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Conquista Da Meia-Noite
Arial Burnz
Junte-se à saga deste atraente vampiro escocês — Broderick MacDougal — enquanto ele segue a alma de seu verdadeiro amor, Davina. Ele deve conquistar o amor dela a cada vida em que ela reencarna, e enfrentarão muitos obstáculos: mortalidade, maldições, profecias, vampiros, lobisomens, piratas, os Illuminati, anjos, demônios e o próprio inferno. O amor triunfará acima de tudo? Só o TEMPO dirá. (Psiu! Sim, essa é uma dica.) Compre esta série de romance paranormal COMPLETA e maratone!
Apaixonar-se não fazia parte do plano. Após trinta anos procurando meu inimigo, eu o encontro… Nas memórias da bela viúva. Sei que ela é a isca, mas será que ela é inocente ou participa do estratagema? Ela resiste a mim, mas eu não consigo ficar longe. Sou atraído por ela. Danem-se as armadilhas, não posso descansar até que ela esteja na minha cama. Eu não vou parar até que eu a reivindique para mim.
Compre o primeiro livro desta série de romance de vampiros para adultos. Os livros desta série de romances paranormais para adultos são escritos como romances autônomos, mas são mais bem aproveitados se forem lidos em ordem. Aviso ao leitor: este é um romance de vampiros com sexo e tem cenários históricos como pano de fundo. Fique viciado em Laços de Sangue — Crônicas Vampíricas de Arial Burnz! Leia esta série de romance paranormal épico com fortes protagonistas femininas, um herói alfa, esgrima, luta, tortura, vingança, gigantes, monstros, perseguições, fugas, amor verdadeiro… e sim, até milagres. Sério… esses livros têm todas essas coisas e MAIS.
Os livros de romance paranormal nesta série em ordem cronológica são: Conquista da Meia-Noite (Livro 1), Midnight Captive (Livro 2), Midnight Hunt (Livro 3), Midnight Eclipse (Livro 4), Frostbitten Hearts (Livro 4.1 - novela independente), Midnight Savior (Livro 5), e Midnight Redemption (Livro 6).


Conquista da Meia-Noite
Livro 1 das Crônicas Vampirescas - Laços de Sangue
por
Arial Burnz

EDIÇÃO EBOOK
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Publicado por:
Mystical Press

Midnight Conquest: Book 1 of the Bonded By Blood Vampire Chronicles
Copyright © 2011 por GC Henderson
2ª Edição
Editado por AJ Nuest
Arte de Capa por Arial Burnz

Observações da licença da edição em e-book

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Este e-book é uma obra de ficção e quaisquer semelhanças com pessoas — sobrenaturais, vivas, mortas ou mortas-vivas — lugares, eventos ou locais, é mera coincidência. Os personagens são produto da imaginação da autora e usados para fins de ficção. Embora eventos históricos reais ou referências a eles tenham sido usados neste livro, são apenas para fins de pano de fundo e podem conter certa licença artística.

Dedicatória
Agradecimentos a Sting
Por "Moon Over Bourbon Street"
Ele me fez conhecer
o deleite de Anne Rice.
Ela plantou a semente
para tudo que eu escrevi;
se não fosse por ela
Eu nunca teria sido mordida
* * * * *
Críticas de 5 estrelas
“Amigos, Conquista da Meia-Noite " é um retrato impressionante do amor eterno. Davina e Broderick são almas gêmeas, mas a cada virada de página, eu me deparo com a dúvida e o medo. Como uma autora pode fazer com que sintamos tanto conflito? Meu coração chorou quando eu caí em um mundo que só Arial Burnz poderia criar. Eu me tornei Davina. Fui arruinada por Broderick.
“Conquista da Meia-Noite vai irritá-lo e gravar uma nova definição de amor em seu coração. Não tenho cordas para me segurar, mas Broderick encapsulou meu coração com seus dedos imortais e não tenho intenção alguma, em absoluto, de me soltar."
~Resenhas de livros Nom de Plume

“Assim que a Sra. Burnz firma o terreno desse universo em nossa mente, o enredo dispara e não tem volta! Ela criou uma atmosfera que parece real, perigosa, mas nunca deixa o romance vacilar, nem por um minuto. Passeie no lado negro da história, onde o amor é como um farol que une duas pessoas enquanto compartilham um amor único!"
~ Dii Bylo, blog de resenhas Tome Tender

“Uma fantasia épica do início ao fim! Dois amantes destinados à eternidade, apesar de todos os percalços. Com personagens fantásticos e ação ininterrupta, não consegui parar a leitura. Parabéns à Sra. Burnz por criar um conto tão lindo!"
~ AJ Nuest, autora de The Golden Key Chronicles, vencedora do Prêmio RONE 2015 de Melhor Romance de Viagem no Tempo

“Arial tem a capacidade única de escrever de uma forma que se desdobra em uma série de camadas emocionais e mitológicas das quais eu não consigo me afastar.”
~ M. Sembera, autora da saga The Rennillia
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Trecho das Notas da Autora
Só para constar, chamei meus vampiros de “Vamsirianos” porque a etimologia da palavra “vampiro” menciona que este vocábulo não existia até 1732. Como o termo não foi usado durante o período em que o Livro 1 se passa, criei um que poderia ter evoluído, sem muita dificuldade para “vampiro” com o passar do tempo.
Não se engane, este romance não é uma ficção histórica, mas sim um romance paranormal com um pano de fundo histórico. Como tal, escrevi a maior parte da minha história através de linguagem contemporânea. Eu me esforcei para garantir que o diálogo de meus personagens tivesse um “toque” do período renascentista. Não afirmo que haja precisão histórica com a linguagem. (Além disso, existem poucas palavras modernas para descrever os órgãos genitais masculinos e femininos, muito menos se me limitasse ao escasso vocabulário doséculo XVI.) Boa Leitura!

Eis meus devaneios…
Arial
Junho de 2011
Capítulo Um
Fortaleza Escocesa do Conselho Vamsiriano — 1486

