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Vida De Aeromoça
Marina Iuvara
A autora é aeromoça e, tomando como referência experiências reais, consegue fazer o leitor respirar o ar dentro de uma companhia aérea, fazer imaginar a vida de uma aeromoça, em que o trabalho e a complexa organização da vida pública e privada, por causa dos horários, turnos e partidas, se tornam quase um estilo de vida. É um livro que enfrenta o tema do engrandecimento pessoal e da mudança, por uma viagem ao longo de vinte anos, talvez até mais, que verá Anna deixar de ser uma garota ingênua e cheia de sonhos para se tornar uma mulher e mãe consciente e realizada, que consegue se adaptar às inevitáveis mudanças da vida, e acostumada com ter sempre uma malinha à mão enquanto perambula pelo mundo. Anna é uma aeromoça que deixou sua terra natal, a Sicília, para realizar seus sonhos: viajar, ser livre e independente. Cansada de enfrentar as severas regras impostas pelos pais e pela sociedade onde vive, a protagonista rebelde e passional um dia tem um pressentimento e compreende que só a profissão de comissária de bordo poderá fazê-la feliz e realizada. Começa então uma existência de “mulher com asas” que a repartirá entre céu e terra, entre países distantes a que muitos anseiam e a vida cotidiana com seus problemas comuns a qualquer mortal. Uma dicotomia que está na estrutura do livro, onde as lembranças da protagonista, às vezes felizes e divertidas, às vezes tristes e dramáticas, são permeadas por histórias ocorridas em voos, “janelas” para o mundo fascinante da aviação civil, pouco conhecido, mas muito complexo e bem estruturado. Também estão demonstrados “usos e costumes”, fornecendo informações sobre os “voláteis voantes”, como são chamados os membros da tripulação e, levando em conta episódios reais acontecidos durante o voo, consegue fazer o leitor respirar o ar dentro de uma companhia aérea, fazer imaginar a vida de uma aeromoça, em que o trabalho e a complexa organização da vida pública e privada, por causa dos horários, turnos e partidas, se tornam quase um estilo de vida. É um livro que enfrenta o tema do engrandecimento pessoal e da mudança, por uma viagem ao longo de vinte anos, talvez até mais, que verá Anna deixar de ser uma garota ingênua e cheia de sonhos para se tornar uma mulher e mãe consciente e realizada, que consegue se adaptar às inevitáveis mudanças da vida, e acostumada com ter sempre uma malinha à mão enquanto perambula pelo mundo. Quais são os segredos de uma aeromoça? O que acontece a bordo dos voos? O que fazem as aeromoças quando chegam ao destino? Como são treinadas? Como é a vida particular de uma aeromoça? Como faz para se organizar com tantas partidas? O que pensa durante a decolagem e a aterrissagem? Mas as aeromoças têm medo? O que lhes vem à cabeça quando surge uma emergência? Como lida com a bagagem? Como lidam com os passageiros mais difíceis? Quais são os defeitos dos passageiros? O que é a “pilotite”? Quais são os diversos tipos de abordagem a bordo? E quais os tipos dos passageiros? Quais são os conselhos para enfrentar uma viagem e o que colocar na mala? O que prevê o “Manual de sobrevivência a bordo”? Neste livro, há respostas para essas e muitas outras perguntas.


Marina Iuvara
© 2021 - Marina Iuvara

VIDA DE AEROMOÇA

O mundo é a minha casa

Tradução de André Spiller Fernandes (https://www.traduzionelibri.it/profilo_pubblico.asp?GUID=ca04cf7e9eb5292d3844f8d203a0cbc4&caller=traduzioni)

Obra protegida por direitos - todos os direitos reservados - é proibida a sua divulgação ou reprodução, total ou parcial, sem a expressa autorização.
Este livro é uma reformulação da primeira edição de “Vita da hostess” (sem tradução para o português).
Passaram alguns anos desde a primeira publicação daquele livro, e decidi renová-lo e complementá-lo.
Bem-vindos a bordo: this is the next flight.

Marina Iuvara
Anjos do ar

Mulheres independentes, de uniforme, perambulando pelo mundo.
Ícone glamoroso de liberdade.
Em sua maioria mulheres que exercem uma profissão com peculiaridades únicas, uma fonte inigualável de alegria e satisfação, mas também cheia de facetas difíceis e reflexos muito importantes na vida pessoal.
As comissárias de bordo são tradicionalmente identificadas no imaginário coletivo pelo que é aparente: seus uniformes elegantes, escalas em todos os lugares do mundo, o contato com diversas pessoas ou as compras por toda a parte. É fácil encontrá-las nos aeroportos, junto do resto da tripulação: por vezes, são vistas ainda hoje com admiração e uma pontinha de inveja. “Eu gostaria tanto de ter esse trabalho também”, pensam em segredo muitos. Outros dizem o contrário: “Nunca poderia fazer isso”.
Na verdade, as aeromoças - naturalmente, também chamadas comissárias de bordo - desempenham com eficiência e profissionalismo um papel exigente e são um componente fundamental para a segurança do voo, capazes de lidar, com técnica e paciência, com emergências de todo tipo. Devem estar sempre prontas para resolver os mais impensáveis e complicados imprevistos, mantendo, além disso, a distância dos afetos e de casa, ou ainda a difícil gestão de seu tempo, além dos efeitos do fuso horário.
Neste livro, tentei contar os aspectos menos notáveis e dificilmente imagináveis.
Dedico-o, portanto, a todas nós.
Introdução

A figura da aeromoça aparece pela primeira vez nos anos 30, em uma companhia aérea norte-americana.
No início, a maioria duvidava da utilidade dessa função: frágeis e graciosas garotas, com menos de 25 anos de idade, cujo peso não podia passar de 52 quilos e a altura nunca mais de 1,63m, vestidas com o mesmo uniforme, formadas em enfermagem e convidando os passageiros a ocuparem seus assentos com gentileza.
Sua figura e função mudaram muito ao longo dos anos.
Em 1940, depois do ataque a Pearl Harbour, as aeromoças foram alistadas em aviões militares para servir a pátria.
Em 1950, foi escrito o primeiro manual da aeromoça perfeita: forte como um soldado, afetuosa como uma mãe, disponível como uma gueixa, bem informada como um guia turístico.
Nos anos 60 e 70, as aeromoças inspiraram orgulho ao representar as companhias aéreas e foram comparadas a modelos.
Eram vistas como mulheres dotadas de beleza, desejáveis e invejáveis, com a possibilidade, ainda não disponível a todos, de viajar e conhecer o mundo.
Em 1960, no jornal New York Times, uma estatística norte-americana descreveu as aeromoças como “mulheres perfeitas”, porque, ao caminhar 300 milhas para cima e para baixo entre as poltronas, parecem muito bem treinadas, comprovadamente resistentes ao cansaço.
Com a chegada da revolução feminista e das conquistas posteriores em matéria de direitos das mulheres, em 1971, foi abolida a regra que as proibia de se casar. Em 1974, o salário foi equiparado ao dos homens. Em 1975, foi removida a proibição à maternidade e, em 1979, foram abolidos os limites de peso.
Até hoje, a responsabilidade principal de uma aeromoça é garantir a segurança dos passageiros a bordo das aeronaves, assim como servi-los durante o voo.
Prefácio

Perfeitamente treinadas no campo da segurança aérea, habilitadas e certificadas em primeiros socorros, competentes em línguas estrangeiras, hábeis nadadoras, bem cuidadas, sorridentes e bem educadas, as aeromoças devem ter, além de uma predisposição às relações interpessoais, um excelente equilíbrio emocional e um forte senso prático.
O estilo de vida é frenético, o trabalho é cansativo e estressante, também por causa dos fusos horários; o ambiente onde trabalham é pressurizado, e o solo onde se movem durante o trabalho não está sempre na horizontal. No entanto, têm autocontrole e devem estar sempre prontas para se virar em situações imprevisíveis.
As aeromoças estão em contato com pessoas de todas as etnias, culturas, níveis de escolaridade, origens e caracteres.
Encontram crianças esplêndidas como raios de sol ou, às vezes, também mais turbulentas que as turbulências, pessoas de idade avançada com quem se deve lidar com tato e sensibilidade, personalidades que requerem discrição e segredo, homens de negócio, divas, grupos de turistas alegres e despreocupados, casais românticos em lua de mel, doentes a cuidar, emigrantes de países distantes, proselitistas e catequistas de diferentes fés. Todos devem ser tratados com cuidado e profissionalismo.
Elas devem gerir as incumbências urgentes antes da decolagem e da aterrissagem, observar as disposições de segurança enquanto realizam suas tarefas e obrigações, observar as hierarquias e zelar pelos muitos pedidos a satisfazer. São submetidas a longos e contínuos períodos longe de casa e a relações pessoais difíceis por causa das ausências impostas pelo trabalho.
São muitos os aspectos negativos desta profissão única: pelo menos muitos dos que veem de fora não imaginam ou conhecem essas dificuldades.
Contudo, toda aeromoça, apesar de tudo, sente uma melancolia e uma nostalgia quando não está voando.
Lindos postais se guardam no pensamento a cada nova rota, e mesmo o voo mais difícil é sempre uma experiência enriquecedora.
O sushi japonês, a areia das Maldivas, os arranha-céus de Nova York, a vida noturna argentina, a alegria brasileira, os céus de Londres e os perfumes parisienses surgem no horizonte, ganham vida e trazem emoções únicas, mesmo que em curtos espaços de tempo, mesmo que cobertos pelo cansaço do fuso horário, mesmo que sempre apressados pelo pouco tempo disponível.
Cada anoitecer se apresenta espetacular visto de cima, sobre as nuvens.
E a bordo dos aviões, acontece e pode acontecer de tudo: muitos passageiros se distinguem por sua classe ou estilo inigualável, alguns se mostram menos elegantes.
Pode acontecer que algumas pessoas percam o controle se estiverem nervosas ou estressadas: muitos precisam de apoio psicológico porque sofrem de aero- ou claustrofobia. Excepcionalmente, alguns bebem demais e podem ficar violentos. Tudo pode acontecer durante o voo.
De fato, no avião, até o menor e mais insignificante episódio ou incidente pode se transformar em algo que demanda a máxima atenção.
Quem precisa de cuidados deve ser assistido imediatamente, e as emergências médicas são frequentemente resolvidas de maneira brilhante.
Em quase todo voo, acontecem experiências comoventes, que demonstram profunda humanidade e solidariedade.
Como se reconhece uma aeromoça?

