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O Homem Que Seduziu A Mona Lisa
Dionigi Cristian Lentini
Esta é a história de Tristano, um jovem diplomata pontifício com um passado misterioso e tenebroso que, entre estratégias e embustes, entre aventuras e conspirações na Itália Renascentista, executa brilhantemente suas missões dominando a arte da sedução. Chegará, no entanto, o momento em que o destino lhe vai reservar o desafio mais importante. Foi então que Tristano mudou sua vida… é então que seduz aquela que, imortalizada em um enigma por Leonardo, seduziu, mais tarde, o mundo com seu olhar. Um pesquisador temporário do Conselho Nacional de Pesquisa de Pisa, especialista em criptografia e blockchain, encontra por acaso em um arquivo de uma abadia toscana um estranho arquivo cifrado que contém uma história incrível, extraordinária, inédita… da qual não consegue mais se desligar: em uma fria noite na qual a História fazia um ensaio geral do Renascimento, enquanto os senhores da Itália se destruíam uns aos outros pelo controle efêmero das frágeis fronteiras de seus estados, um jovem diplomata pontifício com um passado misterioso preferia dedicar-se antes à arte da sedução que à da guerra. Quem era ele? Não era um príncipe, um líder, um prelado, não tinha nenhum título oficial… contudo, falar com ele equivalia a conferenciar diretamente com o Santo Padre. Transitava com desenvoltura no complexo tabuleiro político do período, mas nunca deixava traços; escrevia a História todos os dias, mas não aparecia nunca em suas páginas… estava em todas as partes, contudo, era como se não existisse. De um povoado a outro, de um reino a uma república, entre estratégias e embustes, entre aventuras e conspirações, Tristano executava com sucesso suas missões… até que o destino lhe reservou um desafio mais importante: descobrir quem era realmente. Para fazê-lo, teve de decifrar uma carta escrita por sua verdadeira mãe e escondida durante 42 anos dos poderosos da época. Para fazê-lo, teve de cruzar ileso aquele incrível período que concentrou um número extraordinário e sem precedentes de personagens (estatísticos, líderes, artistas, literatos, engenheiros, cientistas, navegadores, cortesãos, etc.) que significativamente, drasticamente e irreversivelmente mudaram os rumos da História. Para fazê-lo, teve de seduzir aquela que, imortalizada em um enigma por Leonardo, seduziu o mundo com seu olhar. PUBLISHER: TEKTIME

Dionigi Cristian Lentini
O homem que seduziu a Mona Lisa

NA OCASIÃO DO QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO
DA MORTE DE LEONARDO DA VINCI

O homem
que seduziu
a Mona Lisa

UM ROMANCE DE
DIONIGI CRISTIAN LENTINI
Tradução de André Spiller Fernandes
A história aqui narrada é fruto da pura fantasia e imaginação do autor.
As informações e referências históricas contidas nesta obra têm por fim apenas conferir veracidade à narrativa.
Qualquer referência ou semelhança a fatos, episódios ou lugares reais é mera coincidência.

1ª PUBLICAÇÃO EM ITALIANO – Julho de 2019
2ª PUBLICAÇÃO EM ITALIANO – Novembro de 2019
1ª PUBLICAÇÃO DE E-BOOK EM ITALIANO – Julho de 2019
2ª PUBLICAÇÃO DE E-BOOK EM ITALIANO – Novembro de 2019
[Na ocasião do quingentésimo aniversário da morte de Leonardo da Vinci]

Esta obra é protegida pela lei de direitos autorais.
É proibida qualquer reprodução não autorizada, mesmo que parcial.
Dionigi Cristian Lentini ©2020
A meu tio,
Dom Giovanni Lentini


Prólogo

“Oi, garanhão ;-) Essa noite você foi fantástico. Não pense demais nisso: não se pode ser John Holmes sempre… :-) Assim que chegar no escritório, te mando algo sobre aquele frei galante de que te falei. Bom dia.”
Esta foi a mensagem que Francesca lhe acabara de enviar enquanto seguia para a abadia em seu velho conversível a gás.
Nem tinha ouvido chegar a notificação. Ele estava falando pelo viva-voz com o professor De Rango, que, pela 33ª vez, recomendava que fizesse um bom trabalho e, sobretudo, que cumprimentasse o padre Enzo, abade amigo do reitor… e de sabe lá quantos outros diretores e dirigentes.