— Morte? Devo… — outra onda de agonia pressionou o peito dele.
Broderick MacDougal se preparou quando a dor que mais parecia uma navalha percorreu o interior de seu corpo e correu por suas veias. Ele caiu de joelhos e, colocando as mãos para frente, evitou que o rosto batesse no arenito quando a respiração foi arrancada de seus pulmões. Ofegante, ele encostou a bochecha no chão. A pedra fria abrandou a febre de sua pele. O som da respiração irregular ecoava na vastidão da Fortaleza Vamsiriana. Enquanto a agonia diminuía, ele lutou para se endireitar e olhou para os rostos jovens dos Anciões.
Os Anciões do Conselho Vamsiriano sentavam-se em seus tronos de ferro negro atrás de uma extensa mesa de mármore preto, parecendo com qualquer coisa, exceto anciões. Eles observavam Broderick, que se ajoelhou no chão diante deles. Todos os três homens de desconhecidas nacionalidades distintas e características, vestidos com mantos formais de brocado de um vermelho profundo, pareciam não ter mais de vinte e cinco anos. No entanto, eles mediam a idade em séculos, Cordelia disse a ele.
Capaz de se levantar mais uma vez, Broderick pigarreou.
— Morte? — ele repetiu. — Não terei permissão para viver se não escolher nenhuma das opções?
O Ancião Rasheed, que informara a Broderick das três opções, ergueu uma sobrancelha negra como carvão.
— Se você escolher se juntar ao Exército da Luz, não temos permissão para matá-lo; mas sim, se alguém não escolhe entre nós e eles, é costume que se mate os que se negam a fazer tal escolha. Essa é uma ocorrência rara, mas já aconteceu. Matá-lo seria mais por misericórdia do que para preservar o segredo de nossa raça.
Apesar do fogo lambendo seu corpo, Broderick conseguiu erguer a própria sobrancelha.
— Misericórdia? Por quê?
O Ancião Rasheed olhou de soslaio para os companheiros.
— Decerto foi informado de seu destino como Escravo de Sangue. Não é por isso que está aqui?
Broderick não gostou do som daquilo e balançou a cabeça, uma gota de suor escorrendo da sobrancelha para a bochecha.
— O que é um Escravo de Sangue?
Franzindo a testa, o Ancião Rasheed voltou um olhar crítico para Cordelia. Broderick virou a cabeça para a direita, cerrando a mandíbula ante o esforço, e olhou para a mulher que o trouxera até aqui. Cordelia Harley se mantinha majestosa, mas evitava os olhos de todos, vermelho tomava conta de suas bochechas enquanto estudava as tapeçarias nas paredes de pedra.
— Resumindo — continuou Rasheed. —: tornar-se um Escravo de Sangue é uma sentença de morte. A troca de sangue que vivenciou é o que gera sua condição.
Nos últimos meses, Cordelia se alimentou de Broderick, as pequenas presas perfuravam sua garganta, e ela bebia uma pequena quantidade do sangue dele. Em seguida, ela cortava o pulso e o alimentava com o próprio sangue misturado ao dele. Essa troca de sangue era necessária… ou foi o que ela havia dito.
— Cordelia me disse que era parte da transformação.
Rasheed baixou o queixo e lançou um olhar assassino para Cordelia.
— Você criou este Escravo de Sangue? — Cordelia ainda se recusava a fazer contato visual com quer que fosse. — Olhe para mim, mulher!
A beleza pálida, mas tortuosa, mirou o Ancião por debaixo das sobrancelhas negras, então baixou o olhar para o chão e assentiu. Broderick resmungou.
— Você nos levou a acreditar, ao clamar por essa transformação, que o estava salvando dessa condição, não que a havia criado! — Rasheed levantou-se da cadeira como o calor de uma fogueira, devagar e irradiando raiva. — Caso se atreva a sair desse local antes que isso acabe, eu mesmo a esfolarei viva e a deixarei em exibição neste Grande Salão até que eu sinta que já sofreu o suficiente.
A respiração de Cordelia se tornou acelerada enquanto ela encarava os Anciões com os olhos arregalados de terror. Ela fez um ligeiro meneio de cabeça como consentimento.
Rasheed afundou na cadeira, com o olhar ainda fixo nela.
— Não, Broderick MacDougal. Essa pequena troca de sangue cria um laço físico e emocional com o imortal e, em essência, o transforma em um escravo da vontade dele. É por isso que é damos o nome de “Escravo de Sangue”. Esta também é a razão para que sinta tanta dor. O sangue imortal luta dentro de seu corpo, tentando fazer a transformação. Contudo, já que não há sangue imortal o suficiente dentro de você, seu corpo morrerá nesta batalha.
Broderick cerrou os dentes, lutando tanto com a raiva por Cordelia quanto com a dor de sua condição. Explicava por que ele a seguia de maneira tão cega, ele não possuía controle algum das próprias emoções. Mais uma vez, ele se permitiu ser traído por uma mulher.
Das duas mulheres em quem ele confiou, qual era a mais responsável pela posição em que ele se encontrava hoje? A jornada dele, de uma vida inteira, para matar o inimigo de seu clã o motivou a aceitar, com demasiada ansiedade, tudo o que Cordelia prometia. No entanto, a traição de Evangeline causou o massacre de seus irmãos e suas famílias, alimentando ainda mais sua sede de vingança, o deixando sem escolha a não ser aceitar a imortalidade para atingir seus objetivos. Ainda assim, o coração partido dentro de seu peito não exigiria nada menos. Broderick virou os olhos para a esquerda, para contemplar a maldição de sua existência… o inimigo de seu clã, Angus Campbell.
Desde a infância de Broderick, seu pai, Hamish MacDougal, travava uma guerra interminável com Fraser Campbell, uma batalha particular, cujas raízes permaneceram — até agora — um mistério. Pego em uma luta sangrenta após a outra, assistindo àqueles que amava morrerem sob a espada, Broderick desenvolveu seus próprios motivos para buscar vingança contra esta parte dos Campbell.
Seu inimigo estava ao lado dele agora, as veias pulsando em suas têmporas, a fúria queimava em seus olhos verde-esmeralda enquanto ele olhava de volta para Broderick e Cordelia.
— Sua escolha determinará seu destino. — disse o Ancião Rasheed.
— O que é este Exército de Luz? — Broderick perguntou, resistindo ao impulso de acertar Angus no queixo, e sim voltando-se para o Conselho.
O Ancião Ammon explicou, com um sotaque ainda mais estranho do que o de Rasheed:
— Eles se consideram filhos especiais de Deus. — disse com desdém, o nariz aquilino empinado. — São uma perversão do que somos. Afirmam oferecer vida eterna e, ainda assim, devido a nossa imortalidade permanecemos vivos enquanto as vidas mortais deles expiram.
— Se eles são mortais… — Broderick perguntou com uma voz trêmula. —, o que eu ganharia se os escolher? Pensei que eu estava condenado a morrer.
O Ancião Mikhail sorriu.
— Alguns dizem que o deus deles pode fazer milagres e curar. Como nunca temos contato com aqueles que os escolhem; e tenha certeza, foram muito poucos em verdade, não há como confirmar ou negar tais afirmações. Se for com eles, pode ser que o curem… ou pode ser que não. Não oferecemos garantias quanto ao que eles podem ou não fazer. — Mikhail acenou com os dedos finos demonstrando desdém.
— Contudo, a eles deve enfrentar. — disse o Ancião Ammon, apontando para uma porta à direita de Broderick. — Eles explicarão o que esperam em troca da barganha que podem oferecer. Todos aqueles que escolheram fazer parte da raça Vamsiriana devem fazê-lo de boa vontade e com conhecimento de causa. Deve ouvir o que eles têm a dizer antes de decidir.
Dois homens, que Broderick acabara de notar estar atrás dos Anciãos, avançaram e ajudaram-no a se levantar. Apoiando-se neles, ele arrastou-se de maneira laboriosa em direção à porta onde um novo destino possível o aguardava. Ele olhou para Cordelia com uma carranca. Ainda se recusava a fazer contato visual quando ele passou. Ela o considerou um tolo. Nunca teve a intenção de dar a ele a imortalidade, apenas o usou para se vingar de Angus, negando ao homem a possibilidade de matar Broderick ele mesmo. A raiva óbvia de Angus por Broderick e Cordelia confirmou que ela teve sucesso.
Todavia, Broderick só podia imaginar que motivo ela teria para trazê-lo perante o Conselho. Por que não zombar dele e na frente de Angus? Por que trazê-lo aqui? Além disso, a presença de Angus nesta reunião não fazia sentido. Ele estava aqui para protestar contra a transformação? Por que o Conselho não deixava Angus matá-lo sem quaisquer problemas? Estava claro que ele era incapaz de se defender, mas Angus parecia estar com as mãos atadas.
Então, uma ideia o atingiu.
Se ele entrasse nesta sala e decidisse se tornar um membro do Exército da Luz, Angus decerto não teria sua vingança. Broderick estaria sob proteção. Se, por algum acaso, o Exército da Luz pudesse curá-lo, ele poderia viver para lutar outro dia, sob a proteção deles, mesmo sendo mortal. E se não pudessem curá-lo, pelo menos, caso ele morresse, o faria sabendo que Angus não obteria sua tão sonhada vingança, um último ato de desafio, embora fraco. Nada parecia de bom agouro para ele, mas o que mais poderia fazer?
Um Vamsiriano abriu a pesada porta de carvalho. Os dois imortais ajudaram Broderick a se acomodar na única cadeira de madeira existente na sala, colocada de frente para outra porta na parede oposta. Eles assentiram e se retiraram para os cantos sombreados atrás de Broderick. O silêncio da câmara os envolveu como uma névoa.
Um braseiro alto queimava à direita de Broderick, estalava e sibilava, projetando uma luz laranja bruxuleante nas paredes de pedra, mas não fornecia muita iluminação. Broderick estremeceu quando outra onda queimou por ele e tirou seu fôlego ao atravessar seu corpo. Ele agarrou os apoios de braço, preparando-se para a agonia, à espera da diminuição da dor.
O tormento precisa acabar ou ficaria louco pela tortura de seu estado!
O som de um ferrolho sendo aberto do outro lado da câmara o fez estremecer. Mais ondas de dor percorreram suas pernas e fizeram os dedos do pé curvarem-se. Uma figura encapuzada entrou na câmara. A porta se fechou atrás da pessoa, e o ferrolho retiniu mais uma vez, trancando-os juntos. O corpo dele se recuperou quando a dor diminuiu, e Broderick respirou com facilidade mais uma vez.
A figura o encarou.
— Sei que sua condição pode parecer desesperadora, mas Deus pode curá-lo dessa aflição de sangue.
Broderick enrijeceu e se inclinou para frente para tentar ver o rosto da mulher que se escondia sob a capa, mas o braseiro não o ajudava muito.
— É impossível. — ele grunhiu por entre os dentes. — A voz que ouço deve vir do túmulo.
A mulher diante dele puxou o capuz para trás e revelou os cabelos longos e dourados que ele conhecia tão bem. Evangeline, sua esposa prostituta, balançou a cabeça e olhou para ele com olhos arregalados. Os lábios de Broderick se curvaram em um rosnado, e ele engoliu a bile que subiu em sua garganta.
Evangeline choramingou e caiu de joelhos.
— Querido Pai do céu, como pôde me escolher para enfrentar meu marido? Ele com certeza irá escolher o caminho das trevas se for eu aquela a mostrar a luz. Por que não pôde enviar outra pessoa?
A raiva invadiu seus sentidos.
Broderick se levantou, deu um passo na direção dela. A dor crescente em seu coração ameaçou afogá-lo como uma torrente de ondas, e ele lutou contra as lágrimas que ardiam nos olhos. Veria a luz expirar dela como testemunhou acontecer com Maxwell e Donnell.
Evangeline arfou e ergueu as palmas das mãos, continuou seu devaneio com uma rápida sucessão de palavras.
Broderick bateu em uma parede invisível e caiu no chão. Contorcendo-se em agonia, a raiva desapareceu. Através de uma nuvem turva de consciência, ele cambaleou enquanto os dois guardas Vamsirianos o ajudaram a se sentar na cadeira, antes de voltar para o canto. Evangeline baixou as mãos e permaneceu ajoelhada no chão de pedra do outro lado do cômodo. Assim que voltou a si, ele limpou a garganta.
— O que é essa magia, bruxa?
Ela franziu a testa.
— Não sou uma bruxa, Broderick. Sou membro do TzavaHa'or: o Exército da Luz. Deus nos deu certas medidas de proteção contra… — ela franziu os lábios e baixou o olhar, uma respiração trêmula sacudiu seus ombros, e ela ergueu o queixo, encarando-o com os olhos cheios de lágrimas. — Contra o sangue dos amaldiçoados.
Broderick agarrou os braços da cadeira para se levantar, mas lembrou-se do último encontro dele com a proteção de Deus e reconsiderou.
— Como pode estar viva e entre aqueles que deveriam ser filhos especiais de Deus? — ódio temperava cada sílaba que ele conseguiu dizer entredentes, ela implorou com os olhos, o que só o fez tremer ainda mais de raiva e tristeza: — Por que você ainda vive?
— Eu corri… — ela sussurrou em meio às lágrimas, revivendo o passado. —, corri para longe da batalha, floresta adentro, por horas. Quando caí de exaustão, fui atacada por ladrões que… — ela fechou os olhos e engoliu em seco. — forçaram-se a mim e me deixaram para morrer.
— E mesmo assim se ajoelha diante de mim. — Broderick lutou contra a simpatia que sentia. — Continue.
— Não sei quanto tempo fiquei ali deitada, mas acordei e fui, aos tropeços, para a estrada, onde um grupo de monges quase me atropelou com uma carroça. Eles me levaram para um convento onde as irmãs cuidaram de mim; onde me tornei um membro do Exército da Luz. — Evangeline olhou para Broderick com uma centelha de esperança em seus olhos vidrados. — Fui ensinada que Nosso Senhor é um Deus que perdoa e ama, Broderick. Por favor, não dê as costas a Ele escolhendo este caminho das trevas. Ele pode curar você e perdoar tudo. Perdoou até a mim!
— Eu não! — ódio sacudia seus membros e deu-lhe força para resistir à agonia que rasgava seu corpo, tremor quebrou suas palavras. — Acredita que todas as vidas que tirou com sua traição podem ser ignoradas com tanta facilidade? Você é a razão para eu estar aqui buscando vingança contra meu inimigo, alguém cuja cama você compartilhou. Permanece nos braços protetores de Deus enquanto meu corpo morre como um escravo de sangue.
— Deus pode curar você, Broderick! Ele libertou outros que se tornaram escravos de sangue. Junte-se ao Exército da Luz e Ele pode curá-lo.
Os dois guardas Vamsirianos flanquearam Broderick quando ele fez menção de ir na direção dela. Ele lutou com os braços deles, contra a angústia de sua alma, contra a injustiça que atormentava a vida dele sem cessar.
— Você está louca ao pensar que eu aceitaria de você, ou de um Deus que abriga traidores. Deveria estar morta, mas está sentada diante de mim, oferecendo-me a salvação. Supôs que eu iria perdoá-la só por ser a portadora de tal oferta?
Evangeline fez uma reverência e balançou a cabeça.