- Verifique os objetos que ela tem em casa: não sabe o que são, para que servem, de onde vêm?
- Veja as fotos nas paredes: os fundos parecem ser de outro lugar no mundo?
- Pergunte se ela já provou o frango frito das ruas de Bangkok, frequentou os melhores restaurantes franceses ou provou o serviço de quarto na frente de um espelho em um hotel luxuoso.
- Preste atenção nos horários em que ela come ou dorme: estão de acordo com horários normais?
- Observe-a na hora das refeições: ela come em pé, mas não vê a hora de se sentar?
- Olhe na geladeira: ela pôs copos de plástico ao lado de garrafas de água?
- Pergunte-a onde comprou alguma peça de roupa que veste: você também precisaria pegar um voo para comprá-la?
- Não deixa de lado aquela calça boca de sino na moda em Londres, conhece as datas das liquidações da Gap em Nova York, compra roupas da Gucci nos outlets de Miami, bolsas da Louis Vuitton nas liquidações de Tóquio, palmito na Argentina, suco de açaí, pão de queijo e tapioca no Brasil?
- Só faz luzes na sua cabeleireira preferida em São Paulo ou em Milão?
- Tem certeza que os cremes de Tel Aviv e os shampoos orgânicos de Toronto são os melhores?
- Preste atenção: tira os saltos sempre que puder? (espie debaixo da mesa ou no carro).
- Olhe na sapateira: ela tem diversos saltos da mesma cor?
- Fala com muito conhecimento de lugares que você só conhece na fantasia ou que precisaria de muitas vidas para conhecer?
- Pergunte qual é o lugar mais espetacular de todos os que ela visitou: o sofá de casa fica em primeiro?
- Pergunte as últimas notícias sobre cultura e política, mas principalmente as fofocas: ela sempre tem as últimas novas?
- Veja o que ela guarda na bolsa: há objetos dos mais diversos, que te socorreriam em qualquer eventualidade (lixa de unha, livro, maquiagem, lanterninha, sombrinha, GPS, máquina fotográfica, laptop, calça extra, escova de dente)?
- Tem diversos números de telefone e contatos de colegas e conhecidos, mas não consegue lembrar o lugar, ano ou situação em que se conheceram ou conviveram?
- Sempre que sente cheiro de fumaça, verifica de onde vem e se levanta para procurar o extintor de incêndio mais próximo?
- Reconhece de cara a personalidade e o tipo social de qualquer pessoa e consegue se relacionar com qualquer um, independente de idade?
- Não desanima quando precisa ajudar alguém em dificuldade?
- Convive com os outros maravilhosamente em qualquer situação, mesmo que ame os momentos de solidão?
- Não sente nem um pingo daquele súbito nó no estômago que você tem quando o avião começa a decolar?
- Vá bisbilhotar seu quarto: sempre tem uma malinha de mão à espera de uma saída inesperada? Consegue colocar nela tudo que possa ser necessário para uma semana inteira e não se atrapalha mesmo se tiver só uma hora para fazer uma viagem imprevista de Roma a Caracas?
- Se todas as respostas forem afirmativas, não tenha dúvida: trata-se de uma "MULHER COM ASAS".

Bom voo
Como estavamos.