– É incrível que a rede de celulares seja tão capilarizada nesta zona perdida na montanha – pensava.
Depois de exatos 27 segundos, decidiu acionar o plano de emergência previsto em tais ocasiões pelo procedimento de sobrevivência aos enchedores de saco…….: “simulação de súbita perda de sinal com status indisponível pelos próximos 30 minutos.”
Cláudio, quarentão, pesquisador temporário no Instituto de Informática e Telecomunicações do Conselho Nacional de Pesquisa de Pisa, com oito anos de contratos temporários no currículo, foi enviado com urgência para uma missão daquelas que os anglo-saxões chamam de “Damage assessment and disaster recovery”, basicamente uma intervenção para avaliar os danos e recuperar os dados do arquivo digital da velha abadia toscana que, 48 horas antes, sofrera um ataque cibernérico de um entusiasmado hacker russo.
Obviamente, a ideia de passar a semana inteira em uma biblioteca medieval, recuperando pergaminhos digitalizados, reinstalando sistemas operacionais, analisando discos de preces e cantos gregorianos (sem talvez sequer um filminho pornô), enquanto o mundo lá fora se ocupa com blockchains e criptomoedas, entusiasmava-o imensamente.
No último ano, ainda não havia produzido nenhum artigo científico. Não por falta de pesquisa ou resultados concretos… talvez simplesmente porque ainda não havia encontrado nada que realmente valesse a pena compartilhar com o resto do planeta. Por isso, era sempre humilhado por seus colegas, que, diferentes dele, publicavam e patenteavam cada flatulência que emitiam depois de comer feijão pelos restaurantes da região.
Enfim, naquela manhã, nem o CD de Hotel California dos Eagles conseguia alegrá-lo.
Chegou ao topo da abadia às 9:37, quando as guitarras de Don Felder e Joe Walsh terminavam um dos solos mais belos da história do rock.

– Oh, doutor, bem vindo a nossa casa. O reverendíssimo padre esperava-o ontem… venha, venha, explico-lhe tudo.
Um cordial, embora alarmado frei recebeu-o, indicando o caminho para o arquivo violado.
A situação era menos grave do que se podia imaginar: o servidor principal estava indisponível, um trojan ransomware havia cifrado muitas informações com chave AES a 2048 bit e solicitava um resgate de 21 bitcoin. A maior parte dos freis não sabia sequer o que era um ransomware ou um bitcoin, mas felizmente a restrição (read/right only) de autorização de acesso aos arquivos de backup estava mantida… além disso – e depois dizem que os monges não são sortudos – a última cópia disponível feita pela sincronização automática de backup era de apenas 16 horas e 18 minutos antes do ataque. Enfim, se não estivesse em um lugar sagrado, nosso pesquisador teria certamente dito: “que m…!”
Portanto, a maior parte estava salva. Tratava-se apenas de eliminar a infecção e restaurar cerca de 9 terabytes de manuscritos e livros digitalizados, transferindo manualmente do disco de cópia ao principal. O que irritava Cláudio ainda mais era que essa operação podia ter sido feita de Pisa, evitando assim que seu já experimentado paladar entrasse em contato com os nutritivos pratos daquele famigerado restaurante com três estrelas Michelin chamado “refeitório”.
Assim, depois de apenas quatro horas, dadas as instruções necessárias para a recuperação do host ao frei que lhe pareceu mais esperto, Cláudio retirou do rack o estritamente necessário, carregou tudo no carro e voltou para casa.
Ah, nesse meio-tempo, voltou o sinal do celular, e ele recebeu duas mensagens:
A primeira, do simpaticíssimo professor De Rango, dizia:

“Nem os maiores ordinários fazem uso de tais artifícios! O telefone aí pega muito bem! Entendi que te enchi o … mas é importante! Me avise assim que tivermos resolvido. Obrigado.”
– Sim, “tivermos” – pensou.
A segunda, de Francesca, tinha uma foto de um pedaço de jornal de dezoito anos antes.
Sua namorada, sabendo da ida de Cláudio àquele monastério, conseguiu encontrar nos arquivos do jornal local em que trabalhava uma cópia do artigo que reconstituía o tenebroso caso da morte do padre Sérgio, um jovem frei sedutor assassinado por um marido ciumento que não se conformava com as confissões tão frequentes da mulher.
O cadáver foi encontrado na frente do retábulo, em um horripilante cenário que lembrava um pouco O Código da Vinci e Seven, e um pouco O Nome da Rosa e Instinto Selvagem.
O caso havia sido arquivado, mas ninguém conseguiu compreender o que queria dizer o escrito em sangue "sinemensura" que o luminol da equipe forense encontrou na batina do pobre religioso.
Provavelmente, na verdade quase com certeza, se não houvesse lido aquele artigo, com outros 370000 arquivos para analisar e a final de Roland Garros na televisão, o pesquisador não se teria detido naquela pequena pasta, no último disco, chamada "padre Sérgio".
Nela, dezenas de arquivos com poesias de amor, fotos de belas jovens e apenas um arquivo com extensão ".axx", um formato criptografado e protegido com senha.
Cláudio sabia bem que a probabilidade de adivinhar a chave de acesso (11 caracteres sobre 95 possíveis) estava perto dos 0,0000000000000000000175% e que, com um ataque de força bruta de 100.000 tentativas por segundo, poderia levar cerca de um bilhão e 803 milhões de anos para descobri-la. Porém, uma vez na vida, deixou os números de lado e decidiu tentar apenas uma vez: digitou "sinemensura" e, como um pirata diante de um baú, descobriu a mais bela história que já leu.