— Não. — ela sussurrou. — Também estou surpresa por estar viva. Como tal, ainda sou sua esposa, e você detém o direito de fazer comigo o que quiser.
Evangeline ergueu as mãos de novo, murmurando outra série de frases estranhas.
Broderick respirou melhor com a diferença perceptível na atmosfera, a pressão diminuindo em seu corpo. Os Vamsirianos ao seu lado também olharam ao redor, admiração em seus olhos. A parede invisível que ela havia erguido deve ter caído. Broderick tentou avançar, mas os Vamsirianos o contiveram. Incapaz de lutar contra eles, ele se rendeu.
— Escolho o caminho da imortalidade, tornando-me assim, morto para você. Já que Deus perdoou suas transgressões, tenho certeza de que a igreja anulará nosso casamento patético. Deus é seu marido agora e que ambos sofram as consequências disso!
Evangeline caiu no chão aos prantos enquanto escoltavam Broderick para fora dali.
Posicionando-o diante do Conselho mais uma vez, os dois Vamsirianos soltaram Broderick, e ele reuniu toda força que pôde para permanecer de pé.
— Escolhi me tornar um Vamsiriano. — ele anunciou com uma voz rouca.
Broderick olhou para Angus que, para sua surpresa, exibia um sorriso de satisfação nos lábios.
Os Anciões assentiram e se voltaram para Cordelia, ela se adiantou e olhou para Angus. O medo dominava seus olhos, e ela cruzou os braços sobre os seios fartos, voltando-se para o Conselho.
— Eu revogo minha reivindicação sobre Broderick MacDougal.
Os olhos do Ancião Rasheed se arregalaram, assim como os de seus colegas.
— Está afirmando que não deseja transformar Broderick MacDougal, razão pela qual fomos convocados?
Cordelia deu um passo para trás e engoliu em seco.
— Sim. — respondeu com uma voz trêmula.
O Ancião Rasheed se levantou, e Cordelia teve sensatez suficiente para se encolher.
— Testa minha paciência, mulher! Ainda posso decidir esfolá-la viva!
— Ancião Rasheed, se me permite.
Angus deu um passo à frente, descruzando os braços.
Rasheed suspirou resignado.
— Sim, Angus Campbell. — ele disse com um aceno de desprezo. — Como requisitado, a princípio, ao vir perante o conselho, esta pobre criatura é sua para fazer como desejar. Acabe com sua miséria.
Sentando-se, Rasheed colocou a cabeça entre as mãos.
— Não, Ancião Rasheed. — Angus olhou para Broderick. — Estou propondo que eu mesmo faça a transformação.
Os olhos arregalados de Broderick não foram os únicos a fazer com que todos prestassem atenção em Angus Campbell.
— Por que faria uma coisa dessas? Enfim tem a oportunidade de se livrar de minha existência. Aproveite e faça o que o Ancião Rasheed aconselha… acabe com meu sofrimento.
Broderick estremeceu com uma onda de dor.
— Embora eu goste de vê-lo sofrer — Angus zombou. —, não há nenhuma satisfação em matá-lo em um estado tão fraco. Meu espírito nunca descansará. — Angus se aproximou de Broderick, sorrindo com malícia para seu corpo curvado e profanado. — Deve estar disposto a fazer a transformação, Rick, ou não posso realizar a ação. Qual é a sua escolha?
Broderick olhou para todos, o olhar de Cordelia concentrado nele. Todos pareciam estar prendendo a respiração, esperando que ele dissesse a palavra.
— Viva para lutar outro dia! — Angus debochou. — Seja um oponente digno.
Broderick olhou para os olhos zombeteiros de seu inimigo. Um longo silêncio se estendeu entre eles, denso com oposição. As almas de seus irmãos, suas esposas e seus filhos pequenos clamavam, desde os confins de sua alma, por vingança.
— Vá em frente. — Broderick rosnou. — Porém, se arrependerá desta decisão.
Angus deu uma risada e esperou pela aprovação de Rasheed, que apenas observava o absurdo da cena. Com apenas um aceno de cabeça do Ancião, Angus se lançou sobre Broderick, trouxe a cabeça dele para trás com um puxão feroz em seus cabelos e afundou as presas no pescoço sensível de Broderick. Ele gritou e arranhou quando Angus cortou sua garganta. No entanto, a dor que percorreu seu corpo e queimou seu pescoço logo desapareceu para dar lugar à euforia de se alimentar, assim como havia sentido com Cordelia, e Broderick caiu nos braços de Angus. O contato com Angus se estendeu em uma névoa profunda. Cordelia costumava sondar sua mente quando bebia dele, mas não vivenciou nada disso com Angus. Broderick escorregava mais fundo em direção à morte, a vida se esvaindo. Angus poderia, muito bem, drenar sua vida e matá-lo.
Por fim, Angus interrompeu o contato e baixou Broderick ao chão.
Rasheed parou e entregou a Angus uma adaga de cabo preto. Cortando um dos pulsos, Angus estendeu a ferida aberta para que Broderick bebesse. Mas Broderick não conseguia abrir a boca e aceitar o sangue Vamsiriano que escorria por seu queixo. Era melhor ele recusar e morrer logo.
— Fez essa escolha, Rick! — Angus latiu e voltou a cortar o pulso que se curava com rapidez. — Abra a boca!
Antes que Broderick pudesse se deleitar com o triunfo por derrotar Angus, o cheiro do sangue assaltou seus sentidos, e ele abriu a boca para receber a imortalidade. Bebeu com vontade e ofegou quando Angus puxou o pulso para cortá-lo mais uma vez.
— Sim, Rick. — Angus o persuadiu enquanto Broderick fechava a boca ao redor do corte, tomando goles grandes do líquido vital.
Seu corpo voltou a recuperar a força, uma sensação calmante moveu-se por suas veias, o sangue alcançava seus membros, a garganta formigou. Angus puxou a mão. Embora Broderick ainda não conseguisse fazer seu corpo responder aos próprios desejos, ele ficou maravilhado com os sentidos aguçados. A respiração dos guardas Vamsirianos do outro lado da sala vibrou contra seus ouvidos. O aroma delicado de verbena, de Cordelia, tocou seu nariz como quando ele se alimentou dela. As veias na mesa de mármore preto pareciam brilhar, as fraturas do tamanho de um fio de cabelo eram visíveis com sua nova visão.
Angus se virou para Rasheed, enxugando a boca com um lenço.
— Por que não pude ler a mente dele? Por que não pude colher todas as memórias?
Cordelia sorriu e cerrou os punhos ao lado do corpo, alegria iluminando seus olhos.
— Porque meu sangue governa o corpo dele. Você não pode colher memórias que pertencem a outro Vamsiriano, Angus. Queria ganhar tal vantagem sobre Broderick, saber tudo sobre ele, mas não conseguiu porque ele foi meu Escravo de Sangue.
Ela parecia feliz ao fazer uma revelação tão particular. Broderick estremeceu e convulsionou no chão, enquanto os dois enormes Vamsirianos interrompiam o momento de alegria de Cordelia. Flanqueando-a, eles agarraram seus braços e a escoltaram para fora da sala:
— Meu senhor — ela protestou e se soltou das mãos que a agarravam pelos pulsos. — Meu senhor, por favor!
As objeções de Cordelia desapareceram por trás da porta fechada, deixando a sala em um silêncio pesado, e Broderick ponderou o envolvimento de Cordelia nesta farsa. Ela sabia que Angus faria a transformação, embora não soubesse dos resultados. Por que essa informação causou tanta euforia nela?
Rasheed contemplou Broderick deitado no chão de pedra com os olhos semicerrados. Após um longo momento, os Anciões saíram da sala pela mesma porta em que Cordelia desaparecera, nenhum deles proferiu uma única palavra. Angus estava de pé acima do corpo de Broderick, tremia de revolta devido ao sangue Vamsiriano que purgava o que restava de sua humanidade. O cheiro de seu inimigo, um distinto toque almiscarado, flutuou ao redor de Broderick, e ele guardou o aroma na memória.
— Irmãos por toda a eternidade agora, para sempre unidos por sangue. — ajoelhando-se ao lado de Broderick, Angus sussurrou: — Vou lhe dar esta vantagem, Rick, tempo para conhecer o que se tornou. Use-a com sabedoria. Assim que souber o que precisa, vou caçá-lo.
Levantando-se, Angus assentiu e se encaminhou para a saída.
— Não se eu encontrar você primeiro. — Broderick sorriu com vontade enquanto estremecia e olhava carrancudo para Angus, que marchava para fora do Salão Principal.
Stewart Glen, Escócia — Final do outono, 1505 — Dezenove anos depois
Os olhos de Davina Stewart dançaram de alegria ao vislumbrar as barracas e caravanas coloridas do acampamento cigano. Tantos cheiros exóticos passeavam por seus sentidos, a boca se enchia d'água em um momento, e ela deu um suspiro de prazer no seguinte. Entre as tochas e fogueiras bruxuleantes, acrobatas se contorciam, malabaristas lançavam bastonetes flamejantes para o alto, e mercadores agitavam seus produtos, trazidos de todo o mundo, para os transeuntes. O pai de Davina, Parlan, e o irmão dela, Kehr, pediram licença e se dirigiram aos cavalos que os ciganos expuseram à venda.
— Davina. — sua mãe, Lilias, pressionou a mão no braço de Davina e gesticulou na direção de uma tenda ao longe. — Myrna e eu estaremos naquela barraca. Pretendo comprar um presente para o seu pai antes que ele e seu irmão voltem. Fique perto de Rosselyn e não se distancie.
— Sim, senhora. — observando a mãe e Myrna darem os braços e se afastarem, Davina apertou a mandíbula para conter a empolgação.
Rosselyn estava com a boca aberta.
Davina pigarreou.
— Se quiser ficar aqui encarando nossas mães, então vai ficar sozinha. Eu, por exemplo, não vou perder esta rara oportunidade de explorar minha liberdade. — Davina se virou e correu na direção oposta para colocar alguma distância entre ela e a mãe.
Rosselyn correu para alcançá-la e deu o braço a Davina.
— Como sua criada e guardiã nomeada, preciso lembrá-la que sua mãe avisou para não se distanciar?
— Acredita que ela nos deixou explorar? — Davina estava maravilhada, e as risadas jorraram por entre as mãos apesar de suas tentativas de cobrir a boca.
— Não explora o suficiente quando visita seu irmão na corte? — Rosselyn colocou um cacho castanho desgarrado sob a touca.
— Bah! — Davina zombou, imitando a exclamação favorita de seu irmão. — A corte é um lugar horrível para se estar, sei bem. As mulheres se caluniam, fingem serem amigas, e toda a conversa gira em torno de saias levantadas e encontros secretos com rapazes bonitos no jardim. — Calor subiu ao rosto de Davina ante a fala ousada.
Rosselyn deu uma risadinha.
— Davina Stewart, você está corando! E deve mesmo! Sua mãe iria açoitá-la se a ouvisse falando dessa maneira.
— Na corte, Ma me mantém por perto, então não, também não exploro muito lá. Vou deleitar-me com a minha liberdade esta noite! — Davina riu, mas a alegria desapareceu ao perceber a impressão que sua fala deixava. — Ora, não me entenda mal. Eu adoro a mamãe, mas…
— Sim, ela quase nunca permite que fique fora do alcance dela, muito menos de vista.
Rosselyn era dois anos mais velha que os treze de Davina e crescera em sua casa. Foi natural que ela assumisse o papel de criada de Davina, já que a mãe da menina, Myrna, era a criada de Lilias. Embora Rosselyn cumprisse bem as tarefas de sua posição, Davina amava a garota mais velha como uma irmã.
Pegando emprestada a ideia da mãe, Davina arrastou Rosselyn para examinar as mercadorias das tendas, procurando comprar presentes para sua família. Uma adaga de bota com um delineado fino chamou sua atenção. O Cigano puxou a pequena lâmina da bainha.
— Uma lâmina esplêndida para uma senhora como você. — ele se esforçou.
— Ora, não é para mim, mas para meu irmão. — Davina rebateu.
— Sim, uma bela arma para guardar na bota! Vê os desenhos incrustados de prata na lâmina?
— É mesmo prata? — Davina ergueu a adaga e estudou os desenhos celtas que desciam pela lâmina estreita.
— Pois claro! Uma obra de arte! — quando ele disse o preço, ela estremeceu. — Prata de verdade, eu prometo.
Ela devolveu a lâmina, mas o ourives não a aceitou. Ele olhou ao redor e então sussurrou, em um tom conspiratório, um preço mais baixo. Não muito mais baixo, mas o suficiente. Davina entregou a moeda.
Rosselyn puxou a manga de Davina.
— Olha… — ela disse apontando para uma mulher idosa. A cigana exibia uma longa trança prateada e um lenço escarlate cobria a cabeça.
A mulher acenou para elas.
Ela se sentava ao lado de uma barraca de lona pintada com uma cena impressionante de uma mulher de cabelos louros sentada atrás de uma mesa exibindo uma série de objetos. Estrelas, luas e outros símbolos estranhos que Davina não reconheceu flutuavam em torno dos cabelos loiros em cascata da mulher.
— O que será que ela vende? — Davina sussurrou com admiração.
Rosselyn olhou para o círculo de tendas e carroças na direção de suas mães. Lilias e Myrna estavam diante de uma série de fitas penduradas nos braços de um homem. Agarrando a mão de Davina, um largo sorriso se espalhou nos lábios finos de Rosselyn e um brilho de travessura tocou seus olhos castanhos.
— Venha!
Davina se atrapalhou para acompanhar Rosselyn que puxava sua mão, as duas correram até pararem, sem fôlego, diante da cigana.
— Ansiosa para ver sua sorte, pelo que vejo. — disse a cigana com um adorável sotaque francês, e acenou com a mão enrugada em direção à aba da tenda. — Apenas uma de cada vez, s'il vousplaît.
— Vá primeiro, Roz. — encorajou Davina.
Rosselyn deu um passo em direção à abertura da tenda e então parou. Voltando-se, ela olhou de relance entre Davina e a Cigana.
— Ela não deve ir a lugar nenhum. — desviando os olhos de volta para Davina, ela apontou um dedo repreendendo. — Não saia daqui, entendeu? Sua mãe exibiria minha cabeça em uma lança caso você vague por aí sem mim.
A mulher agarrou a mão de Davina e a massageou devagar com suas mãos quentes.
— Não tenha medo, mademoiselle, vou protegê-la com minha vida enquanto tomamos um chá. — conduzindo Davina a um banquinho ao lado do fogo, Rosselyn pareceu contente com o arranjo e correu para a tenda, ansiosa por sua sessão. — Gosta de chá, oui? — a mulher olhou para a palma da mão de Davina. — Eu sou Amice.
— Meu nome é Davina. — ela respondeu em francês.
Como era costume nas cortes escocesas, Davina havia estudado francês, mesmo que a ligação de sua família com a corte fosse distante:
— E sim, eu ficaria muito feliz com uma xícara de chá. — um largo sorriso se espalhou pela boca de Amice enquanto Davina falava a língua nativa da idosa. Davina observou-a enquanto a cigana estudava sua mão, apertando os olhos para as linhas. — O que vê?
Amice encolheu os ombros, esfregou o centro da palma da mão de Davina e sorriu para ela. Olhos jovens fitaram Davina em meio às rugas do tempo em seu rosto.
— Meus olhos estão velhos e não vejo nada. Sua palma será lida, sim?
— Lida? — Davina franziu as sobrancelhas. — É possível ler a palma da mão como se lê um livro?
Amice acenou com a mão em desdém.

