocorreu a Maschen. Ele reagiu espontaneamente tendo um microfone empurrado para sua boca: ele falou. Todo o calvário poderia ter sido facilmente evitado com as palavras: “sem comentários”, só que ele não pensou nelas. Ele se perguntava quantas pessoas teriam passado por situações semelhantes. Isso era uma grande coisa com que a TV e a imprensa tinham para eles – pessoas que, de alguma forma, não diriam uma palavra, sentiam que era sua responsabilidade ajudar a difundir as notícias para os outros.
Ele encolheu os ombros. “Bem, é tarde demais para fazer algo sobre isso agora. Vamos esperar que eu não tenha destruído demais nossa causa. Agora, sobre o que queria falar?”
“Recebi uma ligação de Wesley Stoneham há alguns minutos.” A maneira como ele disse aquelas palavras soou para Maschen como se a chamada tivesse chegado através de um ramo ardente. O defensor era um homem que conhecia suas limitações na vida e percebeu que, sem esse trabalho público, seria um fracasso. Consequentemente, manter seu trabalho era a maior consideração de sua mente o tempo todo – especialmente quando recebia chamadas de um homem cujo poder no condado estava subindo tão rapidamente.
“O que ele tem a dizer sobre si mesmo?” Maschen perguntou.
“Ele queria saber se alguma prisão já havia sido feita sobre o assassinato de sua esposa.”
“Meu Deus. Eu só descobri sobre isso há algumas horas apenas, e ninguém teve consideração suficiente para entrar aqui e confessar. O que ele espera de nós, afinal?”
“Calma, John. Estamos todos sob muito estresse. Imagine como ele se sente – ele chega na cabine tarde da noite e encontra... bem, literalmente, uma confusão sangrenta. Sua esposa cortada em pedaços. Naturalmente, ele vai ficar um pouco perturbado e irracional.”
“Ele tem alguma sugestão de quem ele acha que fez isso?” Maschen percebeu que esse Ra o tipo de pergunta que deve ser feita mais adequadamente para Stoneham, mas o defensor estava agindo como um substituto de Stoneham de qualquer forma
“Sim, de fato ele tem. Ele mencionou aqueles hippies que estavam vivendo fora de Totido Canyon. Você sabe aquele grupo de comunidade.”
Maschen realmente sabia sobre “aquele grupo de comunidade”. Seu escritório recebia uma média de uma dúzia de chamadas por semana sobre eles, e desde então eles se mudaram para uma área deserta há três meses. San Marcos era uma comunidade muito conservadora, composta por muitos casais aposentados mais velhos que tinham pouca ou nenhuma tolerância para o estilo de vida muito diferente afetado pelos jovens membros da comunidade Totido. Sempre que algo parecia estar desaparecido, a suspeita sempre era colocada sobre os membros da comunidade primeiro.
Um homem chamado Carl Polaski estava no comando do grupo. Maschen o conhecia apenas vagamente, mas parecia ser um homem inteligente e razoável. Um pouco velho para continuar dessa forma, na opinião do xerife, mas por outro lado, emprestou a maturidade aos jovens da comunidade. Ele os manteve na fila. Até essa data, nenhuma das acusações formuladas contra qualquer um dos membros hippies nunca tinha sido fundamentada. Maschen tinha desenvolvido um respeito relutante por Polaski, mesmo que o estilo de vida escolhido pelo homem fosse o contrário da escolha do xerife.
“O que o faz pensar que eles têm alguma coisa a ver com isso?”
“Você acha que pessoas normais teriam cortado o corpo dessa forma? Estes hippies vivem apenas a um pouco mais de um quilômetro de distância da cabana de Stoneham. Uma pessoa ou um grupo deles poderia ter se juntado e ter ido até lá...”
“Essa é a sua teoria ou a de Stoneham?”
“E isso importa?”, Willsey perguntou com seu tom se tornando muito defensivo. “O ponto é que essas pessoas são estranhas. Eles acham que os padrões do mundo normal não se aplicam a eles. Quem sabe o que eles são capazes de fazer? Temos tentado nos livrar deles desde que se mudaram. Aquele bando nada mais é do que desordeiros.”
“Howard, você sabe tão bem quanto eu que nada foi provado contra eles...”
“Isso não os torna inocentes, não é? Onde há fumaça, eu sinto incêndio.”
Maschen inclinou a cabeça para o lado e estreitou seus olhos enquanto olhava para o defensor. “Stoneham realmente pisou em você não foi?”
Willsey se eriçou. “E se ele fez isso? Você às vezes pode esquecê-lo, John, mas somos pequenos peixes nesta piscina. Stoneham é um peixe grande. Você e eu temos que correr para nossos escritórios de novo no ano que vem, lembra? E a ajuda de Stoneham será mais do que bem-vinda na minha campanha, eu lhe garanto.”
O xerife suspirou. “Tudo bem, por sua causa eu vou falar com Polaski...”
“Não é para apenas falar.” Willsey tirou alguns papéis bolso do casaco. “Eu me dei ao trabalho de emitir um mandado de prisão para sua prisão.” Ele jogou os papéis sobre a mesa.
O xerife só olhou para os papéis, atordoado. “Você já parou para pensar na possibilidade de estar errado?”
Willsey encolheu os ombros. “Nesse caso, o deixaremos ir e pediremos desculpas. Mas, se queremos manter a confiança do público, temos que agir imediatamente em algo deste tamanho.”
“Howard, eu sei que pode parecer egoísta, mas eu poderia ser processado por falsa prisão.”
“Acredite, não vai chegar a isso. Além disso, sou eu quem o orienta para fazer a prisão, e acho que existem provas suficientes.”
“Quais provas?”
“Esta frase na parede – “Porte aos Porcos”. Este é um slogan hippie, não?”
“Suponho que sim.”
Willsey se levantou para ir embora. “Agora, confie em mim, John. Você só vai lá e prende o Polaski, e eu prometo a você que tudo vai dar certo.”
Por quase cinco minutos depois que Willsey saiu, Maschen permaneceu sentado, se perguntando o que de pior poderia acontecer antes do dia terminar. Ele olhou fixamente para o mandado de prisão durante muito tempo antes de finalmente se levantar e pegá-lo da mesa.

CAPÍTULO 3
De volta ao espaço vazio, sua mente correu na direção para encontrar o seu corpo. A velocidade da luz era uma limitação ridícula, facilmente superada e ultrapassada. A estrutura do espaço deformou e se torceu ao seu redor, esforçando-se para conservar suas próprias regras enquanto ele quebrou cada uma de forma descuidada. Ele viajou na velocidade do pensamento, se de fato qualquer velocidade poderia ser atribuída a ele. Pontinhos de estrelas borradas em listras e manchas contra um fundo cinzento. De volta, de volta a Zarti. Estrela amarela, quarto planeta, segundo continente, décima-terceira cidade, edifício de três andares na extremidade sudeste, segundo andar, corredor ocidental, terceira sala.

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