Volto para a minha terra, na sicilia, pelo menos duas vezes por ano, para as festividades e durante o periodo do verão, turnos e férias permitindo.
Viajar no avião enfim é para mim normal, faz parte do meu trabalho. Ainda que passavam muitos anos, todas as vezes que chego, junto de um intenso cheiro da flor de laranjeira que espalham os pomares laranjais e o vento do sudeste proveniente de Africa, envolvem-me silenciosos mesmo as recordaçoes da minha infancia.
Hoje é uma quinta-feira de Julho: os trinta e seis graus estão na regra.
Durante o verão esta terra fica quente, luminosa e exposta ao sol: tudo parece mais lento e custa para manter um ritmo de vida dinâmico por causa desta temperatura que eu gosto, mesmo sendo as vezes intrometido.
Os raios solares espalham-se sobre todo o espaço livre da pele, penetram até aos ossos, muitas vezes me robustecem, e as vezes deixam-me relaxar até atordoar-me para depois adormecer.
A pausa do meio-dia, usual nesta região, interrompe a produtividade diurna. Escuto o som repetitivo e quase hipnótico das palas do ventilador, colocado em cima dum banco antigo; a sua brisa contrasta o ar quente e sufocante desta tarde de céu azul, desprovido de nuvens.
À noite a temperatura sofre uma ligeira descida, e os amáveis ventos suaves aliviam o clima de noite.
Estou hospedada na casa dos meus pais e cada detalhe sobre a qual os meus olhos debruçam-se faz ressurgir na minha mente cenários vividos e recordados enfim longínquos.
Antevejo uma saia interior de seda cor creme com delicados bordados de um tom ligeiramente mais claro, pendurada no guarda-vestidos estilo Luís XVI que a minha mãe escolheu há mais de quarenta anos para embelezar o seu quarto que desde então ficou sempre o mesmo, inalterado ao longo do tempo; eu dei-me conta, pelo contrário, de ser tão diferente desde quando me agachava debaixo dos cobertores daquela enorme cama para escutar as fábulas narradas por ela antes de ir à cama, e diferente mesmo desde quando, muitos anos depois, já adolescente, às escondidas conseguia experimentar os seus colares mais preciosos, espelhando-me naquela grande moldura dourada de um espelho, colocada no centro do quarto, enquanto dançava de forma espontânea e folgada sozinha, como uma descarada, assim teria dito o meu pai, se me tivesse visto.
Lembro de ter possuído, então, uma saia interior de uma cor idêntica àquela da minha mãe, eu gostava vesti-la pela sensação de ligeireza e frescura que me reconfortava durante os dias mais húmidos.
Na educação por mim recebida esta indumentária era permitido apenas em casa, e vestido tendo o cuidado de encostar as persianas, donde evitar indiscretos olhares externos, visto que a varanda apresentava-se sobre um grande pátio.
Induziram-me desde pequena para esconder-me, e para cobrir-me como deve ser, diante de qualquer pessoa.
Pouco a pouco vinham insinuadas gotas de castidade na minha alma, dia após dia.
«Cubra-te, cubra-te que alguém pode te ver!» chegava aos meus ouvidos se as vezes contemporizava no meu quarto vestindo, esquecendo de puxar as cortinas para fechá-las.
Ainda hoje, antes de despir as roupas, verifico que tudo esteja fechado e que ninguém possa ver-me, mas isto não o confessei por acaso nem para a Valentina, uma minha querida colega que com a qual durante anos partilho um apartamento, perto do aeroporto, na cidade onde actualmente resido: Roma.
Desde criança obedecia com escrupulosa atenção as regras, para evitar de sujeitar-me aos castigos, excessivamente severos muitas vezes.
Havia uma austeridade de ideias e hábitos transmitida de geração em geração. A minha tia Carmela, apelidada por Lina, contava que a primeira vez que ousou dizer um palavrão foi convidada a abrir a boca e tirar para fora a língua.
«Que estranha brincadeira!» pensou.
A sua mãe, a minha avó Giuseppina, pegou um dos ganchos que recolhiam os seus cabelos compridos, e com ele espetou a sua língua.
Vistas as consequências, poucas entre filhas e netas da minha família dizem palavrões, não obstante, nos momentos oportunos, lhes ocorre.
Estou aqui em Catania de férias por uma semana e encontro de novo os antigos sabores, cheiros, sensações.
Acolhe-me o solar sorriso da minha mãe, que se contem ao abraçar-me forte como queria, talvez por medo de esmagar-me.
Acaricia repetidamente os meus cabelos pretos como a pez iguais aos seus, compridos até mais abaixo dos ombros, deixados soltos para libertá-los das constrições das ataduras impostas pelas regras do meu trabalho.
A pele da mamã é branca e delicada, mórbida como a areia, e cheira como pétalas de rosa, misturados a citrinos.
Sempre lhe pareço bastante magra – mesmo estando, do meu ponto de vista, pesada mais ou menos por aí um ou dois quilos, relativamente ao meu utópico peso ideal – por conseguinte convida-me para consumir aquilo que abundantemente coloca no meu prato.
Hoje preparou para mim, a sua Annuzza, os meus pratos preferidos: linguine (tipo de massa) a preto de sépia e peixe-espada no cartucho.
Ela não se farta por acaso de me olhar e acarinhar-me, eufórica e emocionada ao único pensamento de ver-me de novo.
Também as minhas tias e primas demonstraram o seu afecto com todo o gesto todas as vezes que me viam, querendo ouvir tudo sobre as minhas viagens e sobre o meu trabalho.
Eu sou, no imaginário delas, uma parte do mundo delas que foi para um outro: aquele mundo feito de sonhos diante de uma revista, atraente todavia descrito como perigosa, tentacular, capaz de impelir-te irreversivelmente. Eu sou a prova viva de que o mundo sim, muda-te, mas permanecendo tu mesma, porque aquilo vai depender apenas de como és feito por dentro. E elas são, para mim, a parte mais importante daquilo que aprendi durante todas estas viagens: que podes ir longe só se tens um lugar interior donde partiste, e onde regressar. Aprendi que poderás estar em toda a parte, mas na verdade ficarás sempre onde estão as tuas raízes emotivas.
Ficaram maravilhadas pelas fotos que tirei em New York e gostariam de partir comigo para visitar a Grande Maçã. Desejariam também que as levasse para Hong Kong para dar uma volta de passeio ao Starley Market e ao Lady´s Market, os mercados nocturnos dos quais falei para elas muitas vezes e com entusiasmo, ou passar da Casablanca onde existia a Medina com as suas cores e as suas especiarias, onde a hortelã para o chá tem um sabor mais forte e um cheiro mais persistente da nossa hortelã local, e saborear aquelas tâmaras excepcionais que lhes tinha oferecido regressado dum voo. Ou passear comigo nas ruelas fervilhantes de shanghai, mergulhados naquela enchente variegada e aquelas mil cores que tento descrever, e não consigo por ventura como gostaria.
Elas têm um grande sentimento de hospitalidade, uma arte natural de acolhimento transmitida no decurso de séculos, e me saúdam sempre com o habitual beliscão nas bochechas, atirando não próprio delicadamente de ambas as partes, e com um abraço seguido pela mesma frase desde quando era criança: Annuzza bedda, sangu mil!, Zzuceberu mil!
O meu pai, mesmo estando feliz vendo-me de novo, fica sempre muito silencioso, pouco comunicativo e extremamente reservado.
Temos a mesma cor dos olhos, azul celeste, mas nos seus uma ligeira tonalidade violácea faz transparecer constantemente reflexos que as vezes me entristecem.
Ele é frequentemente inclinado a fazer previsões desfavoráveis, impregnadas de ânsia e preocupação, como a minha melhor amiga Stefania, também ela siciliana.
É um homem muito instruído, gosta de estudar e está sempre informado sobre todos os acontecimentos sociopolíticos actuais.
Discreto nos modos e formal no seu comportamento, fica durante horas fechado no seu escritório, mas na hora do almoço e do jantar junta-se a nós e todos juntos à mesa.
O que os meus pais, parentes e a sociedade onde vivi ensinaram-me é a grande importância da família, o respeito das regras e, em particular, o vínculo inviolável do casamento: um valor para defender sempre, a todos os custos, frequentemente com enormes sacrifícios.
Uma união para salvaguardar de todas as formas, mesmo na presença de problemas, que terão de ser superados ou combatidos, as vezes até ignorados.
Esta ligação indissolúvel tem um carácter sagrado absoluto que apenas a morte pode desatar.
Até que a morte nos separe.
Uma promessa que não pode ser mais negligenciada, a partir do momento em que é estipulada.
Uma tarefa rigorosa e constante, oportuno para conservar firmemente as raízes da família.
Não são somente o sentimento de afecto, a cerimónia oficial, o profundo dever que te é incutido com a educação desde criança, a ligar a relação matrimonial, mesmo o juízo premente da sociedade onde vives te induz e trabalha assiduamente até que se mantenha integra a ligação familiar.
No casal, a figura feminina tem um papel muito importante: a lealdade, para com o esposo e os filhos, é absoluta.
O homem dedica-se conduzindo melhor o papel de chefe da família, tem a obrigação de tomar o seu cargo de tutela e de suporte da mesma.
Lealdade e obrigações, amor e respeito.
Não importa se não for notáveis as duas últimas rubricas, entendidas que possam enfraquecer-se.
O casamento é algo sobre o qual contar durante toda a vida, os filhos são o bastão da velhice, o fim não é permitido, ou apenas uma coisa de loucos, algo que vai fora da ordem pré-estabelecida, que é preciso evitar, encontrando qualquer remédio: no ritual do casamento a declaração da fidelidade é uma promessa que se honra, na sua forma absoluta.
Estas são as normas que me foram incutidas desde criança. Sobre o meu destino estava certa, teria respeitado estes ensinamentos.
Tive uma educação muito rígida, feita de atitudes autoritários, ordens, obrigações e punições sem ter a possibilidade de replicar ou de pedir esclarecimentos, chegando, enfim na adolescência, para ter serias dúvidas e confusões no que fosse realmente justo ou precisamente errado.
As rígidas regras seguiam as directivas da educação que foi transmitido ao meu pai nos anos 40, sem se aperceber das profundas transformações sucedidas e dos movimentos dos anos 68, aos quais presenciei apenas com o meu nascimento.
Mesmo assim, a revolução social dos anos 70 parecia não alcançar minimamente a nossa realidade, nessa altura.
Tudo era preto ou branco, justo ou errado, concedido ou proibido e não existiam cores matizados, renuncias, meios-termos.
Os modelos e o estilo de vida acompanhados eram antiquados e ultrapassados, a meu ver.
Para mim o branco e o preto eram apenas os extremos de uma múltipla variedade de cores, contudo os ensinamentos deviam ser seguidos, sem réplicas e oposições.
A partir da orientação escolar e até às amizades, aos horários, aos lugares por frequentar, ao vestuário, ao desporto, todas as decisões seguiam pareceres, tendências e gostos não meus e nem sequer iguais às minhas inclinações: apenas àquelas do meu pai.
Ele deliberava as pessoas que podia frequentar, depois de uma cuidada selecção antecipada por uma conversa de apresentação inicial, cujos pré-escolhidos deviam sujeitar-se.
Questionei-me muitas vezes qual fosse o meu caminho, o que fosse realmente importante, quais os meus reais desejos e objectivos, e frequentemente as minhas respostas eram totalmente diferentes daquelas impostas pelos meus pais, que certamente agiam para o bem e para uma melhor formação da minha pessoa, espelhando somente sonhos: deles.
Seguia diligentemente as direcções sugeridas e frequentemente me encontrava ocupada a recitar um papel que certamente agradava aos outros, mas não a mim, e sentir nascer e desenvolver-se desejos que não representavam o papel que interpretava, e que não poderia desvendar, porque sabia que seriam mal suportadas: estava maravilhada pela liberdade e pela independência, pelas viagens e pelos lugares longínquos.
Quase sempre tentei de fechar com a chave estes desejos e sonhos, como um caixote, com um grande cadeado, dentro de mim, dentro da minha mente, dentro do meu coração que batia forte por aquelas atracões que são consideradas bastante desinibidas e inconvenientes.
Os meus sonhos de viajar, querer viver no exterior, afastar-me da família para ir viver sozinha, eram com frequência sufocados e desta forma os tinha bem aprisionados e escondidos: no interior daquele caixote não conseguia perceber grito nem dor causado pelo desgosto daquela renúncia.
Estava orgulhosa por ter encontrado para eles um lugar seguro e, permanecendo naquele lugar tão obscuro, não tinha a possibilidade de tomar conhecimento de forma consciente.
Não desejava que as minhas verdadeiras paixões saíssem ao ar livre, a não queria que tão-pouco existissem, na medida em que teriam arranjado apenas problemas, se por acaso tivessem sido tornados notáveis: não apenas teriam gorado as expectativas, mas, de todas as formas, não teriam tido vida fácil e teriam sido decepados ao nascer.
O meu pai, advogado, estava certo que teria seguido as suas pegadas.
Vivi assim grande parte da minha adolescência sem grandes sofrimentos, e brilhantemente superava os problemas graças ao meu subtil procedimento secreto, isto é sufocando e escondendo os meus reais desejos e procurando satisfazer os outros.
Um dia, porém, uma das tantas gavetas ficou um pouco demasiado cheio e, para maior segurança e não sem esforço, experimentei colocar um outro cadeado.
De forma inesperada rebentou, abriu-se, ouvi gritos, choros, soluços como se fossem de uma criança, pedindo ajuda, suplicasse para sair, para ser ela mesma.
Tranquei ainda uma vez com força, aquela gaveta.
Mas aqueles sons e aquelas imagens tentavam sair e libertar-se.
Eram insuportáveis.
O meu coração batia cada vez mais forte para sobrepor-se em tudo e incapacitar-me para esquecer.
Era uma gaveta, apenas uma!
Tinha apinhado desta forma muitos sonhos, pensando assim de poder ser uma mulher serena e feliz.
Deveria preocupar-me?
O que teria acontecido se tivesse aberto escancaradamente também uma outra vez, e depois talvez uma outra ainda?
A coisa aterrorizava-me, mas não posso não reconhecer que começou a seduzir-me cada vez mais.
Questionei-me, um dia, quem eu era realmente.
Questionei-me onde é que estivesse a ir e quem tivesse escolhido o meu caminho.
O que descobriria ao abrir aquelas gavetas?
Conseguiria reanimar a minha verdadeira essência reduzida à agonia pelos condicionalismos externos?
Nunca estaria em condições de superar as minhas fraquezas e de encarar os meus medos?
Sou uma pessoa optimista, amo a vida; sou social e julgo importantes como fundamentais as amizades.
Entre mulheres, infelizmente, não é insólito instaurar-se de maçadores como inúteis sentimentos de inveja e de ciúme, por isso, chegar à especial solidariedade e à cumplicidade que tende realmente unidas torna-se extremamente raro.
Não é fácil encontrar uma verdadeira amiga, mas quando se tem esta sorte desaparecem orgulho e competição e nasce o respeito total, cresce a confiança cega e a lealdade.
A união torna-se indissolúvel, a amizade torna-se um bem por salvaguardar de improváveis como raros e excepcionais acontecimentos negativos que teriam a força de enfraquecê-la, mas que normalmente nada podem contra o agradável bem-estar que experimente estando unidos, confiando-se segredos mais íntimos, partilhando as risadas, as experiencias da vida, as emoções, mesmo criticando-se mutuamente e encontrar soluções comuns: o objectivo principal é a união e a força do casal.
Conheço uma pessoa especial que espelha estas características. Stefania não é apenas uma amiga, as vezes assume-se como mãe que espalha conselhos, as vezes é a filha a quem dispensar o meu amor; pode parecer estranho, mas vê-la interpretar o papel de namorada ciumenta não é improvável, sobretudo se a ignoro um pouco, mas ela permanece um ombro sobre o qual encostar, uma palavra de conforto, o respeito do meu silêncio, a compreensão das minhas fraquezas, mas também um doce peso por suportar.
Stefania tem um físico atlético, é muito alta, alguns centímetros a mais que eu.
Os seus cabelos são castanhos e luzentes, com umas tonalidades tendentes ao vermelho carregado semelhantes àqueles da madeira de amaranto, muitas vezes colhidos numa trança que se move sinuosa nas suas costas. Veste-se habitualmente de forma casual, tem a predilecção pela prática no que veste; eu, pelo contrário, prefiro usar roupas mais femininas, a seu ver vaidosas e antiquados.
A sua exuberante sinceridade combinada com uma natural fraqueza conflui, as vezes, cruéis juízos.
Não obstante uma estrada de centenas de quilómetros agora nos separa, sei sempre de poder contar com ela, e vice-versa.
Nos suportamos, nos criticamos obstinadamente, nos proferimos opiniões, nos elogiamos e nos mandamos passear… sempre com grande afecto, e é difícil, uma viver sem a outra.
A segurança recíproca torna especial esta verdadeira amizade, um ingrediente que normalmente escapa nas relações amorosas.
Nos une uma grande paixão: partir lá para metas distantes.
Sempre adorei viajar, me dá um sentimento de felicidade.
Quando me distancio de tudo e de todos encontrando-me em dimensões e fusos diferentes é como se conseguisse avaliar o resto por fora: de longe, com efectivo destaque seja físico como mental.
Tiziano Terziani escreveu: a nossa destinação não é por acaso um lugar, mas um novo modo de ver as coisas: e é desta forma também para mim, ou melhor para nós os dois.
Viajando consigo reparar melhor dentro de mim, para ver com clareza quem sou, e para eu poder melhorar.
É como se o mundo com todos os seus problemas se distanciasse, mudasse de horizonte, e eu readquiro as minhas forças, as minhas energias.
Afastando-me da realidade rotineira, uma carga de adrenalina reforça-me tanto assim para me dar vitalidade e positividade enormes, ajudando-me a encontrar as respostas certas.
Viajar é uma invasão de mundos que não são os meus, é sempre uma satisfação que me proporciona um emocionante sentimento de liberdade, e me ajuda a descobrir de novo parte da minha autonomia.
Há algum tempo realizei aquele grande desejo que tinha desde criança: tornei-me uma hospedeira de voo.
Passaram anos, mas me lembro como se fosse ontem o momento em que decidi mudar a minha vida. Aquele dia está impresso na minha memória. Estava com Stefania.
Gostaria de ser aeromoça