— De certo modo, sim.
Ela pediu a Davina, com gentileza, que se sentasse e, antes de sentar-se em seu banquinho, entregou a Davina dois copos de barro. Davina colocou o presente do irmão no colo para liberar as mãos. Amice estendeu a mão para trás e pegou uma pequena cesta. Polvilhando algumas folhas de chá nas xícaras, ela colocou a cesta de lado. Do toco cortado entre elas, que servia de mesa improvisada, Amice pegou um pano pesado para agarrar uma chaleira que estava sobre o fogo. Ela sorriu e despejou água quente nas duas xícaras de chá, enchendo uma apenas pela metade, que pegou para si, e deixando a cheia para Davina. O frio do ar noturno formigou nas bochechas de Davina, e ela segurou a xícara aquecida entre as mãos, soprando o líquido âmbar.
Um rangido soou atrás, e ela se virou para ver uma jovem com cabelos dourados e emaranhados espiando pela porta da carroça cigana. A garota parecia apenas alguns anos mais nova do que os treze de Davina. Davina sorriu e deu um aceno tímido. A garota franziu a testa, mostrou a língua e voltou para dentro. Boquiaberta com o comportamento rude da menina, Davina se virou e fez uma careta para o chá.
Mais da metade de sua xícara já havia sido tomada quando ela notou que Amice não tomara nada ainda, e recolocara a xícara no toco. Antes que Davina pudesse perguntar, Rosselyn saiu da tenda, esfregando a palma da mão e sorrindo.
— Fascinante, milady!
— Minha nossa! Foi rápido! — Davina lançou um olhar de pesar para Amice.
Amice acenou para Rosselyn.
— Venha, preparei uma xícara de chá para você. — inclinando-se, ela pegou a chaleira e encheu a xícara no toco. Com as folhas já maceradas, a água tornou-se uma xícara de chá bem quente.
Que inteligente! Davina pensou.
Enquanto Rosselyn e Amice se apresentavam, Davina deu um último gole no chá, com cuidado para não engolir as folhas soltas, e entregou a xícara a Amice para entrar na tenda. O aroma pungente de incenso flutuou pelo ar, e ela suspirou pelo aroma exótico. A iluminação fraca criara uma atmosfera relaxante. A luz externa lançada pelo fogo formava sombras nas paredes de tecido, criando um ambiente de sonho. Uma mesa estava localizada na outra extremidade com uma banqueta posicionada diante dela. Lâmpadas a óleo em suportes de ferro iluminavam uma cesta em um canto da mesa, e detrás dela não estava sentada outra velha ou cigana enfeitada como Davina esperava, mas o maior homem que ela já havia visto. E tão lindo! Seu coração inexperiente bateu forte dentro de sua figura esganiçada quando o olhar penetrante dele encontrou o dela.
Este gigante fazia todo o ambiente parecer pequeno. Seu peito e braços pareciam dominar o tecido de linho da camisa dele. Uma pequena abertura no colarinho revelava uma massa de pelos ruivos cacheados, tão flamejantes quanto os fios em sua cabeça, impressionante à luz da lamparina. Rubor súbito aqueceu o rosto de Davina ante a mistura de emoções desconhecidas que a percorria com a simples visão dele, e ela estendeu a mão para a aba da tenda, pensando em fugir daquele homem encantador.
— Por favor, moça. — ele disse, a voz profunda e suave, como creme, ele se inclinou, apoiando um cotovelo na mesa e estendeu a outra na direção dela, a mesa rangeu em protesto. — Deixe-me ler sua palma.
Atraída pela voz sedosa e aqueles olhos semicerrados, Davina soltou a aba e sentou-se diante dele.
— Meu nome é Davina. — ela comentou, tentando adiar o contato.
— Uma honra conhecê-la, senhora. Meu nome é Broderick. — ele sorriu, e as entranhas de Davina derreteram como neve na primavera.
— Broderick… — ela sussurrou, saboreando o nome.
Limpando a garganta, ela reuniu suas forças, colocou o presente de Kehr na mesa e estendeu a mão.
— Não há nada a temer, moça. — ele a assegurou, e quando ele tocou sua mão, a ansiedade desapareceu.
Broderick fechou os olhos, deixando a cabeça cair um pouco para trás, o nariz aquilino sombreando uma bochecha cinzelada. Davina se inclinou em direção a ele, atraída por seus traços bonitos e a força que emanava de seu corpo. Ela não pôde deixar de compará-lo a seu irmão Kehr. Nenhum homem que ela já viu conseguia desbancar a visão que seu irmão representava: bonito, espirituoso, charmoso, engraçado, grande em estatura e caráter. No entanto, este gigante cigano era algo para se ver. Ele abriu um breve sorriso, e uma covinha atraente apareceu logo à esquerda de sua boca, induzindo-a a sorrir.
— Tem uma vida feliz, moça. Uma família cheia de amor e carinho. Um lugar especial em seu coração para… Kehr.
Davina arfou.
Como ele sabia o nome do irmão? Ela torceu os lábios.
— Rosselyn contou de meu irmão.
Ele abriu os olhos e sorriu.
— Bem, eu também vi o rapaz na vida dela, mas o que eu disse do seu irmão, aprendi com você. Não acredita em vidência?
Davina pigarreou.
— Não disse nada para me convencer de que é vidente, senhor.
Uma risada retumbou desde o centro do peito dele, e o coração dela bateu forte contra as costelas. As pálpebras fecharam em concentração.
— Mel. Tem uma paixão especial pelo mel. E seu irmão compartilha essa paixão com você. — ele abriu os olhos e balançou a cabeça. — Tsc, tsc, tsc… Ora, moça. Você e Kehr precisam ser mais cautelosos em seus ataques noturnos. Vocês dois se entregarão se comerem tanto de uma vez. Sugiro que reduzam os assaltos para evitar problemas.
Ele piscou.
O rosto de Davina ardeu de vergonha, mas logo deu lugar à admiração. Como ele poderia saber que ela e Kehr escapavam pelos corredores do castelo à noite para assaltar o suprimento de mel?
Broderick se inclinou para frente e sussurrou:
— Não tenha medo, moça. Seu segredo está seguro comigo.
Davina baixou a cabeça, escondendo o sorriso, e depois ficou hipnotizada enquanto o gigante voltava a mão dela para a luz da lamparina e estudava as linhas. Ela deslizou para frente quando uma ruga se formou na testa dele.
— O que vê, senhor?
Seus rostos estavam muito próximos enquanto a voz profunda a advertia.
— Não posso mentir para você, moça. Seria um desastre.
— Um desastre?
— Sim. — os olhos verde-esmeralda dele perfuraram os dela. — Tempos nada agradáveis estão para chegar. Mas não deve perder a fé. Possui muita força. Use essa força e segure com firmeza o que lhe é mais caro, pois é isso que a ajudará a atravessar os tempos difíceis que estão por vir.
— O que está para acontecer, senhor? — ela o pressionou.
— É desconhecido para mim. Não sei os detalhes. As linhas na palma da mão não revelam detalhes mais específicos, apenas dizem que há conflitos em seu futuro. Basta lembrar-se do que falei. Mantenha-se firme em sua força.
Ele levou os lábios à mão dela e beijou os nós dos dedos antes de soltar. Aturdida e boquiaberta, ela olhou para ele, sentia-se enraizada na banqueta. O canto da boca dele se curvou, revelando a covinha, e ela devolveu o sorriso, conseguia ouvir o bater do coração no próprio peito.
Broderick pigarreou e acenou com a cabeça em direção à cesta. Ela sorriu mais ainda, ainda o encarando, e ele acenou com a cabeça em direção à cesta mais uma vez. Retribuiu o aceno, olhou para a cesta e quase se engasgou ao perceber. Ele queria que ela o pagasse! Muito envergonhada por seu comportamento ridículo e deslumbrado, ela se atrapalhou para puxar alguns lingotes da bolsa em sua cintura e os colocou na cesta, correndo para fora da tenda sem olhar para trás.
Davina parou perto da entrada, recuperando o fôlego e desejando que seu rosto parasse de queimar. Engolindo em seco, ela se virou para a cigana.
— Obrigada por sentar-se com Rosselyn, Amice.
Colocando mais moedas na mão da mulher, Davina deu um sorriso inquieto enquanto Rosselyn entregava a xícara de chá vazia a Amice. Agarrando a mão de Rosselyn, Davina arrastou a criada para longe, tentando deixar o constrangimento de lado.
— Senhora, o que a incomoda? — Rosselyn parou Davina, agarrando-a pelos ombros e confrontando-a.
As palavras saíram da boca de Davina depressa enquanto ela agitava as mãos como um pássaro ferido.
— Ora, eu agi como uma paspalha! Fiquei sentada olhando para ele como uma corça. Ele era tão bonito, Rosselyn! Meu coração não para de bater no meu peito! O que me atormenta? — Davina abanou o rosto em uma tentativa fracassada de esfriar a queimação em seu rosto.
Rosselyn riu e abraçou Davina.
— Minha querida Davina, acredito que o cigano roubou seu coração!
Davina tapou a boca com as mãos.
— Pelos santos! Deixei o presente do meu irmão na mesa!
Aprumando-se na medida do possível, Rosselyn voltou para a tenda do vidente.
— Venha, então. Vamos voltar e buscá-lo.
Davina puxou a mão de Rosselyn com toda a força, puxando a amiga de volta.
— Não! Não posso voltar a encará-lo. Eu vou, com certeza, morrer de… de…
Rosselyn esfregou os ombros de Davina como se para confortá-la.
— Não se preocupe! Busco para você. Venha comigo e fique atrás da carroça para que ele não a veja.
Elas se arrastaram pelo canto e olharam o entorno da carroça do quiromante. Amice parecia estudar as xícaras de chá, inclinando-as para frente e para trás. Broderick saiu da tenda, e Davina agarrou Rosselyn, puxando-a de volta para fora de vista.
— O que está fazendo, Amice? — o som da voz dele, grossa, fez os joelhos de Davina cederem, e ela se atreveu a espiar ao redor da carroça com Rosselyn.
— Uma pequena leitura das folhas de chá. — disse ela em francês, mantendo os olhos fixos nas folhas.
Rosselyn se virou para Davina e deu de ombros, pois Rosselyn não falava francês. Davina indicou que contaria a ela mais tarde e trocou de lugar com Rosselyn para ouvir melhor a conversa.
— Das duas jovens? — ele perguntou.
— Sim. — Amice sorriu. — O coração dela é seu e para sempre, meu filho.
O gigante ergueu a sobrancelha com curiosidade.
— De quem?
— Da doce Davina. — disse Amice, agitando uma das xícaras no ar enquanto olhava para a outra.
Davina quase desmaiou com as batidas rápidas de seu coração.
— Bobagem, a menina não vai se lembrar de mim quando estiver em idade de arrumar marido. — ele riu. — No entanto, a clara admiração dela, por mim, foi muito lisonjeira. Ela é bonita agora, mas será ela quem vai roubar corações quando chegar à idade adulta.
Ele me acha bonita! Ele me acha bonita!
Davina gastou toda sua energia para não saltitar como uma pulga. Ela mordeu o dedo indicador para silenciar uma risadinha inebriante.
— Ela é que vai roubar seu coração, meu filho. — Amice entregou a xícara, e Davina abriu a boca com admiração.
Ele olhou para dentro da xícara, franziu a testa e a devolveu a Amice. Dando de ombros, ele sorriu e entregou o embrulho com o presente de Kehr.
— Bem, já que ela vai voltar e ser meu verdadeiro amor, dê isso a ela. — Amice por fim parou de olhar o fundo da xícara e se atentou ao pacote. — Ela saiu com tanta pressa que deixou esse fardel na tenda. — Balançando a cabeça, ele se virou e voltou para a tenda. Amice continuou sorrindo, lendo as folhas de chá.
Davina agarrou-se à lateral da carroça, a boca ainda aberta.
Vendo Broderick desaparecer, Rosselyn deu um passo à frente, pediu desculpas rápidas e recuperou a adaga, conduzindo Davina para longe da carroça, ela só falou quando notou estarem fora do alcance de ouvidos alheios.
— O que eles disseram? Você parecia prestes a desmaiar!
Davina cambaleou para a frente como se estivesse em transe, a boca aberta e o corpo dormente. O mais leve sorriso apareceu em seus lábios.
Capítulo Dois
Stewart Glen, Escócia — Verão de 1513 — Oito anos depois