I
A Guerra de Ferrara

Novembro de 1482
O vento frio daquela noite de inverno não atingia os pássaros do Castelo de San Giorgio tanto quando o vento da paixão se alastrava nas suas veias pulsantes. Era o mês de novembro do ano de 1482, Mântua estava fria e deserta… e Beatriz estava deitada na cama de seu quarto com o olhar sonhador, fixo nas águias imperiais do teto… e uma redescoberta imaginação enchendo a mente… inexprimíveis pensamentos que, para uma mulher de sua categoria, beiravam a indecência. Ela sabia que quando o falatório dos Gonzaga tivesse cessado no piso nobre ele, aquele fascinante diplomata que lhe tomava o juízo, chegaria indiferente à – se não se aproveitando da – imprudente ausência do primo dela, também seu esposo prometido (o marquês, com seu pai, combatia há dois dias sob os muros de Ferrara pela estrênua defesa da Casa do Leste, ameaçada pelos venezianos do conde Roberto de San Severino).
Acontece que Girolamo Riario, ambicioso senhor de Ímola e Forlì, fortalecido pelo mecenato de seu tio Sisto IV e com o declarado objetivo de apossar-se em breve do ducado de Hércules d’Este, conseguiu persuadir o doge de Veneza da necessidade de entrar em guerra com Ferrara, que ameaçava, há algum tempo, o monopólio do comércio de sal no Polesine.
A Casa do Leste, certamente mais refinada que militarizada, relacionava-se, não por acaso, com o rei de Nápoles (Hércules casara-se com Eleonora, a filha de Fernando de Aragão) e soube construir alianças com o senhorio italiano circundante, entre os quais também Ludovico Maria Sforza, vulgo o Mouro, ao qual o duque de Ferrara prometera uma de suas filhas em casamento em tempos de mais inocência.
Assim, a península dividiu-se em dois blocos armados rivais: de um lado, o Estado Pontifício, com Sisto IV, Ímola e Forlì com Riario, a República de Veneza, a República de Gênova, o Marquesado de Monferrato e o Condado de San Secondo Parmense; do outro, o Ducado de Ferrara de Hércules d’Este, o Reino de Nápoles de Fernando de Aragão, o Ducado de Milão de Ludovico, o Mouro, o Marquesado de Mântua de Frederico Gonzaga, o Ducado de Urbino com Frederico de Montefeltro, o Domínio de Bolonha, controlado por Giovanni Bentivoglio, e a República de Florença, com Lourenço de Médici.
Depois do verão, as tropas venezianas estavam em clara vantagem: haviam conquistado Rovigo, cercado Ficarolo, tomado Argenta, e agora fechavam o cerco também em Ferrara. A situação tornara-se ainda mais crítica para os lestenses desde que, em setembro, morreu de malária o líder mais experiente da coalizão antiveneziana: o famigerado Frederico de Montefeltro.
Inexpectate, o pontífice, que no meio-tempo havia derrotado os napolitanos em Campomorto, de repente decidiu pôr fim às hostilidades unilateralmente, engajando-se em negociações com o rei de Nápoles. Ludovico o Mouro, exercendo a diplomacia, conseguiu convencer os conselheiros mais próximos ao Santo Padre que a rápida expansão da sereníssima República na Itália setentrional podia ser perigosa e ameaçar tanto Milão quanto Roma. Portanto, continuar naquela onerosa guerra apenas para satisfazer as loucas ambições de Riario não era conveniente para ninguém.
Acontece que Veneza, a um passo da vitória definitiva, não tinha nenhuma intenção de ceder, querendo, pelo contrário, dar o golpe final antes que o inverno ficasse ainda mais rigoroso.
Naquela tarde, os venezianos, aproveitando uma manobra descuidada dos adversários, haviam decidido lançar um ataque do norte sobre as guarnições de Francesco Gonzaga, o qual buscava formas de resistir à força de ataque adversária, concentrado mais do que nunca na estratégia de defesa e absolutamente alheio ao que acontecia nos incensados aposentos de seu belo palácio…
Apenas dois toques na porta: pareceram à jovem apaixonada o dobrar de um sino, como o grave pêndulo de sua mente, que oscilava entre o extremo pudor e a extrema audácia.
A verdadeira coragem não era o desdém ao perigo do marquês, entre as balestras e os mosquetes, mas sim empunhar aquela chave, girá-la e permitir que seu amante atravessasse aquele limiar, último baluarte de um coração já profanado.
Enquanto o fogo da lareira alongava a sombra da porta que se abria, e o impávido cavalheiro a adentrava, Beatriz voltou-se de súbito, deixando cair sensualmente no chão uma pérola de seu chapéu.
– Diga-me que não é pecado – suplicou.
Ele inclinou-se lentamente, apanhou o pingente, apertou-o nas mãos e, acariciando-lhe o pescoço com os lábios, sussurrou a primeira, a única frase daquela noite:
– Certamente o é, mas não o cometer, desperdiçando este momento, o seria ainda mais.
Naquele instante, fechou os olhos e, ignorante da amarga notícia que chegaria no dia seguinte do campo de batalha, voltou-se de mansinho e rendeu-se à paixão. Enquanto seu prometido vinha humilhado pela cavalaria veneziana, ela, amazona montada, exaltava-se, livre para uma noite em que podia ser ela mesma.
Assim, quando cessou o derradeiro estrépito de espada no campo de batalha e a última cepa de lenha do quarto extinguiu-se, a aurora veio comunicar a cada vez mais iminente queda de Ferrara, mas apenas mais uma conquista de Tristano Licini de Ginni.