Chega, estou farta! Mario estava insuportável, chega a me seguir até quando vou tomar um café com as amigas. Não quer que eu vá para a aula e me proíbe até de cumprimentar meu ex. Quero pensar mais em mim mesma e me tornar independente. Por que não criamos algo nosso e abrimos um negócio juntas? O que você pensa para o futuro, Anna? O que você gostaria de fazer?
Foi isso que me disse Stefania em nosso habitual encontro matutino para um café no “Bar das Finanças” em frente a minha casa, infeliz com sua perspectiva de futura dona de casa, tão desejada por seu noivo ciumentíssimo.
Nunca me tinha feito seriamente essa pergunta, nem tinha feito planos de carreira.
Depois de sair da escola e me inscrever na faculdade de direito, já que as matérias científicas não eram para mim, procurei um trabalho como secretária para me manter estudando e tentar satisfazer alguns pequenos caprichos.
Na época, acordava todos os dias à mesma hora e, depois de um rápido café da manhã, me metia no trânsito caótico, enfrentando os 45 minutos de filas intermináveis nos semáforos e os barulhentos engarrafamentos nas rótulas, tentando poupar alguns minutos para chegar a tempo no escritório.
Todo dia, na rua Barriera del Bosco, onde sempre ficava presa em um ponto especial de engarrafamento por pelo menos 15 minutos, eu encontrava com frequência um homem: um barbudo sempre sentado em um montinho de terra que ele fazia com as mãos.
Agachado sob a sombra de uma árvore, observava aquele interminável vai e vem, igual todos os dias.
O olhar daquele indivíduo tinha algo de sereno e vislumbrava uma realidade distante da sua: todos aqueles homens, mulheres e crianças que passavam por ele, aprisionados em seus carros.
Ele era bastante discreto, como se não quisesse que percebessem sua presença a observar atentamente, admirado de encontrar sempre as mesmas caras nervosas e exaustas, os mesmos carros enfileirados um atrás do outro, e todo aquele buzinaço que soava como um protesto. Acho que pensava como seria difícil para todos aqueles homens encontrarem a tranquilidade que ele parecia ter atingido.
Suas pupilas se moviam atentas e direcionavam olhares quase benevolentes e indulgentes a todos aqueles motoristas que, a sua volta, olhavam com compaixão ou desprezo para ele e seus trapos jogados ao relento, muitas vezes úmido.
Todas as manhãs, eu me perguntava quem de nós dois era o doido, eu, a motorista nervosa, ou ele.
Eu pensava todas as noites sobre a pergunta que Stefania me fez sobre meu futuro.
A resposta chegou num fim da tarde, na hora de voltar do trabalho, dentro do meu carrinho, depois de ter evitado uma colisão frontal com um idiota que cortou minha frente, ao fim de uma jornada de trabalho interminável, tendo de lidar com um chefe briguento e dado a abusos, com colegas que eu preferiria não ter conhecido, falsos e interesseiros.
No fim do expediente, saí da vaga que achei a duras penas pela manhã, que só consegui depois de ter brigado com outro mal-educado convencido de ter visto o espaço antes de mim, tentando me fazer desistir dela obstruindo meu ingresso.
Naquela tarde, percebi um pequeno arranhão na lataria e limpador de para-brisas posterior desencaixado.
Todo dia, chegando em casa cansada, organizava a casa e preparava a janta com pressa, por causa daquela “fome famélica” que eu conseguia apaziguar pegando algum resto do dia anterior da geladeira e pedaços de queijo amarelados, porque mal colocados nas embalagens de plástico entreabertas.

QUERO VOAR! - Gritei de repente - Sim! Encontrei! Quero voar!
O que mais me seduzia era a possibilidade de evitar a rotina diária, o tráfego da cidade, ver sempre os mesmos rostos nos mesmos lugares. Gostaria de me relacionar sempre com pessoas diferentes, mudar de espaços, expandir meus pontos de vista, ter a possibilidade de perambular pelo mundo e me deliciar com a culinária internacional.
Pensei isso mastigando uma bolacha de água e sal e a última azeitona no pote.
O sonho era voar, gostaria de ser aeromoça.
Então liguei para Stefania.
Stefania ficou entusiasmada com a ideia e me disse que também gostaria. Sua única preocupação era o noivo.
Um tempo depois, com os olhos brilhando e a página arrancada de uma revista, nos encontramos para ler com atenção e entusiasmo estas indicações:

Como se tornar comissário de bordo

“O comissário de bordo é sinônimo de confiança e compromisso, estilo e cordialidade; grande capacidade de organização, tenacidade, resistência ao cansaço e, sobretudo, vontade de trabalhar para os outros, entrando em contato com culturas e países diversos, dotes necessários para lidar melhor com o trabalho.
Nas seleções, busca-se praticidade, capacidade de se antecipar a e resolver problemas, capacidade de se relacionar, responsabilidade, autocontrole, estabilidade emocional, mente aberta e tolerância com o novo.
Características:
Idade entre 18 e 32 anos
Estatura mínima: 164 centímetros para mulheres, 172 centímetros para homens
Escolaridade: nível médio completo
Línguas: italiano e inglês avançado, conhecimento de uma terceira língua preferível
Boas habilidades atléticas e de natação
Sem tatuagens visíveis”.
Tudo estava de acordo com nossas características e aspirações. Podíamos tentar, podíamos conseguir.

Vamos mandar nosso currículo para a companhia aérea o quanto antes – eu disse.
Dito e feito.
Stefania preencheu os formulários, apesar das ameaças veladas do namorado, e enviamos tudo juntas, anexando também fotos tiradas com diligência e atenção.
Eu não disse nada a meus pais, pois estava certa de que eles não aprovariam nem apoiariam minha ideia.

Vai, tira, tira a foto agora!
Escolhemos nossas roupas com cuidado: o look é importante nessas situações, e a roupa formal é a ideal.

Fecha a camisa, por favor.
Não, vira o rosto um pouco para a direita e segura os braços um pouco dobrados, com as mãos nas costas.
Depois de tirar os jeans rasgados, a blusinha vintage do mercadinho de quinta-feira e os tênis rosa-shock de algodão, pus um tailleur azul horrível que usei no casamento da Ágata, uma prima distante, e esqueci no armário por anos; uma camisa branca, meias-calças cor de pele e sapatos de salto alto combinando com a jaqueta completavam o outfit.
Prendemos o cabelo com elásticos pretos e muito laquê, um pouco de maquiagem, um deslumbrante sorriso falso e fomos:

Vou bater a foto.
Perfeitas!
Depois de mais ou menos um mês, recebemos as cartas com o convite para participar das primeiras seleções.
Minhas pernas tremiam enquanto eu abria o envelope; Stefania quase desmaiou.
Aproveitamos para participar de um curso rápido para relembrar o inglês meio enferrujado.
Fui determinada a convencer minha família pelo menos a participar da seleção: minha obstinação venceu. Não conseguiram me impedir de ir e esperaram, como o noivo de Stefania, que eu não passasse nas provas.
Pegamos um avião para chegar a Roma, a cidade de nosso importante encontro.
Stefania precisava comprar uma roupa adequada para a ocasião. Escolheu um tailleur preto, apertadinho mas um pouco rígido, pois seus movimentos ficavam pouco naturais e desconfortáveis nele. Eu arrumei o meu para que ficasse mais sóbrio.
No avião, não era a primeira vez que olhávamos com devota admiração aquelas mulheres uniformizadas que andavam pela cabine com muita desenvoltura e profissionalismo, mas, daquela vez, senti um pouco de inveja.
Logo depois da decolagem, olhei pela janelinha.
Vi encolherem os mesmos carros que via enfileirados todas as manhãs enquanto ia ao trabalho e apertei forte a mão de Stefania.
Passamos sem muito esforço em todos os testes da seleção, que durou diversos dias. Estávamos movidas por uma energia, determinação e entusiasmo inimagináveis, pondo de lado nossa timidez e mostrando até a nós mesmas uma desconhecida propensão à liderança.
A prova com o psicólogo foi, para Stefy, a mais difícil.
Eu fui a primeira a entrar em uma sala iluminada onde encontrei um homem encarregado do último exame antes da minuciosa inspeção médica final.
Esse exame foi, para mim, um papo agradável e relaxante, mas percebi que o homem tentava me deixar constrangida enquanto eu tentava não ceder.
Eu estava feliz.
Inesperadamente e depois de uma breve conversa inicial de apresentação, ele alegou não acreditar que eu fosse aquela pessoa positiva, correta e sociável que eu descrevia. Respondi que sentia muito, mas aquilo não me preocupava, pois sua avaliação talvez resultasse de nossa conversa amigável.
Fui convidada a participar da prova seguinte.
Saindo, pisquei para Stefy.