— Imploro que perdoe meu filho, Parlan.
Davina Stewart-Russell parou ao som da voz do sogro e ficou perto da porta que estava prestes a atravessar, da sala de estar da casa de sua infância. O rápido olhar que lançou no cômodo, antes que recuasse para se esconder, proporcionou o momento que ela precisava para ver a cena. Seu pai, Parlan, estava diante da lareira de pedra construída com as rochas irregulares da região, os braços cruzados e as costas para a sala. Munro, o sogro, estava ao lado direito da lareira, as mãos cruzadas e apoiadas no punho da espada, falava com o pai dela. Seu marido, Ian, estava mais para trás, entre os dois homens, a cabeça baixa e os ombros curvados em uma posição nada característica de submissão. Todos estavam de costas para Davina, então não a viram se aproximando nem a retirada apressada. Ainda detrás da porta, protegida pela madeira entreaberta, ela espiou por entre as dobradiças.
Munro continuava sua petição em nome do filho, falava como se Ian não estivesse presente.
— Como discutimos por um longo tempo, o montante de responsabilidade não é bom para Ian. Agradeço sua paciência e disposição de trabalhar comigo para ele se estabelecer no papel de marido e pai.
— Não farei esforços para apresentá-lo a nenhum contato real até que Ian mostre sinais de amadurecimento. — Parlan se virou para Munro e cruzou os braços, uma posição que Davina conhecia tão bem e mostrava a solidez quanto ao assunto. — E você faria bem em fechar os cofres para ele. Como sabe, ele já gastou todo o dote de Davina.
— Sim, Parlan. Eu…
— Pai, por favor! — Ian protestou.
— Segure essa língua, rapaz, ou eu a cortarei! — Munro olhou para Ian até que a cabeça do mais jovem se curvasse.
O coração disparado de Davina a deixou sem fôlego pelo medo de ser descoberta e devido a rara demonstração de tamanha subserviência do marido. Davina quase desmaiou com a mistura de empolgação e apreensão que a invadiu. Quantas vezes o marido a fez se sentir da mesma maneira? Quantas vezes ele a silenciou com uma mão pesada? Ver Ian sujeito a outra autoridade a fez querer pular de alegria. No entanto, seus membros tremiam ante a ideia de Ian descobri-la testemunhando este momento e vangloriar-se, em privado, ao discipliná-la. Ela lutou para permanecer em uma audiência silenciosa.
A testa de Parlan se enrugou, pensativa, enquanto estudava Ian e Munro. Quando Munro pareceu satisfeito com o silêncio do filho, ele voltou-se para Parlan.
— Temo que você esteja certo, Parlan. Eu esperava que ele restringisse os próprios gastos e gostaria de poder dizer para onde o dinheiro está indo… — ele olhou para o filho. — Contudo, concordo com o curso de ação sugerido.
— Pai, eu tentei! — Ian contestou. — Não provei ser um marido melhor?
Munro deu um passo à frente e deu um tapa no rapaz, fazendo com que a cabeça de Ian tombasse para o lado, espirrando sangue no chão de pedra. Uma medida de culpa pulsou na consciência de Davina por gostar da situação do marido. Ao mesmo tempo, ela ponderou o significado por trás de “um marido melhor”. Em verdade, Ian tornara-se ainda mais brutal nos últimos quatro anos e pouco. Ele acreditava que disciplinar a esposa com mais severidade era o que o tornava um bom marido? Munro ergueu o punho, e Ian se preparou para outro golpe.
— Chega! — Parlan gritou. — Agora posso ver onde seu filho aprendeu técnicas de disciplina.
Munro se ergueu, esticando o peito em desafio.
— Disciplina severa é a única maneira de ele entender, Parlan. Confie em mim.
— Talvez, pois não conheço seu filho o suficiente, mas conheço Davina, e essa forma de punição não é necessária com ela. Embora possa ser bastante dramática, ela é uma mulher razoável e uma conversa basta. Sei que um homem tem o direito de fazer o que quiser com a esposa, e algumas mulheres precisam ser disciplinadas com um elemento de força, mas minha filha não.
Davina lutou para continuar a enxergar através das lágrimas que inundavam seus olhos ante a defesa do pai. Ela não sabia que seu pai sabia. O orgulho e um alívio maior em seu peito decerto a fariam explodir!
— Firmamos esse contrato de casamento para benefícios mútuos. — continuou Parlan. — Como sou primo de segundo grau do Rei James, você conseguiu conexões valiosas. Os Russell têm riqueza para investimentos e oportunidades de negócios para mim e meu filho, Kehr. — ele deu um passo em direção a Munro, ameaça em seus olhos e a voz quase em um sussurro, e Davina se esforçou para ouvi-lo. — No entanto, não aceitei brutalidade com a minha filha como parte da troca.
Munro voltou a olhar para o filho.
— Mais uma vez, Parlan, devo implorar que perdoe meu filho. — ele se virou para o pai dela, mais arrependido. — E imploro que me perdoe por tudo o que eu possa ter feito para contribuir para o zelo excessivo de meu filho como marido.
Um arrepio percorreu Davina.
Embora Munro possa ter soado sincero, e a expressão de aceitação no rosto de seu pai indicava que ele acreditava no homem, o mesmo tom de humildade fingida vinha de Ian com frequência. No entanto, essa humildade sempre se provou ser um baile de máscaras elaborado. Até mesmo as palavras indicavam que ele não se considerava culpado de nada: “O que quer eutenha feito…” Nos quatorze meses que Davina e Ian estiveram casados, ela notou esses sinais velados destinados a atrair simpatia e rendição, mas que, na verdade, indicavam a verdade por trás da fachada.
Munro voltou os olhos penetrantes para Ian enquanto falava.
— Para mostrar meus esforços em consertar a situação, Parlan, eu farei como sugere e fecharei meus cofres para meu filho.
Um sabor sutil de satisfação presunçosa tocou as feições de Munro enquanto ele mantinha esta posição de poder quanto ao filho. Davina reconheceu com facilidade o corpo de Ian tremendo de raiva oculta, os punhos cerrados atrás das costas. Um terror agourento fluiu através dela, como a água gelada de uma corrente de inverno levando-a para baixo em sua escuridão tenebrosa. Ela com certeza seria o alvo da frustração dele, assim que estivessem sozinhos e voltassem para mansão fria somente deles.
Mantenha essa imagem de força, Davina entoou para si, como já fizera inúmeras vezes antes, sendo a voz e o rosto de Broderick essa força. Sempre que a tristeza ou o desespero ameaçavam consumi-la e deixá-la louca, ela se concentrava naqueles cabelos ruivos e flamejantes, em seu peito largo e nos braços fortes, envolvendo-a em um casulo de segurança, os lábios cheios pressionando um beijo reconfortante na testa dela. Broderick nunca a trataria como Ian, e ela encontrou refúgio na fantasia de ser a esposa do cigano. Naquele mundo, naquele reino de fantasia, Ian não poderia tocá-la, quebrar seu espírito, nem destruir seu orgulho.
Girando nos calcanhares, Munro encarou Parlan mais uma vez e deu um breve aceno de cabeça que chamou a atenção de Davina.
— Um conselho muito sábio, de fato, e estou envergonhado de não ter pensado nisso.
— Responsabilidade envolve mais do que a gestão das finanças, Ian. — Parlan estava diante do genro, olhando carrancudo para o topo da cabeça baixa do rapaz. — Davina é de bom coração, tem uma alma amorosa…
— Mais um motivo para eu estar muito feliz com a união. — interrompeu Munro, ficando ao lado de Ian. — Ela é a doce mão que vai acalmar a besta que vive dentro de meu filho. Tenho certeza de que você viu sabedoria nisso, por isso concordou com a união. Davina terá sucesso em tornar meu filho um marido e pai amoroso.
O rosto de Parlan ficou sombrio, e se aproximou dos dois homens. Estudando-os, seus olhos pousaram em Ian, que encontrou seu olhar.
— É difícil se tornar pai, Ian, quando se espanca aquela que vai carregar seus filhos.
Davina usou a manga do vestido para segurar as lágrimas de alegria. A solidão havia sido sua única companhia sob as mãos brutais do marido, e o filho que ela perdeu foi uma dor mais triste do que ela poderia suportar. Ela não fazia ideia de que o pai sabia do que ela sofrera. Ian a ameaçava repetidas vezes, dizendo que só cumpria o dever de um marido disciplinando uma esposa indisciplinada, que se ela dissesse algo a alguém acerca da constante correção merecida, ela se arrependeria. Depois que lutar contra ele provou trazer mais de seu lado dominante à tona, ela começou a acreditar ser a culpada, e que sim, ela mesma atraía a ira dele para cima dela. Afinal, muitas de suas primas falaram sobre a disciplina que todas as mulheres devem suportar nas mãos dos maridos, até mesmo os métodos cruéis que alguns escolhiam para levá-las para a cama. Por que sua situação deveria ser diferente?
Os humores inconsistentes de Ian a deixavam cautelosa o tempo todo. Em um momento ele demonstrava atenção amorosa, sussurrava promessas; e, no seguinte, a culpava por qualquer razão que o fizesse perder o bom humor. A mente dela girava com a torrente de várias acusações e razões para as mudanças de humor dele. Às vezes, Davina mal conseguia distinguir altos e baixos, e todas as racionalizações eram insuficientes para o caos de suas circunstâncias. Ao ver seu pai vir em sua defesa e saber que ele enxergava a verdade, ela agarrou-se à parede para firmar as pernas, dobrando-se de puro alívio.
Ela não estava louca! Não era culpada!
— Segure seu dinheiro, então, Munro, até que Ian possa provar ser mais gentil com Davina, ela voltará para minha casa, e aqui o cortejo recomeçará.
Ian virou a cabeça na direção do pai, e Munro deixou a boca se abrir.
— Agora, Parlan, creio que está indo longe demais. Não há necessidade de incomodar Davina a ponto de trazê-la de volta para cá, para suportar a instabilidade de uma vida doméstica inconstante.
— Uma vida doméstica segura e amorosa é melhor do que as duras penas que ela suportou sob seu teto. Vou providenciar para que os pertences dela sejam trazidos de volta agora mesmo. — Parlan estreitou os olhos na direção de Ian. — Se quer ter acesso à coroa, rapaz, é melhor provar ser um marido amoroso, digno dos meus futuros netos.
Davina lutou para acalmar as batidas fortes de seu coração que agora estava em total descompasso. Ela voltaria para casa!
— Parlan. — Munro colocou uma mão reconfortante no ombro do pai dela. — Posso garantir que Davina estará segura sob meu teto. Agora que estou ciente da situação…
— Os maus tratos estavam ocorrendo sob o seu nariz, e você não foi capaz de enxergar! — Parlan rugiu.
Munro baixou a cabeça, recuando e assentindo.
— Está certo, Parlan. Não posso expressar o pesar de minha ignorância pela dor que causei a sua preciosa filha. Hoje vejo Davina como a filha que sempre quis, e lamento que minha esposa não tenha vivido para conhecê-la. — Munro se virou e iniciou uma passada acelerada, um vai-e-vem, as mãos atrás das costas, uma visão de arrependimento. — Creio que se Ian tivesse a influência amorosa de minha esposa, ele poderia ter aprendido a ser um marido mais gentil. Temo que minha atenção a questões de propriedade e riquezas tenha me dado pouco tempo com ele, então falhei em meu dever de ensinar certas coisas. — voltando os olhos tristes para Parlan, Munro defendeu seu caso. — Entendo sua decisão, e se deseja mantê-la, não lutarei com você. No entanto, imploro que me dê a chance de consertar isso. Meus olhos estão abertos, e eu serei o protetor de Davina. Vou manter Ian sob controle.
Davina esperou, a respiração presa no peito, enquanto ousava ter esperanças na segurança que seu pai oferecia. Os momentos se prolongaram por uma infinidade de tempo enquanto ela observava Parlan considerar as palavras de Munro.
Com um suspiro profundo, ele assentiu.
— Concederei.
Davina abriu a boca, e seu coração mergulhou para as profundezas de seu âmago.
— Com uma condição: todos ficarão aqui, como nossos hóspedes, por quinze dias ou mais. Desejo passar um tempo com minha filha, e que ela tenha uma chance de alívio. Assim como um período de observação para seu filho. — Parlan apontou um dedo para o rosto de Munro e rosnou: — Entretanto, se eu vir o menor sinal de tristeza nos olhos da minha filha, qualquer indício de marcas em seu corpo, se eu não vir seu comportamento mudar para o de uma mulher contente e feliz em pouco tempo, eu anularei este casamento, não importa o escândalo ou o prejuízo que tal ação me traga.
Munro apertou a mandíbula, e seus olhos ficaram frios.
— Sim, tenho certeza de que escândalo é algo com que está bem-acostumado a lidar, considerando seu histórico.
O rosto de Parlan ficou vermelho.
— Mesmo desconsiderando de onde venho — ele rangeu os dentes. —, ainda sou aquele que tem conexões com a coroa, e não apenas através do meu nascimento ilegítimo. Ser primo e ter crescido lado a lado daquele que está hoje no trono tem seus privilégios.
Os dois homens se encararam em uma competição silenciosa, mas um largo sorriso por fim apareceu no rosto de Munro.
— Não se preocupe, meu amigo! Não ficará desapontado. Ian será um genro modelo e teremos muitos netos dos quais nos orgulhar!
Os tapas vigorosos de Munro nas costas de Parlan não fizeram nada para apagar a linha determinada da boca de Parlan, mas ele ainda assentiu.
Davina engoliu em seco as novas lágrimas de consternação que ameaçavam delatá-la. Afastando-se da porta, ela caminhou em silêncio pelo corredor, para longe desta reunião de homens, esta dominação masculina que gerava um destino cheio de condenação para a vida dela. Enquanto cambaleava pela cozinha, ia até o pátio vazio e passava atrás dos estábulos, seu coração afundou ainda mais com a ideia da proteção de Munro na qual ela não tinha fé. Ela nunca disse uma palavra ao pai, e Parlan sabia que Ian a estava maltratando pelas poucas visitas que os pais haviam feito, ou nas breves visitas deles à casa do pai. Como Munro pôde ficar ali, fingindo ignorar o que acontecia sob seu próprio teto? Ela afundou em uma pequena pilha de palha atrás de alguns barris para coleta da chuva, puxou os joelhos contra o peito e enterrou o rosto nos braços, deixou as lágrimas rolarem.
Nenhuma vez durante esse horror e farsa de casamento ela confidenciou ao irmão Kehr. Mesmo agora, ela não podia ir até ele, já que ele estava em Edimburgo, a pelo menos três dias de viagem da casa deles em Stewart Glen. Por que ela nunca compartilhou nenhuma de suas angústias em relação a Ian com o irmão? Ela não conseguia raciocinar neste momento. Compartilhava tudo com ele, incluindo as fantasias de ser a esposa do cigano vidente. Não os detalhes íntimos, é claro, mas a ideia de ele voltar e declarar seu amor por ela. Ela sentia-se grata porque o irmão aceitava os devaneios dela, embora a provocasse de vez em quando. Kehr sempre a apoiou, mas a alertou para não ficar muito presa aos sonhos. Afinal, era uma fantasia.
Respirando fundo, ela acalmou o coração que batia forte e apertou as mãos, buscando suas fantasias para aliviar a preocupação. Que impressão ele causara nela, o gigante vidente cigano. Ela havia aproveitado muitas viagens ao acampamento cigano durante a última estada deles aqui, conversou com Amice, tomaram chá perto do fogo. Quase sem olhar para Davina, Broderick ia e vinha, contando o futuro e cuidando de seus negócios. Muito tímida para se dirigir a ele de maneira direta, Davina aproveitava cada oportunidade que o via, a paixão crescendo. E quando ele se dirigia a ela, ela não conseguiu formar mais do que duas palavras sem uma onda de risos. Contudo, memorizou cada traço do rosto de Broderick: a curva de seu nariz aquilino, o ângulo bonito das maçãs do rosto, a linha definida da mandíbula quadrada. Na tenra idade de treze anos, a inocência e a inexperiência temperaram seus devaneios com passeios pelas florestas enluaradas e beijos roubados. Conforme ela crescia, essas fantasias amadureceram e queimavam com abraços cheios de paixão. Amice disse que eles voltariam. Nos oito anos desde que ela o conheceu, cada caravana de ciganos que viajava pela pequena vila de Stewart Glen colocava seu coração em chamas, que logo se apagavam pela decepção por ele não estar entre eles. Quando seu pai firmou o contrato de casamento com Munro, dando a mão dela a Ian, ela se forçou a abandonar os sonhos, e chegou à conclusão realista que precisava deixar os caprichos de lado, como seu irmão encorajou.
A realidade sombria da união com Ian, entretanto, ressuscitou tais fantasias, e ela se agarrava como se pudessem salvar sua vida.
Gatinhos miaram em algum lugar nos estábulos, gritinhos indefesos chamando a atenção dela e fazendo curvar os lábios em simpatia. Ela suspirou. Pelo menos seu coração parou de retumbar acelerado, e as mãos estavam firmes mais uma vez.
Apoiando a cabeça contra a estrutura de madeira dos estábulos, ela olhou para as pedras da parede do perímetro do outro lado… pedras que seu pai colocara com suas próprias mãos. Ela sorriu ao se lembrar da tentativa dele de projetar a abertura secreta localizada no lado norte da parede do perímetro, na parte de trás do terreno, à sua esquerda. Ele reclamou como os mecanismos eram imperfeitos. Kehr e Davina adoravam usar a passagem secreta para se divertir ao longo dos anos, embora com a severa advertência do pai para não revelar o local exato. Mesmo que a casa não tenha sido projetada para ser uma fortaleza formidável contra um exército, os muros os mantinham seguros por levar todo o tráfego para os portões da frente. Parlan sempre se preocupou com a família, como um pai responsável deve fazer.
Ela se assustou com um barulho do outro lado da parede que se encostava e levou a mão ao peito, forçando a respiração a desacelerar. Sem mover um músculo ou ousar respirar, ela esperou por qualquer outro som para revelar o que aconteceu. O sangue sumiu de seu rosto quando os resmungos de Ian chegaram aos ouvidos dela. Protestos profundos e nervosos ecoaram dos cavalos nos estábulos enquanto Ian chutava o que parecia ser baldes ou bancos.
— Megera! É tudo culpa dela! — o tilintar de fivelas e arreios soou em meio à comoção. — Fique quieto, seu animal estúpido!
Davina se agachou ainda mais no chão e espiou pelas fendas nas venezianas da abertura acima dela. Ian se atrapalhava para selar seu cavalo. Ela estremeceu a cada puxão e empurrão que o cavalo suportava do mestre, até que o cavalariço Fife pigarreou ao se aproximar da baia.
— Posso ajudar, Mestre Ian?
Ian recuou ao ouvir a voz de Fife e respirou fundo para se acalmar, afastando-se do cavalo.
— Sim, Fife, eu agradeceria.
O coração de Davina se contraiu ao ver o belo sorriso de Ian e o ar encantador. Ele agira assim com ela, durante o namoro, mas agora mostrava esse lado de sua personalidade a todos, menos a ela. As pessoas não suspeitavam do homem cruel por trás de um exterior atraente.
— Algo o incomoda, Mestre Ian? — Fife esfregou o nariz grande e redondo, semicerrando os olhos marcados pela idade enquanto dava tapinhas no pescoço do cavalo e contornava o outro lado para prender as tiras de couro.
— Oras, só um pequeno desentendimento com meu pai. Nada grave. — Ian sorriu e balançou a cabeça. — Será que em algum momento deixamos de ter desentendimentos com os nossos pais, eu me pergunto?
Fife riu e balançou a cabeça, baixando a guarda.
— É uma batalha sem fim que devemos suportar a vida toda, rapaz. Uma vida inteira. — ambos compartilharam uma risada ante tal sabedoria. Fife passou as rédeas para Ian. — Pegue leve com ela, Mestre Ian. Corra um pouco para aliviar a tensão dela, e volte na hora do jantar.
Ian balançou a cabeça com bom humor e subiu na sela de maneira elegante.
— Sinto que tenho mais de um pai por aqui com a maneira como você e Parlan me amam.
— Só estou cuidando de você, Mestre Ian. — Fife acenou enquanto observava Ian virar o cavalo e se dirigir ao portão da frente. — Bom rapaz. — ele sussurrou enquanto arrumava os estábulos.
Davina mordeu o lábio inferior em frustração. Ela era a única que via a crueldade de Ian? Cerrando os punhos, ela saiu de trás dos estábulos e voltou para o castelo, Fife lançou um olhar perplexo quando ela fechou a porta. Não, ela não era a única. O pai dela tinha olhos atentos, e ela estava certa de que ele conhecia a extensão da brutalidade de Ian.
Ela voltou direto para a sala de estar, mas a encontrou vazia, o fogo ainda queimando na lareira. Girando nos calcanhares, ela quase trombou com a mãe.
— Ora! Davina, você me deu um susto! — Lilias levou a mão ao peito e prendeu a respiração. — Seu pai me mandou buscar você.
— Estava procurando por ele agora mesmo.
Pegando a filha pela mão, Lilias conduziu Davina pelo andar térreo da casa até o primeiro andar, que comportava os cômodos privados. A cada pedra que passavam no caminho para o quarto dos pais lembrava Davina do orgulho que sentia pelos esforços do pai e da confiança em sua sabedoria para ouvir seus apelos.
Quando a mãe abriu a porta do quarto deles, Lilias conduziu Davina, fechou a pesada porta atrás delas e sentou-se no sofá perto da lareira, assumindo um lugar tranquilo, mas de apoio ao lado do marido. Parlan estava de pé junto à lareira, de costas para a porta, da mesma forma que na sala de estar.
— Não tenho certeza do quanto você ouviu fora da sala, Davina, mas lamento que a conversa tenha lhe causado tanto sofrimento. — ele se virou para encará-la, as sobrancelhas franzidas de tristeza. — Não tenha medo, fui o único que testemunhou sua retirada chorosa. As últimas palavras foram um sussurro reconfortante.
Davina puxou o lábio trêmulo entre os dentes para controlá-lo e manter-se firme diante do pai.
— O senhor não me causou nada, pai. Sinto-me grata por saber que está ciente da minha situação. — a voz dela tremeu, mas ela limpou a garganta e manteve as lágrimas sob controle. — Eu estava a caminho da sala de estar, para buscar meu bordado quando meu sogro implorava perdão a você por meu marido.
As sobrancelhas de Parlan se ergueram, parecia surpreso por ela ter ouvido tanto. Ele assentiu.
— Então você sabe da punição de Ian por sua incapacidade de gerenciar suas responsabilidades.
Ela assentiu.
Depois de uma longa pausa, ele disse:
— Sei que dada a condição desse arranjo parece que estou mandando você de volta para a cova dos leões. — Parlan estudou o couro marrom macio de suas botas antes de voltar seu olhar para ela. — Ian não está nada feliz com o esvaziamento de seus bolsos, algo em que eu confio que Munro irá cumprir. É por isso que insisto que fiquem aqui sob meu teto, para que eu possa lhe dar uma parcela de segurança e garantia de que você estará protegida.
Davina soltou a torrente de tristeza.
— Pai, por favor, não me deixe suportar mais um momento desta união! Não podemos fazer como disse e dissolver este casamento?
Parlan apertou a mandíbula e voltou os olhos tristes para a esposa. Lilias agarrou a mão dele, parecendo dar-lhe apoio.
— Davina, os Russell oferecem imensas oportunidades de negócios, tanto para mim quanto para seu irmão, e não posso contar com meu primo Rei para sempre. Devemos fazer esforços para aumentar nosso patrimônio por conta própria. — concentrando-se mais uma vez em Davina, ele deu um passo na direção dela e envolveu as mãos dela com as dele. — Lamento que tenha sofrido mais do que qualquer mulher com a mão pesada de seu marido. Agora que não posso mais negar o tratamento que ele dispensou a você, espero que me perdoe por não a ter defendido antes. Vou tomar medidas para garantir que esteja protegida e, com sua ajuda, creio podermos fazer isso funcionar.
Davina fez um grande esforço para falar, apesar do nó que se formava na garganta.
— Ser a mão gentil que domará a besta. — ela sussurrou, repetindo as palavras do sogro.
Parlan assentiu.
— Está óbvio que Munro fez um péssimo trabalho em ensinar a Ian como ser um homem. A sua estada, e a deles, aqui será indefinida. Ian e Munro ficarão nos quartos de hóspedes acima, e você terá, mais uma vez, seu quarto só para você neste andar. Fiz pressão em Munro quanto a isso, e nós dois estaremos atentos ao comportamento de Ian nas próximas longas semanas. Munro aceitou, com humildade, minha orientação como pai e de Lilias como mãe, para colocar Ian no caminho certo. Apenas quando virmos melhorias, você poderá se aventurar a estar de volta à casa deles. Somente quando eu estiver certo de que você será querida e cuidada como a mulher preciosa que é, você terá permissão para ir com eles.
Embora aliviada com o fim das surras e dos compromissos sexuais cruéis, o mundo de Davina ainda desmoronava acima dela.
— Pai, você não conhece o verdadeiro Ian. Ele é um mestre em vestir uma máscara de charme para esconder o monstro que é. Ele…
— Davina, de jeito nenhum vou deixar que ele a machuque. Concordo que ele leva as responsabilidades longe demais ao exercer seu domínio como marido, mas ele não é um perigo para sua vida. Caso eu considerasse que sim, acabaria com este casamento agora. Nós iremos protegê-la. — Davina odiou perceber que a família acreditava que ela era dramática. Ele a beijou na testa e puxou-a para um abraço apertado. — Não vou deixar que ele a machuque. Deve fazer isso por sua família. Um dia, quando Ian aprender bem o papel e deveres de um marido, você aprenderá a perdoá-lo e amá-lo. Se não, ao menos terá consolo nos filhos que terão um dia.
Ela deixou suas lágrimas rolarem, molhando a túnica do pai e segurando-o com força enquanto se submetia às ordens dele. Ela seria o cordeiro sacrificial para a estabilidade do futuro de sua família.

* * * * *

O aço colidindo com o aço ecoou no ar, ricocheteando nas paredes e no teto alto do Salão Principal, que se misturava aos grunhidos, ofegos e gemidos de Kehr e Ian enquanto duelavam. Kehr defendeu o impulso de Ian, se virou e golpeou o lado aberto de Ian, provocando um grunhido dele. Com um sorriso no rosto, Ian empurrou Kehr para frente, e Kehr retribuiu o sorriso com seu próprio impulso. No entanto, Ian obteve um bloqueio efetivo ao usar o escudo.
— Bom! — Kehr encorajou.
— Obrigado! — Ian disse com outro golpe da espada, que Kehr se esquivou.
Davina sorriu para o irmão, animada com a presença dele. Por fim ele voltava para casa depois de uma longa estada em Edimburgo visitando a corte. Havia chegado tarde na noite anterior, e embora ela antecipasse a chegada dele e a oportunidade de passar um tempo juntos, a notícia da aparição do rei James a fez desanimar.
Toda a Escócia estava alvoroçada com a experiência do rei, e Kehr contara a história com uma grande encenação na sala. Com o fogo alto na lareira que lançava sombras sinistras pelo cômodo, a família se sentou em um círculo, concentrada na encenação dramática de Kehr.
— Curve-se perante o Rei da Escócia!, o conselheiro do rei berrou enquanto perseguia o homem que invadiu as câmaras de oração privadas do rei. — Kehr imitou o marechal, John Inglis, correndo atrás do intruso. — Entretanto, o rei levantou a mão e interrompeu seus conselheiros porque o homem parou antes de alcançar Sua Majestade.
Ondas de riso circularam pelo cômodo, e Davina colocou a mão na boca para abafar as próprias risadas.
— E vocês dizem que sou eu que tenho uma queda por drama! — ela provocou.
Kehr riu da interrupção, mas continuou.
— Basta, disse o rei, deixe-o falar, e depois que eles se encararam por um longo período de silêncio, o homem avançou… — Kehr imitou as ações do intruso, inclinando-se com o punho diante dele. — … e puxou Sua Majestade pela túnica, dizendo: SenhorRei, minha mãe me enviou a você, desejando que não vá aonde se propõe. — a testa de Kehr se franziu com a grave mensagem que o homem entregou ao rei. — Caso faça isso, não se sairá bem em sua jornada, nem ninguém que esteja com você.
Kehr caminhou em frente das pessoas sentadas ao redor da sala, olhando cada uma delas nos olhos. Davina balançou a cabeça ante a pausa que ele usou para causar efeito. Kehr centrou-se diante da audiência.
— E assim, do nada… — Kehr estalou os dedos. — O homem desapareceu como em um piscar de olhos! — a família arfou e murmurou entre si. Kehr encolheu os ombros. — E então o rei decidiu não declarar guerra à Inglaterra.
Davina se acalmou enquanto a respiração deixava o peito de uma só vez… enquanto todos os outros aplaudiam, torciam e celebravam a grande ocasião. Agarrando seu hidromel, Kehr acenou com a cabeça para Davina e ergueu a caneca. Ela retribuiu o aceno com um sorriso forçado. O irmão dela sentou-se em meio aos aplausos, e a família o parabenizou pelo desempenho e pela notícia maravilhosa.
Davina havia feito de tudo para parecer feliz, assim como agora, lutou para manter o sorriso como uma máscara, agarrada ao conhecimento de que, afinal, Kehr e seu pai não iriam para a guerra. Felizmente, falar de guerra sempre a mantinha longe da corte, lugar em que ela detestava estar. Além disso, ela queria Ian no campo de batalha… não seu irmão e pai.
— Aguente firme, Ian. — Kehr avisou e desencadeou um ataque de balanços, confrontos e avanços que fizeram Ian recuar por toda a extensão do cômodo. Sem prestar atenção aos próprios passos, Ian tropeçou e caiu para trás, mas logo recuperou o equilíbrio e se virou para evitar o ataque de Kehr.
— Fascinada pela empolgação, minha sobrinha?
O irmão de sua mãe, Tammus, parou ao lado de Davina.
Davina percebeu estar agarrada ao encosto de uma cadeira enquanto observava o irmão e o marido se engajando na batalha simulada, parte do treinamento de Ian. Ela só percebeu a dor em seus dedos ao soltar a madeira dura. Olhou para o tio, cujo rosto brilhava com um tom quente e laranja à luz das tochas colocadas no corredor.
— Sim, tio. Eu me preocupo com os dois. — ela mentiu.
Tammus colocou um braço quente sobre os ombros dela e a abraçou de lado.
— Ora, não se preocupe, moça. Uma simulação de batalha com certeza difere do combate real, que no final, felizmente, não precisamos vivenciar.
— Sim, tio. — ela sorriu e voltou a prestar atenção ao par que duelava.
Quando Kehr piscou para ela, de costas para Ian, o marido deu um tapa no traseiro de Kehr com a parte plana de sua espada, fazendo seu irmão gritar. Ian ergueu as sobrancelhas fingindo surpresa, e Kehr começou a perseguir Ian, que fugiu gritando como uma garotinha, circundando a vasta extensão do cômodo. Todos explodiram em gargalhadas com a cena cômica, exceto Davina.
A exibição de Ian a deixava nauseada. Ao longo das últimas seis semanas, desde a punição recebida que lhe custou o dinheiro que recebia, Ian demonstrava um desempenho estelar em conquistar a família dela em todas as oportunidades. Embora não permitissem que os dois ficassem sozinhos, para grande alívio dela, nos raros momentos em que ele podia lançar um olhar para ela, ou encurralá-la no castelo, ele a deixou ciente de que, em particular, tudo o que ele estava passando voltaria para assombrá-la assim que ele alcançasse o objetivo de retomar o controle e o dinheiro.
— É um jogo delicioso de gato e rato, não é? — ele perguntou uma vez em uma dessas emboscadas.
— Não será capaz de enganar minha família. — disse Davina, segura de si.
Ele se aproximou dela, fazendo-a encostar-se no canto da escada e apoiando os braços nas paredes.
— Eles pensam que me controlam… — ele sibilou. — que sou uma marionete presa aos dedos deles, distribuindo porções escassas de moedas? Vejamos se gostarão de ser controlados. Há demasiada confiança neles, assim como em você.
Ele a amaldiçoou com um sorriso maligno e se afastou. Ela começou a carregar uma adaga na bota depois daquele encontro. Observando a família agora, comendo nas mãos de Ian, a declaração dele parecia bastante verdadeira. Ian gostava dessa mascarada, gostava de manipular as pessoas para que pensassem e agissem da maneira que ele queria, um jogo que ele adorava aperfeiçoar. Até onde ele iria?
Kehr conseguiu fazer Ian tropeçar, e ele se esparramou no chão de pedra. Todos correram em seu socorro, Kehr à frente da multidão, se desculpando. Ian ficou atordoado por um momento, e Davina se permitiu um sorriso secreto. Recuperando a compostura, Ian limpou o sangue do lábio inferior e olhou para ela. Erguendo uma sobrancelha, ele deu um breve sorriso, apenas o tempo suficiente para que ela percebesse, antes de seu rosto ficar sombrio. Ian baixou o olhar como se estivesse com o coração partido. Olhando para Davina, ele se levantou do chão e espanou as calças. O leve gesto fez com que seu irmão e seu pai se voltassem para Davina. Antes que ela soubesse o estratagema de Ian, Davina foi pega se regozijando pelo acidente de seu marido, exatamente como Ian queria.
Calor subiu em suas bochechas. Parlan olhou para ela, fazendo com que o resto do grupo também se virasse na mesma direção. Pedindo licença para sair da cena, Davina saiu do Salão Principal e foi para o corredor que passava pela sala, pela cozinha e seguia na direção dos estábulos, sempre sufocando os soluços. O crepúsculo se instalava ao redor do castelo, lançando tons de cinza em tudo. Halos de luz âmbar circundavam as tochas colocadas no terreno, iluminando ao menos o bastante para guiar o caminho. Ela adentrou os estábulos aos pisões e chutou um balde vazio no chão. A comoção acordou os gatinhos, e eles se mexeram.
— Como eles podem acreditar na farsa dele? — ela sibilou e cruzou os braços sob os seios, cerrando os punhos e andando de um lado para o outro.
Após o primeiro incidente, Davina procurou seu pai para explicar o plano de Ian, e ele acreditou nela. Mas quando Ian foi levado perante Munro, Parlan e Davina para dar explicações, Ian alegou que Davina o entendera mal e se desculpou por escolher mal as palavras, por não explicar corretamente. No início, até ela acreditava que não ouvira bem, até que ele a encurralou outra vez. Não havia engano em nada. Depois de um tempo, seu pai passou a acreditar que Davina estava tentando desacreditar Ian enquanto ele tentava, com afinco, mudar. No entanto, essas falhas não a desencorajaram de continuar tentando.
Três gatinhos emergiram de debaixo da caixa na parte de trás da área de trabalho de Fife. Davina parou e ficou olhando, esperando. Onde estavam os outros gatinhos? Ela se agachou nos calcanhares, perscrutando a escuridão. Mais um gatinho saiu se arrastando, miando. Cresceram tanto nas últimas seis semanas…, mas apenas em tamanho. O número cada vez menor de filhotes era o que preocupava Davina. Quando ela viu os gatinhos pela primeira vez, ela contou oito. Uma semana depois, uma semana após o início da punição e supervisão de Ian, a contagem foi de sete. Ela descartou a diferença de números como um erro na contagem anterior dela. Quando o segundo gatinho desapareceu na semana seguinte, ela imaginou que a pobre criatura poderia ter sido agarrada por uma coruja ou outro predador.
Outro predador, de fato.
Fife contou do terceiro gatinho desaparecido duas semanas depois, dizendo que Ian o trouxe para ele quase com o coração partido. A cabeça havia sido esmagada… por um cavalo, supôs Fife. Davina tentou contar a Fife de suas suspeitas, mas com tom de conselho paternal, ele disse que ela estava sendo muito dura com o Mestre Ian, que precisava aprender a perdoá-lo pelas transgressões passadas, e contou como Ian confidenciou as tentativas de ser um marido melhor.
Muitos gatinhos desapareceram para ela não suspeitar, apesar do que Fife dizia. Ela se agachou, esperando que o quinto gatinho emergisse da caixa. Nada ainda. Tirando uma das tochas da parede, ela trouxe a luz para a escuridão crescente da noite que caía, para a área de trabalho de Fife. A caixa estava vazia. Quatro gatinhos vagavam ao redor dela. Quatro de oito. Onde estava o quinto?
Ela recolocou a tocha no lugar e deu duas voltas completas ao redor da área em frente às baias antes de entrar no portão de seu cavalo, Heather. Agarrando a sela, ela a ajustou no lombo de Heather.
— Indo a algum lugar? — a voz de Ian a fez pular, estocadas de gelo dançara pela espinha dela.
Ela fechou os lábios, e se concentrou em puxar as tiras de couro com força, esforçando-se para ouvir as ações dele acima das batidas incessantes de seu coração. Arrastando-se para o outro lado do animal, o pé dela pousou em algo macio, e ela saltou para trás com um grito, pensando que tinha pisado em um rato. Nada se moveu. Com a ponta da bota, ela tocou a palha onde pisou. Ainda sem se mexer, ela se ajoelhou, estendeu a mão trêmula e ergueu a palha. O quinto gatinho.
— Ahhhh. — Ian disse, parecendo desamparado, mas quando ela o viu espiando por cima da baia, viu o sorriso dele. — Outro?
Ela ficou abismada de terror em como ele conseguia fazer a voz soar amorosa ou preocupada sem tirar o sorriso tão ameaçador do rosto. Ela sentiu os pelos na nuca se arrepiaram.
— Por quê? — ela choramingou. — Por que está fazendo isso?
Ele olhou por cima do ombro e sorriu.
— Ingênua até o fim. — ele sussurrou e piscou.
Ela pegou um pedaço de pano pendurado na parte de trás da baia e pegou o corpo frio. Soluçou enquanto mostrava o gatinho para ele.
— Tem tanta raiva dentro de você que deve descontar em animais inocentes, já que não pode descontar em mim?
— Davina, o que está dizendo? — Ian deu um passo para trás em direção à abertura dos estábulos. — Está me dizendo que eu… — Ian balançou a cabeça, parado do lado de fora da entrada do estábulo. Os olhos dele se encheram de tristeza e refletiram a luz bruxuleante da tocha, aumentando a aura demoníaca em torno dele. — Sei que fiz mal a você, mas não fiz tudo o que podia para provar que mudei? O que mais…
— Calma, calma, Mestre Ian. — disse Fife, entrando nos estábulos. — O que o deixou tão chateado, rapaz?
— É isso que você pensa de mim, Davina? — Ian disse, abatido pela tristeza.
— Fife! Olhe! Outro gatinho! — ela soluçava de forma incontrolável. Temia o resultado de tudo isso. — É como eu disse a você! Ele me viu encontrar o gatinho e não demonstrou remorso!
Fife a olhava boquiaberto, e então olhou para Ian com pesar. Davina passou correndo por eles, deu a volta nos estábulos e colocou o gatinho sobre uma pequena pilha de palha. Chorando, ela lavou o sangue das mãos e jogou a água fria do barril de chuva no rosto para tentar acalmar a mente. Descansando as mãos na borda do barril, ela ofegou, tentando pensar em como lidaria com a situação.
Era só... isso não poderia estar acontecendo! Por que isso está acontecendo?
Na borda do barril de chuva, uma crosta marrom parecia uma impressão palmar parcial. A marca de uma mão ensanguentada.