Não há nada com que se preocupar. Vai tranquila – eu disse.
Stefania entrou logo depois.
Poucos minutos depois, vi-a sair muito séria.

Vai se ferrar, quem aquele mal educado pensa que é?
Stefania, o que aconteceu?
Não sei quem é ele, mas com certeza não quero nunca mais encontrar com um cara como aquele. Ele disse que meu cabelo é bagunçado e minhas roupas inadequadas.
Cabelo bagunçado? Roupa inadequada?
Que mal educado!
Como ele ousa?
Fez umas perguntas inoportunas, muito íntimas, e eu respondi que não eram da conta dele. Depois, me disse: “mas quem você pensa que é?” Naquele ponto, eu já estava bufando de ódio e respondi que ele deveria cuidar o que dizia. Depois, bati a porta na cara dele!
Era nossa teste de tolerância ao estresse. Em um trabalho que envolve contato contínuo com o público, essa é uma habilidade necessária.
Nem preciso dizer que Stefania não foi convidada para a prova seguinte.
Voltou para casa chocada, perguntando onde tinha errado. Seu noivo foi o único que ficou feliz com o insucesso, e suas perguntas ficaram para sempre sem resposta.
Enquanto isso, eu comecei um curso que durou três meses, onde fui treinada para extinguir incêndios e como me comportar em caso de emergência.
Também estudei as questões técnicas de diversos tipos de avião e a composição da bagagem, alguns pontos de medicina para a habilitação em primeiros socorros e, depois de superar os exames de técnica, medicina e inglês, estava pronta para entrar em um avião na posição que tanto sonhei: a de aeromoça.
Durante o curso, conheci três garotas, e ficamos amigas: Eva, Valentina e Ludovica.
Dividimos o quarto de hotel durante todo o período e, depois que assumimos o cargo, decidimos alugar uma casa em uma região perto do aeroporto Fiumicino, nossa base.
Foi assim que começou nossa aventura.
Eu, Eva, Valentina, Ludovica

A casa tinha dois quartos, cada um com uma cama de casal, e o único banheiro estava sempre ocupado: difícil encontrá-lo livre, assim como o telefone de casa.
Tentamos nos adaptar àquela situação e conseguimos conviver, não sem alguns pequenos desentendimentos, tentando chegar a pequenos compromissos (o mais difícil era decidir quem lavaria os pratos sujos).
Eva tinha lindos cabelos ruivos, ondulados e sedosos que deslizavam pelas costas. Seus olhos castanhos claros pareciam verdes nos dias mais ensolarados, seu porte era ágil e esbelto. Vinha do "alto Bérgamo", como ela dizia, e tinha o espírito de "verdadeira napolitana", expansivo e caloroso. Amava a bagunça, sempre tinha uma máscara facial para experimentar e era frequente que perambulasse pela casa com a sua favorita, de argila verde. Usava óleo de amêndoas para deixar os cabelos mais sedosos.
Ludovica nunca parava de falar e não sabia fazer parar o palavrório que nos atingia assim que abrisse a boca.
Era loira com lindos cachos, olhos intensamente azuis e uma pele lisa e clara. Suas curvas eram fartas e harmônicas. Muito organizada e meticulosa (o oposto de Eva), usava tailleurs de marca e guardava seus suéteres individualmente em sacos plásticos transparentes. Cozinhava maravilhosamente.
Vinha da Sardenha e era noiva de um rapaz seu conterrâneo que vinha com frequência ficar conosco, às vezes obrigando sua companheira de quarto, Eva, a dormir no sofá.
Ludovica era doida por penteados.
Eu dividia um quarto com Valentina, que era uma moça cheia de vida e entusiasmo, muito sensível, honesta e generosa.
Seus cabelos eram escuros e lisos, com corte chanel. Os olhos eram pretos, muito profundos e sensuais, e o porte físico era enxuto e bem modelado.
Valentina gostava de dormir tarde, melhor se a noite fosse acompanhada de seu drink favorito: Montenegro com gelo. De manhã, demorava no banheiro porque as lentes de contato davam muito trabalho.
Éramos muito próximas.

Hoje fomos convidadas para a festa de boas-vindas na casa daqueles pilotos que vivem na rua Masotta, perto de casa! – disse Eva.
Por que não damos um pulo? – eu disse.
Sim! – concordou Valentina.
Estou curiosa para conhecer nossos vizinhos.
Ludovica foi logo montar um penteado, e eu provei quase todos os vestidos do armário, me perguntando se eu algum dia conseguiria fechar o zíper lateral daquelas lindas calças azuis. Eva usou seu novo óleo essencial de lírio-do-vale, e Valentina correu para se maquiar.
Alegres, demos os primeiros passos em direção àquele mundinho à parte, até então desconhecido: o reino dos "voláteis", diferente dos meros "passageiros", como costumam distinguir aqueles que trabalham nos aviões.
O que logo percebemos "neles" foi a familiaridade com lugares que nós só sonhávamos em visitar e a facilidade que tinham de alcançá-los graças ao hábito de viajar; a capacidade de se adaptar em qualquer lugar do mundo, devida ao conhecimento da população e dos territórios, da cultura e das tradições; a profusão de amizades que conseguiam manter em diversos lugares, pois os frequentavam constantemente; a mente aberta, necessária para estar em contato com o mundo e seus habitantes, assim como muitas manias e fixações que cada um carregava consigo naquela segunda casa que era a mala de viagem.

Uma vez volátil, sempre volátil – disseram-nos baixinho, como se fosse uma verdade oculta, uma marca que carregaríamos para sempre.
Compreendemos que começar a "voar" seria como viver duas vidas paralelas que vão se alternando sempre que se sai para trabalhar. É como falar uma língua nova, incompreensível aos demais, onde o mundo é a sua casa, e a casa é o seu mundo.
Descobrimos que havia eventos quase todas as noites. Éramos uma espécie de grande família que se reunia entre os que retornavam de voos e descansavam entre um turno e outro. Mas, se era preciso partir no dia seguinte, nos prometíamos ir dormir cedo para evitar aquela horrível dor de cabeça e náusea matinais que, no voo, ficam muito piores por causa da altitude e do ar condicionado.
Durante o trabalho, era necessário estar impecável. Os voos e os passageiros a enfrentar seriam uma dura prova, isso sabíamos bem.
Depois de ter assinado o contrato com a empresa, na grande sala de um majestoso edifício e, com grande surpresa, designado o destinatário do seguro de vida em caso de falecimento, constatamos emocionadas que logo nós também seríamos voantes "voláteis"
O primeiro voo