Ian a agarrou pelos ombros e a girou tão depressa que sua cabeça girou. Segurando-a contra a parede de trás do estábulo, ele disse alto o suficiente para que Fife ouvisse, em uma voz cheia de afeto tão sincero que ela quase acreditou nas palavras dele… se não fosse pela expressão sinistra em seu rosto.
— Você é tão delicada quanto aqueles gatinhos. Eu odiaria ver algo assim acontecer com você. Eu ficaria destruído. Ele apertou os ombros dela com mais força ao dizer a palavra “destruído” para dar ênfase.
Através das janelas à sua esquerda, acima do barril de chuva, passos recuando enfraqueceram, e Ian esperou que Fife estivesse fora do alcance da voz.
— Ingênua até o fim, Davina. — ele zombou. — Farei com que me aceitem na sua família, e será você que se verá controlada. Pode ser até que a considerem louca quando eu terminar.
O mundo se fechava em torno dela, ela o empurrou e correu em direção ao castelo. Entrado como um raio pela cozinha, ela disparou pelo corredor até a sala de estar e parou na porta. Sua família estava sentada e espalhada, os olhos arregalados e questionadores. Fife estava à sua esquerda, ao lado do pai, esmagando o chapéu nas mãos nervosas, culpa no rosto.
— Fife, o que contou?
Davina pousou as pontas dos dedos frios nas bochechas úmidas e vermelhas.
O pai cruzou os braços.
— Que história é essa de Ian estar matando gatinhos?
Ela correu para agarrar o antebraço de seu pai.
— Pai, ele está descontando a raiva nesses pobres animais indefesos em vez de em mim. — ela não conseguia controlar os soluços enquanto implorava.
— Agora, Senhora Davina. — Fife advertiu baixo. — Mestre Ian disse que não poderia machucar aqueles gatinhos tanto quanto não poderia machucar a senhora. Apenas entendeu mal o que ele disse.
— Obrigado por me defender, Fife, mas creio ser inútil continuar tentando. — Ian parou na porta, a tristeza puxando os cantos de sua boca. — Creio que ela está certa, Parlan. Devemos dissolver essa união. Ela nunca vai me perdoar, não importa o quanto eu tente mudar.
— Por que está fazendo isso? — ela gritou na cara de Ian.
— Agora você me quer? Qual é o seu jogo, Davina?
Ian ergueu as mãos em frustração e se arrastou até o centro da sala para defender seu caso, deixando Davina à porta.
— Não, não é isso que eu quero dizer, sabem bem disso! Por que você está tentando fazer minha família me ver como louca?
Ian deixou cair o queixo como se tivesse levado um tapa. Fechando a boca e depois os olhos, ele assentiu.
— Parlan, eu tentei. — ele olhou para o pai dela com tanta tristeza que a mãe soluçou. — Eu amo sua filha e esperava que pudéssemos fazer essa união funcionar, mas está claro que ela não vai me perdoar. — Virando-se para o pai, Munro, ele disse: — Vou ao meu quarto arrumar meu baú. É melhor partirmos amanhã. — de frente para Davina, ele deu um passo, ainda de costas para a sala, e abriu aquele sorriso particular e maligno que jamais era traído pela voz. — Adeus, Davina. — ele sussurrou, e partiu.
Munro o seguiu, mostrando uma carranca para ela ao sair.
Davina ficou perplexa com os olhares acusatórios de sua família. Parlan suspirou e marchou até a lareira, virando de costas para ela. Lilias soluçou no lenço que puxou da manga. Kehr deu um passo à frente, as sobrancelhas baixas.
— Davina, é hora de deixar de lado o amante cigano de seus sonhos. Nenhum homem, muito menos você Ian, será capaz de fazer jus a essa fantasia, jamais. Está na hora de crescer.
Parlan se virou com expressões fluidas que alternavam entre confusão e raiva. Davina quase se engasgou com o nó que se formou na garganta. Até seu amado Kehr a traía, pensava que ela estava louca! Correndo da sala, ela voltou para os estábulos. Puxando Heather da baia, Davina montou e disparou pelo terreno, saiu pelo portão da frente, para longe da loucura. Suas bochechas, molhadas de lágrimas, ficaram frias quando o vento soprou e emaranhou seus cabelos. Em uma clareira onde costuma conseguir encontrar a solidão, ela puxou as rédeas de Heather e saltou, caindo no chão coberto das folhas do outono passado, úmidas do orvalho da noite.
Ajoelhada no meio da floresta enluarada, Davina soluçava nas folhas. Quão certo estava seu amante cigano dos sonhos! A desgraça que Broderick previu para a vida dela quando ela era uma menina agora a dominava. E por que razão isso estava acontecendo? Ela só queria continuar a vida feliz que vivia antes de conhecer Ian. Por que Deus a uniu a este louco que se regozijava com a manipulação e o controle? Ela só queria uma família e alguém para amar. Com um impulso para se levantar, ela colocou as mãos trêmulas na barriga. Perder o primeiro filho provocara uma grande tristeza em seu ser, contudo, no fim não foi melhor ter perdido a criança? Davina não suportava ver sua própria carne e seu sangue obrigados a se submeter ao mesmo destino que ela, a esse frenesi que suportava. Curvando os joelhos contra o peito, ela puxou as pernas para perto, abraçando o bebê que se aninhava dentro dela. Ela perdera dois cursos mensais: um antes da punição de Ian e este último mês, portanto, engravidara antes que ela e Ian fossem colocados em quartos separados. O que aconteceria então a este bebê se a vissem como uma lunática? Balançando-se para frente e para trás, a testa apoiada nos joelhos, ela deixou o rio de lágrimas fluir.
A dobra de seu braço tocou a adaga que carregava na bota. Ela prendeu a respiração, congelada por uma ideia que tocou sua mente. Subindo a bainha do vestido, ela puxou a arma do esconderijo e sentou-se sobre os calcanhares. Seu coração guerreava devido a tal decisão.
Sou louca, mas que outra escolha me resta?
Ela apertou as mãos em torno do cabo da adaga, a ponta da lâmina posicionada na pele, na direção do coração. Com os nós dos dedos brancos e trêmulos, as mãos latejavam de dor. Se ela agarrava a faca por medo ou por força, não estava claro. Uma brisa suave tocou suas bochechas manchadas de lágrimas, esfriando a carne no ar da noite. Não queria chegar a este ponto, tirar a própria vida e a vida de seu filho ainda por nascer… mas como ela poderia enfrentar a loucura que os esperava? Como poderia enfrentar a traição da própria família? Ou era apenas uma desculpa covarde?
Ela soltou um grito de frustração e cravou a lâmina na terra úmida e macia, caindo no chão. Seu corpo se debatia com soluços e o cheiro de terra se misturava às folhas velhas e podres, como uma sepultura.
— Tão perto. — ela choramingou. — Tão perto de ser uma viúva. Tão perto da liberdade. Devido a uma decisão do rei, todas as esperanças dela se despedaçaram como pingentes de estalactites contra pedra. Até mesmo este membro de sua família, seu primo de sangue Real, a traiu. A aparição de James parecia ter sido enviada apenas a ela, apenas para atormentar sua existência. Davina soluçou mais forte enquanto a desesperança a engolfava.
Heather bateu com os cascos e sacudiu a cabeça. Davina lançou um olhar ao redor da floresta escura em busca da fonte da agitação do animal. Ela se sentiu revirar de medo.
Meu Deus! Haviam ido atrás dela?
Ela empalideceu.
Ian poderia tê-la perseguido… sozinho.
Exceto pelo leve farfalhar das árvores ao vento, apenas o silêncio sepulcral a rodeava. Ela perscrutou o terreno, mas não viu nada. Após mais um momento de silêncio, ela deu um suspiro hesitante e o alívio a banhou. Ninguém vinha com cavalos para agarrá-la e levá-la de volta. Davina pôs-se de pé, enxugou o nariz, e rastejou em direção à montaria, ainda olhando ao redor.
— Calma, calma. — ela apaziguou a égua com a mão estendida.
Antes que pudesse colocar os dedos no flanco de Heather, uma força invisível tirou o ar de seus pulmões, e ela bateu com a cabeça no chão. O rosto de Davina foi empurrado para as folhas, a cabeça latejando, e alguém esmagou seu corpo. Incapaz de respirar ou pensar, ela lutou para forçar o ar de volta aos pulmões quando o pânico se instalou.
— Relaxe, moça. — uma voz profunda sussurrou em seu ouvido. — Sua respiração voltará em um momento.
Em um giro, seu agressor a colocou de pé e a virou para encará-lo, as mãos dele apertavam os hematomas nos braços dela, feitos por Ian quando ele a segurou contra a parede dos estábulos. Com a visão turva e a mente ainda cambaleando com o encontro, ela conseguiu se equilibrar, e logo o ar da noite de verão encheu seus pulmões mais uma vez. Ela respirou em lufadas famintas.
— Aí está, moça.
Medo sacudiu seu corpo, e ela lutou com o homem que a mantinha presa contra ele. Um brilho como prata derretida nas pupilas dos olhos dele a atraiu para suas profundezas, e ela se acalmou. Uma onda de curiosidade e confusão a inundou quando o olhar dela pousou no rosto familiar, aquele nariz aquilino, aqueles olhos verde-esmeralda, os cabelos vermelho-fogo. Seu Broderick havia, por fim, voltado para resgatá-la? Ela empurrou o peito dele para ganhar alguma distância de seu rosto e ter uma melhor visão dele.
Não. Este rosto parecia mais jovem, a mandíbula não era tão larga, as maçãs do rosto não eram tão cinzeladas.
Eu perdi a cabeça!
Ela deveria estar apavorada a ponto de perder os sentidos nos braços de seu agressor, mas ainda assim se perguntava se ele era o homem por quem ansiava desde a juventude.
O perigo nos olhos dele se transformou em confusão quando o estranho escuro examinou o rosto dela. Agarrando-a pelos cabelos, ele puxou a cabeça dela para trás. Um grito escapou de seus lábios quando ele puxou o cabelo contra o caroço em sua cabeça. Ela foi forçada a ficar boquiaberta para o céu negro e a lua cheia acima. Ela prendeu a respiração quando a boca dele se fechou em sua garganta, e dentes afiados perfuraram a pele tenra. Uma breve dor… então um inesperado fluxo quente de prazer fluiu por suas veias, e ela desabou contra ele com um gemido, caindo em euforia.
Este homem — esta criatura — sondou sua mente, uma invasão sedutora em seus pensamentos, enquanto bebia, ele descobriu tudo que poderia ser desvendado. Em poucos instantes, ela reviveu os prazeres da infância, as frustrações da juventude e as fantasias com o amante cigano em seus sonhos. Essas memórias distantes de Broderick vieram correndo e a cercaram… o aroma exótico do incenso, a presença inebriante do calor dele, a vibração que sentiu por dentro ao vê-lo.
Davina reviveu a noite em que conheceu Broderick.
— O que vê, senhor?
Seus rostos estavam muito próximos enquanto a voz profunda a advertia.
— Não posso mentir para você, moça. Seria um desastre.
— Um desastre?
— Sim. — aqueles olhos cor de esmeralda perfuraram os dela. — Tempos nada agradáveis estão para chegar. Mas não deve perder a fé. Você possui muita força. Use essa força e segure com firmeza o que lhe é mais caro, pois é isso que a ajudará a atravessar os tempos difíceis que estão por vir.
— O que está para acontecer, senhor? — ela o pressionou.
— É desconhecido para mim. Não sei os detalhes. As linhas na palma da mão não revelam detalhes mais específicos, apenas dizem que há conflitos em seu futuro. Basta lembrar o que falei. Mantenha-se firme em sua força.
O resto das memórias dela que levaram a este momento no tempo, aceleraram e a trouxeram de volta ao desespero que ela experimentara hoje.
Até agora. Deixe esse estranho beber a vida que flui pelo meu corpo. Deixe-o fazer o que não consigo fazer. Enfim terei paz e morrerei nos braços do homem que imagino, no momento, ser aquele que amo. Nos segundos desde o momento em que ele agarrou a garganta dela até este instante, serenidade a envolveu.
O estranho se separou dela e a jogou no chão. O pescoço de Davina latejava. Sua cabeça se agitou com as memórias rápidas que giravam em sua mente, exibindo sua própria vida como uma peça mal interpretada.
Examinando a imagem nebulosa dele começando a clarear, ela o viu inclinar a cabeça para trás e rir como um louco.
— Após duas décadas de procura, eu enfim encontrei o que queria! — ele se ajoelhou diante dela e envolveu o rosto dela com as palmas das mãos. — Deus não vê bem a minha espécie, então só posso dar crédito ao próprio Lorde das Trevas por me trazer tal prêmio! — ele respirou fundo, o sorriso crescendo. — Tão doce quanto o seu sangue é você, minha querida senhora. — o homem lambeu o sangue dos lábios. — Eu a deixarei com sua vida trágica.
O brilho de prata derretida desapareceu dos olhos dele.
As perguntas girando em sua mente desapareceram no desespero familiar movendo-se por ela e agarrando seu coração. Que jogos distorcidos os destinos estavam jogando com ela? Por que reviver todos aqueles momentos, com a Morte tão perto em seus braços, apenas para ter sua chance de liberdade arrancada dela. Ela estendeu a mão para ele, mas a fraqueza dominou seu corpo.
— Não. — ela tentou dizer mesmo com o nó em sua garganta, sufocando as lágrimas ardendo em seus olhos. — Não pode me deixar assim. Por favor… termine.
Ele passou um dedo sob o queixo dela.
— Tudo ficará bem.
Ele colocou a palma da mão na testa dela, e a mente de Davina se tornou uma névoa. Tudo ficou preto.