O primeiro voo é inesquecível para todos.
Fui designada para um bate e volta em Paris. Eu estava emocionada, desajeitada ao entrar naquele avião completamente vazio, pronto para receber nossa bagagem antes dos passageiros. Finalmente, comecei a conhecer os segredos dos galleys, que são uma espécie de cozinha de bordo onde estão os fornos para esquentar as refeições, a geladeira para manter as bebidas frescas, todos os carrinhos com os mantimentos, a área destinada ao lixo, os equipamentos necessários para o bom funcionamento do voo. Nessa área, é preparado todo o serviço antes que ele comece. Para as aeromoças, é o lugar mais íntimo, o único lugar suficientemente reservado, que permite alguns poucos minutos de distância dos passageiros, graças a uma cortina que concede alguns preciosos momentos de privacidade nos voos muito longos: as confidências e revelações geralmente vêm à tona ali, no "baú de segredos" das aeromoças.
Verifiquei, além da bagagem, que tudo tinha sido limpo corretamente, que o serviço de catering tinha abastecido corretamente todos os carrinhos, os fornos e a geladeira, que os equipamentos e as luzes de emergência estavam em funcionamento.
Eu era o oposto de minhas colegas, tão desinibidas e seguras nos movimentos, já veteranas, como se diz.
No curso, tínhamos visto todos os alçapões, os carrinhos e as gavetas armazenados dentro do avião. Era uma infinidade, todos completamente cheios de materiais necessários para o bom andamento do voo.
Decidi abri-los todos para ver o que continham e memorizá-los para utilizá-los com mais rapidez.
Fechei-os e logo esqueci a posição e o conteúdo de todos, pois eram muitos, e todos idênticos quando vistos de fora.
Repeti isso várias vezes. Às vezes a sorte me ajudava a adivinhar onde estava o que eu procurava, às vezes me rendia na busca de copos de plástico depois de uma vitória parcial sobre os pacotes de café e leite em pó. Acho que os tapa-olhos mudavam de lugar a cada voo, como se fosse um truque de mágica: depois de encontrá-los em uma gaveta, via-os em algum outro lugar.
Eu olhava minha saia que cobria o joelho, a meia-calça lisa e cor de pele que, até então, nunca tinha usado, os sapatos de salto alto, que combinavam com a bolsa, uma blusa bem engomada, lenço no pescoço, jaqueta frisada e o obrigatório crachá.
Tudo aquilo estava agora no meu corpo. Vesti aquele uniforme pela primeira vez, do jeito mais correto que consegui. Meu nome estava naquela plaquinha, o que era uma grande honra, e eu a usava com orgulho, entusiasmo, até certa solenidade: era o início de um sonho magnífico.
Queria tirar outra foto e mandar para Stefania. O sorriso desta foto seria sincero, ao contrário daquele nas fotos tiradas para a seleção. Além disso, diria que sentia saudades dela e que gostaria que ela estivesse comigo.
Naquele momento, o nervosismo e a emoção do primeiro voo me deixaram dura.
A cor da jaqueta do uniforme era muito parecida com a das poltronas, e eu me sentia mais próxima delas do que de uma aeromoça "de verdade".
Felizmente, tudo ocorreu bem e, acredito, ninguém percebeu minha apreensão durante todo o voo. Talvez tenha aparecido durante minha primeira demonstração dos procedimentos de segurança.
Todos os olhos estavam sobre mim, e eu não estava preparada para enfrentar de maneira natural aqueles inúmeros olhares que se voltavam para mim.
Senti um rubor nas faces, e as mãos começaram a suar, a tremer um pouco, quando demonstrei como afivelar o cinto de segurança.
Nunca tinha tido nenhum problema para encaixar fivela metálica na fenda, mas, naquela situação, ficou difícil. Tentei segurar o tremor dos dedos que me impedia de encontrar o buraco certo.
Já com o suor escorrendo, consegui terminar aquela estranha demonstração, como uma dança seguida de movimentos de mãos.
Sentia-me como uma atriz em um filme mudo que seguia o texto lido e transmitido pelos alto-falantes do avião, enfatizando com gestos as instruções dadas.
Durante os anúncios de boas-vindas, foi estranho ouvir minha voz ecoar por todo o avião, e só depois de muitos voos fui conseguindo modulá-la melhor, tentando evitar inflexões dialetais, principalmente o "ó" aberto. Os anúncios deviam seguir uma fonética estrita e fechada, e que eu precisava sempre repetir:
“Buongiòorno, benvenuti a bòordo.”
“Benvenuti a Ròoma.”
Dei-me conta de que apertando as bochechas e fechando a boca um pouco, contraindo os lábios e evitando as nasalizações, conseguia encurtar o som:
“Buongiòorno”, “bòordo” e “Ròoma” finalmente viraram “Buongiorno”, “bordo”, “Roma”.
Depois de um voo doméstico entre Roma e Bolonha e uma viagem internacional logo em seguida de Bolonha a Paris, cheguei ao destino final, embora aquele maldito "ó" ainda me acompanhasse.
Depois da despedida dos passageiros, um ônibus me levou para o hotel e, como sempre acontecia, depois de feito o check-in, combinamos de sair para jantar juntos.

Nos vemos às 20 horas, nada muito formal.
Foi o que me disseram os colegas antes de ir para o quarto trocar de roupa.
Aprendi por minha conta que é importante ser pontual.
Eu estava feliz por estar em boa companhia e por estar sendo guiada por eles, que conheciam bem a região.
Teríamos jantado no famoso restaurante "La Coupole", na Boulevard Montparnasse, conhecido pelo entrecôte e um bom vinho tinto.
Eu teria provado avestruz com o aperitivo, e teria tirado muitas fotos para lembrar a ocasião. Teria mostrado as fotos para Stefania, minha mãe, meu pais, minhas primas. Eu teria sido a princesinha parisiense jantando em um famoso restaurante francês na companhia de pessoas que viajavam, que conheciam o mundo e viviam em hotéis luxuosos. E eu junto a eles, fazia parte daquele sonho que virava realidade.
Achei que não deveria chegar bem no horário combinado no saguão do hotel, pois "uma senhora deve sempre se fazer de difícil". Era assim de onde vim.
Aprendi que "uma colega" não pode fazer isso, porque aquele "nada muito formal" significa: "Máximo de cinco minutos de atraso permitidos".
Jantei sozinha na lanchonete do hotel, que só servia sanduíche na chapa: comi um croque monsieur de presunto e uma ótima soupe d’oignons, vulgarmente conhecida como sopa de cebola. Aqui, tudo era diferente, até a sopa.
Na época, eu não era acostumada a comer sozinha em restaurantes e estava envergonhada pela situação. Escondi o embaraço com um livro do Hemingway aberto ao lado do prato e o celular em mãos. As mesinhas eram típicas, pequenas e próximas umas às outras. Ao meu lado, estava uma senhora elegante com cabelo preso, vestindo um conjunto da Chanel.
Na manhã seguinte, depois de visitar a torre Eiffel, uma parada rapidinha pelo Arco do Triunfo e as vitrines cintilantes da Champs-Élysées, almocei apressada no renomado “Relais de Venice” na rue Pereire, e não deixei de passar pelo cabeleireiro "Carita", especialista em makeovers, que cortava o cabelo depois de ter estudado os traços da pessoa e adaptando-o ao formato do rosto.
Uma ilustre colega "entendida", que tinha um corte espetacular e que conheci em trânsito no aeroporto, foi quem me aconselhou o local.
Nunca confie cegamente nos conselhos das colegas. Também aprendi essa.
Com uma franjinha horrível sobre a testa e a conta bancária quase zerada (por sorte eu tinha um cartão de crédito, e o champanhe e os canapés de salmão eram cortesia do cabeleireiro), voltei para o hotel bem na hora de pôr o uniforme, tentar esconder a franja com gel e fechar a mala que, sabe-se lá por que, na volta parece nunca ter a mesma capacidade da vinda, e nenhum voo é exceção.
Desta vez, a falta de espaço era por causa do chapéu retrô que, embora fosse quase certo que nunca conseguiria usar, me fez sonhar e, portanto, não resisti e comprei, depois de tê-lo visto no mercado de pulgas de Saint Queen.
Uma colega do voo me disse que tinha ido para a loja de departamento Lafayette e para outra loja na rue du Bac onde se encontram de sofás de P. Starck a lanternas de bolso do tamanho de uma pilha, de sacolas de compras extravagantes a armários feitos de corda e botões. Anotei para ir da próxima vez que estivesse na cidade.
Logo depois da aterrissagem, os colegas prepararam o "happy landing" em minha honra, um drink à base de espumante e suco de laranja para festejar minha "primeira vez".
Voltei para casa lívida, pronta para mostrar meu chapéu novo para a Eva, a única que apreciaria a compra e que seguramente o pediria emprestado. Pelo menos ele seria usado.
Valentina dormia na cama, exausta de um voo longo e despreparada para a súbita mudança de fuso horário e de temperatura.
Em Buenos Aires, é inverno quando na Itália é verão, e a diferença de fuso é de quatro horas.
Seu corpo achava que era noite, pois estava acordada há treze horas (mais ou menos a duração do voo), mas a luz do sol e aqueles raios tão prepotentes diziam que era hora do almoço, o que era estranho, já que tinha comido a janta no voo poucas horas antes.
Naquela noite, não conseguiria dormir. Infelizmente, eu também não, já que dividíamos o mesmo quarto.
A maquiagem borrada no rosto de Ludovica e seus cachos, que pareciam rebelar-se contra as presilhas exaustas que os continham, confirmavam que ela também precisava de repouso. Suas pernas estavam inchadas como dois pãezinhos por causa da pressurização do avião.
Não é surpresa que seu noivo "não volátil", como todos os futuros maridinhos das aeromoças, iria querer sair na manhã seguinte para um passeio com a amada, que não via com frequência. A hora do almoço seria ideal para almoçar, de tarde um passeio pela cidade e, que grande ideia: "um cineminha depois?"
Também seria inútil tentar explicar a necessidade de um longo repouso, não importava o horário que fosse no meridiano de Greenwich.
É difícil explicar ao namorado que não saímos de férias e que aquelas poltronas macias e reclináveis, com lugar para apoiar os braços, era para os passageiros, não para as aeromoças. Também inútil dizer que não tivemos tempo para assistir ao filme que projetam.
Trabalhamos por muitas horas e chegamos exaustas.
Abro a geladeira e já consigo sentir o gosto do lombo que Valentina trouxe da Argentina e guardou no gelo seco durante o voo.
Na cozinha, vendo a nova faca de cerâmica e os saquinhos de chá verde, adivinho a causa da rebeldia dos cachos de Ludovica: o voo para Tóquio dura pelo menos doze horas, nem mesmo seus penteados sempre impecáveis resistiram. Ludovica, antes de se despedir para o tão necessário repouso pós-voo, deu suas impressões sobre aquela cidade tão frenética que contrasta com a delicadeza de seus habitantes, com aquela extrema timidez que os leva às vezes a rir cobrindo a boca, com seus milhares de reverências ao saudar alguém. Ficou impressionada com aqueles vertiginosos arranha-céus, com as multidões de carros e pedestres nas ruas, com a escrita incompreensível dos ideogramas japoneses. Contou que foi ao mercado de peixes de Tsukiji, o maior do mundo, tão limpo e organizado, que viu papelarias de nove andares e bares que comportam no máximo cinco clientes. Contou que se perdeu em Harajuku, um quarteirão de moda na pequena rua Takeshita, entre pequenas lojas da moda frequentadas por jovens com roupas extravagantes. Descobriu que existem restaurantes chamados Maid Café, onde as atendentes escolhem um cliente e demonstram sua submissão, o massageiam e entretêm com danças e canções, como as antigas gueishas. Nos Butler Cafés, os mordomos atendem mulheres de modo similar. Também nos contou que os preços de máquinas fotográficas e filmadoras novas eram muito bons, mas que também era possível encontrá-las usadas em perfeitas condições, bem como as últimas tecnologias que nem tinham chegado à Itália. Disse também que os relógios de marcas famosas custavam até 35% menos do que nas lojas italianas, e que era possível encontrá-los usados também. Disse, por fim, antes de cair na cama de cansaço, que, em um restaurante chamado Al dente, o espaguete era espetacular, quase melhores do que os italianos, e que adorou a massagem com quiroprata que fez em Shinjuku.
Aprendemos algumas regras simples mas necessárias, que eu anotei em uma folha de papel e prendi na geladeira com o ímã que Valentina comprou em Buenos Aires, com dois dançarinos de tango e a frase “Bienvenido a Argentina”, o primeiro de uma série de ímãs que vinham de todas as partes do mundo que acabaram enterrando a geladeira e escondendo aquele lembrete que no começo foi muito útil para todas nós. Nos anos seguintes, passou a fazer parte de mim.
Ele dizia:
"O que não fazer:

Não dar a impressão de estar com pressa.
Nunca falar com os colegas sobre assuntos pessoais durante o serviço.
Evitar expressões de irritação ou mau-humor, assim como comportamento inconstante.
Tentar evitar frases imperativas como 'Feche a mesinha!', 'Cinto de segurança!' ou 'Celular!', mas convidar gentilmente o passageiro a seguir as ordens.
Não falar com os colegas em voz alta.
Tentar encontrar lugares próximos para pessoas que viajam juntas, fazendo eventuais trocas de assento, e sugerir que cheguem ao check-in com alguma antecedência para ter mais opções de assento.
‘Lembrete’
A- Requisitos básicos: capacidade de garantir a segurança a bordo, responsabilidade e profissionalismo.
B - O passageiro precisa de conforto psicológico, proteção do estresse e do medo de voar.
C - Não pode faltar: cortesia, atenção e disponibilidade durante toda a duração do voo.”
Compreendemos, com o tempo, que nosso comportamento é fundamental para resolver problemas a bordo. Alguns inconvenientes eram alvo de críticas dos passageiros e exigiam alguma intervenção. Conseguir comunicar-se claramente e tentar resolver as dificuldades e problemas que apareciam a bordo nem sempre era fácil. Era sempre necessário levar em conta a gravidade do problema, o contexto, o caráter e o estado emocional do indivíduo com quem nos relacionávamos, porque não se conhece nunca a pessoa com quem nos relacionamos a bordo, as situações que poderiam acontecer e as possibilidades de agravamento que poderiam surgir posteriormente.
Com calma e determinação, era fundamental ajudar, transformando o problema do outro em problema nosso, apresentando-se como uma referência segura, compreendendo as razões do ocorrido para resolvê-lo.
Era importante ouvir o que dizia o outro, mas também olhar a situação de maneira objetiva, informar e explicar com sensibilidade e responsabilidade, indicando com transparência as possíveis soluções.
Com frequência, a insatisfação do cliente era influenciada por fatores externos, como atrasos, conexões complicadas, embarques desordenados, aviões desconfortáveis ou serviço de limpeza apressado. Portanto, um comportamento compreensivo e propositivo podia ajudar a resolver os problemas.
Medo de voar

Em um dia de outubro, Eva ficou insuportável depois das discussões que costumávamos ter sobre a arrumação da casa, porque as repreensões eram majoritariamente voltadas a ela.
Eu ouvia os palavrões e as coisas que ela dizia em napolitano, que contrastavam tanto com seu falar comumente desprovido de inflexões dialetais.
Seriam as radiações cósmicas, os campos magnéticos ou o barulho dos aviões responsáveis por aquela mudança de humor?
No meio-tempo, Ludovica decidiu marcar uma massagem ayurvédica para fortalecer os músculos, relaxar o corpo e estimular a circulação com a esteticista indiana que alugou um espaço na vizinhança, e nos informou que, a partir de segunda-feira, estaria de dieta, pois Eva tinha dito que ultimamente parecia ter ganhado peso.
Eu estava aninhada no sofá, com roupas de ficar em casa e um suéter bege masculino; uma coberta sobre as pernas me protegia dos primeiros ventos do inverno, e eu tentava ter um momento de relaxamento.
Não conseguia dormir porque a adrenalina do pós-voo ainda não tinha passado.
De repente, me veio a lembrança do dia anterior.
Eu tinha conhecido a bordo o casal Lucherini: a senhora Lucrezia e o doutor Massimo.
Durante o embarque, logo percebi alguns sinais de tensão em seu comportamento. Eles começavam a tomar assento, com as costas um pouco recurvadas, caminhando rigidamente, com o queixo baixo e uma atitude passiva e dócil.
Os braços dele estavam retos e estendidos rigidamente ao lado do corpo, os dela estavam cruzados, quase se protegendo instintivamente, e ambos olhavam ao redor, como se estivessem procurando algo, uma forma de escapar. As pupilas de ambos estavam completamente dilatadas, como se sofressem de midríase.
Os movimentos do corpo eram lentos, e eu percebia que eles me direcionavam um leve sorriso, que eu retribuía com graça.
Estavam rígidos na poltrona, apoiados na borda externa da cadeira, com um pé para frente e outro para trás, como se quisessem escapar. Mudavam constantemente de posição, como se a poltrona estivesse em chamas.
Meu responsável, que parecia um sósia de James Dean, sempre alegre mas com uma tristeza quase imperceptível no olhar, me fez um sinal para cuidar deles.
Aproximei-me do casal, perguntando se precisavam de minha assistência, e a senhora disse que não, enquanto sua cabeça dizia sim, e começou a balançar o busto, prendendo a respiração como se não quisesse ser notada.
Logo me dei conta da situação. A senhora sofria de um distúrbio bastante comum, que cria diversos problemas e ataca de forma indiscriminada: o medo de voar.
Eu tinha aprendido no curso como me comportar nesses casos: o medo excessivo pode degringolar em pânico, o temor pode ficar insuperável e levar até à total perda do controle.
Os sintomas são vertigem, náusea, nó na garganta, palpitações, suor frio, taquicardia.
Embora eles não tivessem pedido, dei alguns conselhos sobre o que fazer caso sentissem algum mal-estar. Reprimir o nervosismo só o aumenta. Deve-se, no lugar, aceitar os próprios medos e enfrentá-los de forma positiva, para conseguir geri-los e controlá-los.
Além disso, sugeri que não tomassem nenhuma cafeína, lessem um bom livro ou fizessem uma palavra-cruzada para manter a mente ocupada.
Durante a decolagem, vi seus rostos empalidecerem, e a chamada de comissários acender sobre eles.
Depois de tirar o cinto de segurança, fui averiguar a situação.
A senhora começou a se soltar:

Desculpe se a incomodo - disse timidamente -, mas gostaria de informar que estou aterrorizada. Qualquer movimento que sinto, tenho a impressão de que meu estômago se parte em dois. O problema é que o poço de ar me provoca sensações desagradáveis. Preciso pegar o avião para encontrar com minha mãe, que já está muito velha, na Alemanha, então não posso evitar.
Vi que ela passou a mão pelos cabelos e começou a enrolar um cacho freneticamente.
O marido aproximou-se dela, como se quisesse confortá-la, um pouco duro e desajeitado, os lábios contraídos e as mãos suadas. Também dava sinais claros de desconforto.

Os temporais são perigosos? - perguntou baixo, engolindo pedaços das palavras e mexendo os músculos faciais continuamente.
O marido começou a tamborilar com os dedos na mesinha à frente.
Com o tom seguro e decidido, disse:

Não, tudo está sob controle, nós não teríamos partido se houvesse qualquer perigo. Tudo está sob controle – repeti. – A chuva não vai criar nenhum problema para nossa segurança. As sensações desagradáveis que os senhores sentirem será por causa do vento, que causa uma oscilação absolutamente normal.
Voltei ao galley para organizar o serviço com meus colegas.
A senhora me seguiu logo depois.

Por favor, me ajude. Estou com vontade de gritar e chorar. Todo voo é uma tragédia, e eu começo a ficar nervosa um mês antes da viagem, só de pensar em fazer a mala. Morro de vergonha disso, mas não sei o que fazer, gostaria de desaparecer! – ela implorou com fervor e humildade.
Fique tranquila, a senhora pode ter a impressão de que o avião dá solavancos, mas isso é só fricção.
Fui me aproximando lentamente, até que cheguei a seu lado, sem hesitar.
Falando baixo, de modo claro e escolhendo bem as palavras:

Não se preocupe, eu estou aqui – disse levemente recurvada, aproximando-me dela para tentar dar o apoio desejado e tentando diminuir seu embaraço e aquele nervosismo.
Eu respeitava aquele medo irracional e compreendia o desconforto.
Apertei seu braço com firmeza, segurando-a delicadamente com as duas mãos, e olhei em seus olhos para estabelecer um contato mais próximo.
Acompanhei-a de volta ao seu assento.
A senhora parecia minha mãe: mesma idade, muito educada, aparentemente frágil. Foi fácil entrar em sintonia com seus sentimentos.
Durante o voo, passei pela cabine diversas vezes, trocando olhares com ela para tranquilizá-la.
Ela me chamou de novo quando houve mais uma turbulência, e eu tentei sanar aquelas dúvidas e temores que persistiam e transpareciam na postura sempre rígida.
Disse que a segurança do avião é de altíssimo nível, que os controles técnicos e a manutenção são contínuos e que os pilotos são perfeitamente treinados.
Durante a preparação para a aterrissagem, ela me perguntou, com uma tranquilidade fingida:

São normais esses barulhos ou há algo de errado?
Expliquei a ela de onde vinham todos os barulhos que poderiam causar desconfiança: o posicionamento do trem de aterrissagem, a abertura das escotilhas, a aceleração e as variações dos motores, a abertura dos flaps e slats, o toque do nosso microtelefone, os avisos de chamada dos passageiros.
Senti que ela gostou de saber daquilo, mesmo continuando a roer as unhas inconscientemente.
Aconselhei que ela inspirasse e expirasse profunda e lentamente para oxigenar o corpo e relaxar os músculos, adicionando algumas técnicas de visualização positiva para auxiliar no relaxamento.
A senhora agora parecia sentar-se com mais conforto, mais à vontade, assim como o doutor Lucherini, embora em seu rosto ainda houvesse uma expressão incerta, um pouco de fingimento, com o lado direito do sorriso um pouco mais alto do que o esquerdo.