* * * * *

Estrelas borrifavam o céu acima com a lua no alto. Davina sentou-se, a cabeça girando e tocou o caroço latejante na parte de trás do crânio.
— Graças a Deus! — uma voz de homem, grave, exclamou. Uma figura nebulosa ajoelhou-se ao lado dela, e ela lutou para clarear a visão e tentar identificá-lo. — Em que estava pensando?
Ela franziu as sobrancelhas em confusão, sua mente uma bagunça sem fim.
— O quê…?
— Peço desculpas. Posso ter sido um pouco zeloso ao tentar salvá-la de você mesma. — quando ela tentou se levantar, as mãos quentes dele em seus ombros a empurraram de volta para baixo. — Acredito que precisa ficar sentada por mais um momento. Sabe onde está?
Davina esquadrinhou a área, o mundo aparecendo.
Ela estava sentada no meio da floresta, na clareira que costumava buscar para ficar sozinha. Heather estava parada a certa distância, mordiscando algumas folhas de um arbusto. Por que ela estava aqui? Olhando para as mãos trêmulas, esperava encontrar as respostas. Seus olhos vagaram, e na mão do estranho, ela reconheceu a própria adaga. Ela viu o estranho, os olhos verde-esmeralda cheios de preocupação na luz prateada da lua. Quão familiar ele parecia. A respiração dela ficou presa na garganta. Muito parecido com amante cigano dos sonhos dele, mas não como ele.
— Você se lembra… — ele disse balançando a cabeça. — Tem muita sorte de eu ter vindo, senhora. O que a possuiria para tirar a própria vida, só Deus saberá, mas pelo bem de sua alma, espero que não tente repetir essa tarefa medonha.
— Senhor, por favor. — ela colocou uma das mãos no braço dele, implorando. — O que aconteceu?
— Ora, pensei que você se lembrava. — ele limpou a garganta. — Estava prestes a tirar a própria vida, e eu a impedi. No processo, você bateu com a cabeça. Espero que possa me perdoar. — ele revirou os olhos e murmurou: — Eu poderia ter terminado o processo por você dada a minha falta de jeito.
— Não gostaria de ser portadora de más notícias, senhor, mas eu gostaria que você tivesse terminado o que eu estava fazendo.
— Bobagem! — ele inspirou e pareceu ganhar controle da própria explosão. — Por que acha que estou aqui, jovem senhorita?
— Não tenho certeza se entendi o que quer dizer, senhor.
— Ousarei dizê-lo, por mais loucura que minhas palavras pareçam. — ele segurou as mãos dela e a olhou fixamente nos olhos. — Não foi por acaso que vaguei por esta floresta esta noite. Digo isso após ter salvado sua vida, mas duvidei da minha sanidade no início. Eu estava passando por sua humilde cidadezinha lá embaixo e essa floresta me chamava. Uma mensagem veio à minha mente enquanto eu procurava, sem saber o que procurava. A mensagem dizia: “Deve dizer que ele voltará, que a salvará. Deve insistir para não perder a esperança e se apegar a essa visão de força.”.
Davina arfou.
— Sabe o que isso significa?
Ela assentiu.
— Bom, porque eu decerto não sei. — o canto da bela boca dele se ergueu quando ela não deu nenhuma explicação. — Bem, não importa. Estou feliz por não estar maluco, afinal.
— Eu também, senhor. — respondeu ela com admiração e uma nova esperança floresceu no peito de Davina. — Agradeço ao Senhor que você O estava ouvindo esta noite. Obrigada por me impedir.
Ela resistiu ao impulso de abraçar o estranho sombrio, que se tornou seu salvador e mensageiro na forma do homem que ela amava, e em vez disso beijou os nós dos dedos em gratidão.
— Bem, isso é mais recompensa do que já recebi e poderia ter esperado.
Ele a ajudou a se levantar, sem soltar sua mão até que ela provasse estar bem de pé e garantisse que ela era capaz de cavalgar. Assim que ela montou em Heather, ele estendeu a adaga para ela, oferecendo-lhe o cabo. Quando ela estendeu a mão para pegá-lo, ele a puxou de volta.
— Entrego isto com muita hesitação, querida senhora. Promete que nunca mais terá esta lâmina apontada para o seu coração?
— Sim, senhor, eu prometo. — ele devolveu a adaga, e ela a enfiou na bota. — A mensagem que me entregou me deu uma razão para viver.
— É um grande alívio. — ele deu um tapinha no joelho dela. — Pode cavalgar de volta por conta própria, não é?
Ela assentiu e seu rosto ficou vermelho de vergonha.
— Sim, tenho certeza de que minha família não sabia de minhas intenções quando parti em tal torpor. Ter que explicar como você me salvou de mim mesma nos colocaria em uma posição estranha.
— Com certeza. Por mais que eu queira acompanhá-la de volta, tenho outros assuntos urgentes. Espero por além há bastante tempo, e creio que não terei que esperar mais. Você também me deu um sinal, minha cara senhora. No entanto, tenho certeza de que voltaremos a nos ver. — ele deu alguns passos para trás e acenou antes de se virar para ir embora. — Boa noite, bela senhora!
— Ora, senhor. Qual é o nome do meu salvador para que eu possa incluí-lo em minhas orações?
— Angus! — ele gritou sem perder um passo.

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