Você é nosso anjo dos céus – disse.
Na descida, houve apenas algumas leves turbulências devidas ao mau-tempo, e o voo terminou com uma aterrissagem macia.

Senhoras e senhores, bem-vindos. Desejamos uma estada agradável.
Chegamos no horário exato a Frankfurt.
Antes de sair, a senhora me deu um abraço discreto e elegante e me agradeceu.
Eu que estava grata por sua gentileza.
O marido apertou minha mão com vigor e a força recuperada, demonstrando a classe que eu reconheci desde o início.

Até logo!
Estas são as lembranças que nos vêm de súbito quando estamos tentando descansar em casa. De repente, ouvi a porta bater.
Eva havia saído.
Pus a coberta sobre o rosto para evitar a luz que entrava pela janela.
Chegara a hora de relaxar. Eu estava quase dormindo, perdida nos pensamentos, achando que voar, ficar preso dentro de um avião, pode não ser nada natural, portanto, desenvolver medos inconscientes é perfeitamente compreensível. Lembrei naquele momento histórias do meu passado. Compreendi como elas podem nos influenciar por praticamente toda a vida.
A adolescência

Desde jovem, ter pouco tempo disponível sempre foi motivo de sofrimento, porque me sentia prisioneira dos poucos espaços pessoais e dos breves momentos de liberdade, já que devia respeitar rigorosamente os horários impostos de forma atenta.
Eu não era dona do meu tempo.
Lembro que, até os 18 anos, precisava voltar para casa no máximo às 11 da noite, nos poucos sábados em que me permitiam sair.
Meus amigos se reuniam às nove para decidir onde comer, então nunca conseguíamos sentar à mesa antes das 10.
Eu sempre tinha pressa, ficava nervosa se o garçom demorava para chegar, não conseguia aproveitar a companhia dos outros porque sabia que precisaria voltar para casa logo.
Só me sobrava tempo para fazer o pedido, na esperança de que um atendimento rápido permitisse pelo menos que eu saboreasse aquela pizza, mesmo depois de perder o apetite, pois meu estômago começava a ficar tenso, e os sucos gástricos se misturavam com a agitação.
De qualquer forma, eu me levantava da mesa já atrasada para voltar para casa no horário estabelecido.
Era sempre difícil convencer alguém a interromper a janta para me acompanhar, mas o horário de retorno era inderrogável e categórico, e eu não tinha nenhum meio de transporte.
No trajeto para casa, eu implorava para que nenhum limite de velocidade fosse observado. Às vezes as luzes vermelhas do semáforo eram simplesmente ignoradas.
Eu morria de medo de correr no carro, e esse medo permanece comigo até hoje. Eu ó via as luzes noturnas passarem voando por mim; os faróis dos outros carros e os postes ficavam para trás muito rapidamente.
Era o preço a pagar para evitar as humilhações e repreensões na minha volta. Se eu saísse da linha, encontrava a porta da frente fechada por dentro e precisava inventar qualquer desculpa para não precisar ver aquela careta ameaçadora de meu pai, enfurecido com minha desobediência, com minha falta de respeito, além de certamente preocupado.
Intimidações e punições vinham na forma de gritos, surras e novas proibições ainda mais rígidas.
Tudo isso só pelo atraso de poucos minutos.
Poucos minutos.
Com certeza meu pai foi severo demais.
Lembro o dia em que eu estava muito feliz por ter conseguido permissão para ir à festa de aniversário de minha melhor amiga. Foram dias tentando convencê-lo.
Iria encontrar um rapaz, colega de classe, de que eu gostava muito.
Como eu precisava deixar minha roupa de acordo com os padrões de meu pai (talvez rigidez de meu pai fosse mais apropriado), a saia não podia ser muito curta, nenhuma peça de roupa justa e sapatos sem salto. Então, decidi provar uma maquiagem que ganhei de presente.
Minhas mãos inexperientes exageraram nas bochechas, aquele blush tão rosa e tão agradável aos olhos, aquele batom tão brilhante, tão vermelho, faziam eu me sentir mais bonita. Um pouco de rímel nos cílios fecharia o look.
Eu tinha 17 anos, e aquela maquiagem ficou horrível aos olhos de meu pai, inadequada para sua garotinha que estava tentando parecer uma moça sedutora.
Irritado, esfregou com força a mão na minha boca, espalhando o batom pelas bochechas para tentar apagar meu trabalho tão cuidadosamente pintado.
Meus olhos começaram a lacrimejar, e o rímel borrou minhas pálpebras inchadas de lágrima. Olhei-me no espelho do banheiro e vi a máscara de um palhaço.
Depois de me lavar com um sabão que queimava os olhos, mas que retirou todos os resíduos da maquiagem borrada, finalmente ganhei permissão para sair e fui àquela tão sonhada festa, com o rosto vermelho e úmido, mas sem maquiagem.
Não consegui me divertir.
Como eu queria, naquela época de adolescente, fugir, ir para longe, partir, viajar, viver sozinha.
Os sonhos, armados de teimosia e força de vontade, às vezes não se tornam realidade. Mas compreendi, naquele dia, onde e quando nascem.
Aos pouquinhos, dia após dia, mês após mês, ano após ano, eu ia aprendendo coisas importantes e adquirindo experiências necessárias para me relacionar melhor com meus colegas e passageiros com personalidade e características diversas e heterogêneas.
Mas também compreendi logo que a organização da minha vida era decidida no fim do mês, quando publicavam a esperada “folha de turnos”, uma planilha aparentemente anônima e fria onde constam as escalas do mês seguinte.
A companhia aérea inseria esse comunicado oficial nos escaninhos pessoais, uma extensão de infinitas caixinhas postais enfileiradas em uma sala no aeroporto digna de filme policial. Hoje o comunicado é feito por e-mail.
A “folha de turnos”, que eu contemplava mês a mês, me dava ansiedade, muitas vezes entusiasmo e grandes expectativas, às vezes desilusão por aqueles repousos e férias que eu pedia e nem sempre eram concedidos.
Todos os encontros, compromissos, casamentos de que poderia ter participado, as finais de futebol, os ingressos de primeira fila no teatro, a despedida de solteira da minha melhor amiga, o aniversário de algum namorado, a ceia de natal, o aniversário dos meus pais, a semana no chalé na montanha, o curso de tango às quintas de tarde: era muito difícil participar disso tudo, e era preciso adaptar-se às decisões tomadas pelo computador da companhia.
A partir daquele momento, era possível aceitar ou recusar convites, combinar encontros importantes, estabelecer horários estranhos para assistir a aulas, fazer de tudo para chegar a tempo em qualquer lugar, ou então chegar, mesmo que atrasada, nas reuniões de condomínio; dizer adeus aos torneios de truco, mas, em compensação, ter a “satisfação” de ouvir Gigi Marzullo, cambaleando de sono por causa do fuso.
Havia cerca de dez dias de descanso por mês, enquanto a divisão valia para os outros 20.
Eu, Eva, Valentina e Ludovica sempre esperávamos ter dias e horários de partida diferentes uns dos outros, tanto para ter mais espaço em casa quanto para poder organizar melhor o tempo em nosso principal problema: banhos muito longos.
Era comum que um voo começasse logo cedo, e o despertar costumava ser uma hora antes.
Depois de um café da manhã muito rápido e uma bela ducha revigorante, punha-se o uniforme preparado no dia anterior, certificando-se de que os sapatos estivesses lustrados e que as meias-calças não estivessem desbotadas da máquina.
Grande parte de nós tinha um segredo “inconfessável”: a camisa ficava por dentro dos collants horríveis – muitas vezes feitos sob medida para evitar o surgimento de veias varicosas e inchaços por causa da pressurização da cabine. Só assim era possível evitar que a camisa escapasse da saia quando levantávamos os braços para organizar as bagagens dos passageiros.
Embaixo da saia éramos uma desgraça!
Organizada a roupa, passávamos a maquiagem, verificávamos se o cabelo estava em ordem e, por fim, os documentos.
Na bolsa de mão, não podiam faltar uma roupa sobressalente, lanterna, o caderno com os comunicados de voo, o manual operacional, meia-calça extra, sapato de salto mais baixo para as rotas mais longas, luvas de pele. No Crew Briefing Center do aeroporto, o lugar onde se reúnem todas as tripulações, começava o briefing em cada uma das salinhas reservadas.
Nós nos reuníamos para conhecer a tripulação, nos apresentávamos, discutíamos questões críticas do voo, sobre as condições meteorológicas, éramos informados dos aspectos comerciais, sobre o tipo de serviço e sobre os passageiros que estariam no voo.
O enquadramento era quase militar: havia uma hierarquia, e ela devia ser respeitada.
À frente de toda a tripulação estava o comandante, depois o copiloto e, a seguir, o assistente de voo, de acordo com o grau.
Todos os assistentes de voo, no que diz respeito ao serviço prestado e o relacionamento com os passageiros, tinham como ponto de referência o responsável da própria área de trabalho que colaborava com o chefe de cabine, o qual, por sua vez, comandava o andamento do voo e mantinha contato com o cockpit, ou seja, o piloto.
Ao final do voo, cada assistente era submetido a uma avaliação escrita e assinada, onde eram avaliados o profissionalismo, a competência técnica, o conhecimento das línguas estrangeiras, a assistência dadas aos passageiros e se a sua aparência estava em conformidade com as normas.
E foi assim que os anos passaram, voo após voo, encontro sobre encontro, fusos horários e noites sem dormir, línguas diferentes, países tórridos e gelados, comidas condimentadas e sabores delicados, céus serenos e turbulências inesperadas.

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