II
O Jovem Tristano

De Bergamo a Roma
Tristano era um distinto moço de 22 anos, brilhante, culto e refinado. O corpo esbelto e as proporções físicas lhe conferiam o que se chamaria de "uma boa aparência". Apesar da pouca idade, já era um influente diplomata dos Estados Papais e, portanto, tinha bom trânsito em todas as cortes italianas. No entanto, não possuía uma sede fixa, mas era enviado de tempos em tempos pela Santa Sé em missão perante o senhorio da península (e não apenas estes), por vezes à revelia dos embaixadores oficiais, para tratar de questões mais delicadas, reservadas ou mesmo secretas. Todos os senhores e notáveis interlocutores sabiam que falar com ele equivalia a conferenciar diretamente com o Santo Padre, no entanto não possuía nenhum título de nobreza, seu passado era por todos desconhecido, seu nome não aparecia jamais em documentos oficiais, vestia-se muito melhor que muitos condes e marqueses, mas não ostentava no peito condecorações e brasões. Demonstrava meios financeiros quase ilimitados, mas não era filho de nenhum banqueiro ou mercador; transitava com desenvoltura na política, mas nunca deixava traços; escrevia a História todos os dias, mas não aparecia nunca em suas páginas… estava em todas as partes, contudo, era como se não existisse.
Nos três primeiros lustros de vida, viveu na província de Bérgamo, na fronteira com os territórios da República de Veneza, onde recebeu uma boa formação cultural e uma pouco convencional educação sentimental e sexual. Órfão de pai desde criança e, quando pouco mais que adolescente, também de mãe, vivia com o avô, um velho nobre cansado e em decadência que, apesar de tudo, ostentava sempre com orgulho um casarão ao estilo de Frederico II e, no tempo das Cruzadas, estabeleceu laços de parentesco com membros de famílias toscanas tão notáveis quanto já praticamente extintas. O ancião conservava, no entanto, um certo respeito no povoado e no condado, o que refletia também sobre o jovem Tristano. Quando em idade escolar, foi entregue aos cuidados primeiro dos dominicanos, depois dos franciscanos, revelando desde cedo propensão para a lógica e a retórica, embora todo domingo de manhã enfurecesse os tutores por preferir a angélica visão da chegada das noviças na igreja ao estudo dos clássicos gregos e latinos. Às vezes parecia lúgubre em razão da ausência dos pais, mas nunca rabugento. Tinha um temperamento vibrante, mas era sempre contido; um ar astuto, mas nunca impertinente, e feições virtuosas que lhe faziam benquisto por todos no povoado, sobretudo os senhores.
Acabara de completar 12 anos quando algo que mais tarde viria à tona com frequência em seus sonhos de adulto lhe abriu um novo mundo, um acontecimento muito longe das regras monásticas a que estava habituado e das virtudes cardinais sobre as quais lia todos os dias nos livros: era uma tarde quente no começo do verão, as portas e janelas do scriptorium da biblioteca estavam abertas para que a corrente de ar deixasse as leituras menos pesadas. Tristano tinha na mão um tomo sobre Santo Agostinho de Hipona que lhe fascinava em particular e, abancado em um gabinete próximo à janela, preparava-se para mergulhar nas gravosas cartas quando percebeu na rua uma movimentação estranha para aquela hora: Antônia, viúva desconsolada, avançava rápida do pátio da igreja à rua deserta, arrastando sua pobre filha, que há poucos anos havia aprendido a caminhar.
A jovem infeliz parecia querer chegar ao destino despercebida; pouco tempo depois, com ares cada vez mais circunspectos, desviou sua trajetória um pouco à direita e, assim que chegou ao estabelecimento do boticário, entrou. Logo depois, o proprietário, inclinando-se na soleira, lançou um olhar rápido para os dois lados e fechou a porta, que só reabriu meia hora depois, para saírem mãe e filha. Essa movimentação repetiu-se quase idêntica nos sábados seguintes, até que a tentação de a investigar a fundo se tornou irresistível para o adolescente.
Foi assim que planejou esconder-se em um baú que um empregado de seu avô usava para fornecer odres de água de nascente à esposa do boticário, uma rica senhora que, junto de sua filha, preparava os destilados, águas florais e perfumes. Assim que o carregamento estava pronto, Tristano esvaziou o equivalente de seu peso e entrou no baú, deixando que o empregado carregasse tudo no carro e, ignaro, fizesse o transporte até a drogaria, como o fazia habitualmente.
Uma vez lá, escondido em seu cavalo de madeira, como Ulisses em Tróia, esperou que o ajudante do boticário se afastasse para pagar o empregado, saiu do baú e escondeu-se entre os sacos de cereais e ervas armazenados na sala. A partir daí, bastava esperar… E de fato, pouco depois que soaram nove badaladas no campanário da igreja, a bela Antônia, acompanhada da pequena, ingressou pontual na penumbra; a esperá-la na porta estava o cortês alquimistas, que, como um lobo na presa, atirou-se ao generoso peito e conduziu-a através do portal. Enquanto fechava a porta com a mão direita, com a esquerda tateava sob a veste da senhora, a qual, soltando a mão da pequena, se livrava ao mesmo tempo da touca que segurava seus longos cabelos acobreados.
O jovem espiava incrédulo o que acontecia em meio àquele êxtase de ervas Médicinais, temperos, raízes, velas, cartas, tintas, cores… Depois dos primeiros afagos, o boticário largou a presa e deu-lhe apenas tempo suficiente para que a jovem mãe acomodasse melhor a filha em uma cadeirinha com uma boneca de retalhos, depois pegou-lhe a mão e, enquanto a conduzia aos fundos, perguntou sarcástico:

– Então, o que você contou hoje ao padre Berengario no confessionário?
O fervor entre os dois retornou ainda mais forte: entre risinhos e sussurros, seguiram os gemidos; mal o audaz espião afastou a cortina, viu o sexo dos amantes entre ervas, sementes, perfumes, águas aromáticas, óleos e unguentos…
Começou assim sua educação sexual, que logo fundamentou, como qualquer disciplina que se preze, com a teoria (buscando alguns textos que seus tutores consideravam proibidíssimos) e com a prática (provocando inquietações e dúvidas em algumas noviças).
Sua primeira relação completa com uma mulher foi com Elisa di Giacomo, a filha mais velha de um cavalariço que trabalhava na propriedade. Dois anos mais velha, a bela Elisa acompanhava Tristano de bom grado em longos passeios por trilhas em montanhas, seduzida por suas histórias e projetos… muitas vezes, os dois acabavam por namorar em uma cabana ou um abrigo da região.
De fato, estavam juntos no dia de vindima em que um bando de soldados estrangeiros surgiu a galope de repente no meio da festa, passou por trabalhadores alarmados e circundou a cabana. O soldado de mais alto grau, com uma armadura cintilante como nunca se vira naquelas partes, desceu do cavalo, levantou o elmo e, derrubando a porta com um chute, para o total embaraço dos namorados, entrou:

– Tristano Licini de Ginni?
– Sim senhor, sou eu – respondeu o jovem, recolhendo as calças e tentando esconder com seu corpo o corpo seminu da companheira aterrorizada -, vocês quem são, senhores?
– Meu nome é Giovanni Battista Orsini, senhor de Monte Rotondo. Vista-se! O senhor deve acompanhar-me imediatamente a Roma. Seu avô já foi informado e consentiu que o senhor deixe este local e se mude o quanto antes para a residência de meu nobre tio, Sua Senhoria Ilustríssima e Reverendíssima, o cardeal Orsini. Minha missão é escoltá-lo, mesmo que à força, até sua santa pessoa. Peço-lhe que não resista e me siga.
Então, arrancado de seu microcosmo provincial, onde havia encontrado algum equilíbrio, com apenas 14 anos, Tristano deixou para sempre aquelas pobres terras de frágeis fronteiras para alcançar e renascer homem naquela cidade que Deus escolheu Sua sede terrena, na eterna Urbs dos Césares, na caput mundi…
Após 7 dias de viagem extenuante, chegou exausto na residência cardinalícia de Monte Giordano. O jovem hóspede foi logo entregue aos cuidados de um criado e pouco depois levado à presença do ilustríssimo cardeal Latino Orsini, membro de destaque da facção guelfa romana, sumo camerlengo e arcebispo de Taranto, antigo bispo de Conza e arcebispo de Trani, arcebispo de Urbino, cardeal-bispo de Albano e de Frascati, administrador apostólico da arquidiocese de Bari e Canosa e da diocese de Polignano, bem como senhor de Mentana, Selci e Palombara, etc.
No breve trajeto, Tristano perscrutava os olhares severos dos bustos de mármore dos ilustres antepassados do nobre casarão, dispostos em prateleiras com imagens de leões e rosas, emblema dos Orsini. As interrogações em sua cabeça cresciam sem parar, perseguiam-se, amontoavam-se.
Aquele salão de janelas separadas por pilastras, sob tímpanos curvilíneos com cabeças de leões e pinhos, águias coroadas, bisciones de viscondes, etc., pareceu-lhe infinito.
Sua Graça estava no poeirento escritório, ocupado assinando dezenas de papéis que dois diáconos imberbes lhe submetiam com perícia.
Tão logo se deu conta da chegada do jovem, levantou devagar a cabeça, girando-a de leve para a entrada; lentamente, com o olhar fixo no rapaz e mantendo o cotovelo sobre a mesa, levantou o antebraço esquerdo, com a mão aberta, antecipando-se ao seu ajudante que lhe estendia outros documentos. Levantando-se, aproximou-se sem pressa do jovem, como se buscasse o melhor ângulo para apreciar-lhe melhor as feições; acariciou-lhe o rosto com graça, debruçando-se sobre o queixo.

– Tristano – sussurou – finalmente, Tristano.
Depois colocou uma mão na cabeça e com a outra abençoou-o, traçando uma cruz no ar.
O rapazinho, embora detido por uma mistura de temor e reverência, observava-o fixamente, para tentar perscrutar qualquer pequeno movimento da boca e dos olhos que denunciasse o motivo de sua mudança imediata. O cardeal, segurando o precioso crucifixo que lhe ornava o peito, virou-se de chofre para a janela e, avançando, antecipou-se dizendo:

– Você tem o olhar esperto, rapaz. Certamente se pergunta por que essa mudança coerciva a Roma…
Depois de uma brevíssima pausa, continuou:

– Ainda não chegou o momento de sabê-lo. Ainda não… Saiba apenas que se você está aqui, é para seu bem, para sua proteção e para seu futuro. E ainda para o seu bem-estar e o da Santa Igreja Romana, é melhor que você não saiba. Nestes tempos sombrios, mentes insanas e talvez diabólicas conspiram juntas contra o bem e a verdade. Sua mãe o sabia. Esse rosário que você tem no pescoço é dela, nunca o tire. É a proteção dela, a bênção dela.
E continuou:

– Se há algo de precioso em você, deve-o apenas a ela, que com a carne o deu à luz a esta vida temporal e com o coração à vida eterna. Ela, em seu infinito amor materno, antes de retornar a nosso Senhor, deu você aos cuidados de Nossa pessoa e, desde então, guardamos um obscuro segredo que lhe será revelado quando chegar o tempo, e apenas então. Veritas filia temporis.
– Senhor, lhe peço – intervia agora Tristano com a voz trêmula – como qualquer bom cristão, preciso conhecer a verdade.
E, segurando o coração acelerado com a força da coragem, adicionou:

– A vida dos santos, sobretudo de Santo Agostinho, nos ensina a buscar a verdade, a mesma que agora o senhor me esconde.
O clérigo voltou-se de chofre e, dirigindo-se com o olhar severo, mas quase satisfeito com a reação do adolescente, replicou:

– Respondo-lhe como Ambrósio de Milão fez aos que indignamente você gosta de citar: “Não, Agostinho, não é o homem quem busca a verdade, deve-se deixar que a verdade o encontre.” E como acontecia então com o jovem de Hipona, o seu caminho para a verdade apenas começou.
Antes que qualquer um ousasse dizer outra palavra, mirou o acompanhante e concluiu imperativo:

– Agora podem ir.
Tristano, mudo e atordoado, foi acompanhado à porta. Após alguns dias, revigorado e trajado de acordo com aquela casa secular, do Mons Ursinorum foi transferido ao seguimento do sobrinho do cardeal.
Giovanni Battista, não obstante os insistentes protestos do jovem, jamais deu explicações satisfatórias para aquelas misteriosas reticências (talvez não o soubesse ou talvez lhe fora imposto o silêncio), mas se limitou a cumprir completamente a missão dada por seu tio, iniciando logo o órfão na melhor formação diplomática… tendo modo de constatar que o rapaz não tinha a menor inclinação para a vida mística e religiosa.
Tristano, na intimidade das noites, às vezes tornava às palavras daquele primeiro encontro com o cardeal Latino, impotente ante tantos por quês que lhe tomavam a mente: por que não podia ou não devia saber? Por que e de quem devia ser protegido? Por que sua pobre mãe conheceria e teria confiado a tão ilustre clérigo um segredo que dizia respeito a ele? Por que aquele segredo era tão perigoso tanto para ele quanto para toda a Igreja?
Às vezes lembrava dos lugares e das pessoas de sua infância, mas, tendo sido entregue permanentemente por seu único parente em vida aos cuidados daquele novo ilustríssimo tutor, não podia deixar passar a oportunidade de pôr à prova tudo o que havia escutado dos padres dominicanos; concentrou-se, portanto, nos estudos e adaptou-se logo aos ambientes eclesiásticos romanos, às suntuosas acomodações da Cúria, aos colossais monumentos, aos majestosos edifícios, aos fartos banquetes…
… tempora tempore, era como se aquele estilo de vida lhe tivesse sempre sido familiar. Não passava um dia sem ter novas experiências; não passava um dia sem adicionar noções novas à bagagem cultural; não passava um dia sem conhecer pessoas novas: príncipes e criados, artistas e cortesãos, engenheiros e músicos, heróis e missionários, parasitas e covardes, prelados e prostitutas. Um aprender da vida contínuo e inesgotável…
Conhecer o maior número possível de pessoas, de todas as classes, de todas as origens, de todos os estratos, de todas as culturas, de todos os credos, de todas as linhagens, entrar em seus mundos, reter informações úteis, analisar cada pequeno detalhe, perscrutar a fundo cada alma humana… era a base de sua profissão. E esta aparentemente tornava-o amigo de todos. Na realidade, na multidão de homens e mulheres que conheceu ao longo de sua vida, o diplomata podia contar com pouquíssimos verdadeiros amigos, três dos quais conheceu naqueles anos. Guardava um íntimo segredo de cada um deles.
Jacopo, monge beneditino, grande alquimista, estudioso de botânica, misturas, poções, perfumes, mas também criador de ótimos licores e digestivos. Compartilhava com Tristano a paixão pelos clássicos patrísticos e a busca filosófica da verdade. Ainda muito jovem, matou seu mestre com um alambique, um velho pedófilo que abusava sistematicamente de seus pupilos. O cadáver, dissolvido em ácido, jamais foi encontrado.
Verônica, criada por sua mãe em um bordel veneziano, já havia em tenra idade aprendido a arte da sedução que praticava há alguns anos em Roma; sua casa era frequentada por pintores, letrados, militares, ricos mercadores, banqueiros, condes, marqueses e, sobretudo, prelados de alto escalão. Não tinha mais nenhuma família no mundo, exceto uma irmã gêmea que jamais conheceu e cuja misteriosa existência era conhecida só por Tristano.
Ludovico, filho e ajudante do alfaiate pessoal da família Orsini, refinadíssimo, criativo, extravagante, extrovertido, especialista em tecidos e acessórios os mais variados, sempre inteirado das novidades e tendências vindas dos estados italianos e europeus. Seu segredo?… sentia-se mais atraído sexualmente por homens que por mulheres e, mesmo que nunca tivesse ousado manifestá-lo, nutria uma admiração e um afeto particular por Tristano que por vezes ultrapassava a mera amizade.
Sempre que podia, livre das obrigações da Cúria, entre uma missão e outra, o jovem diplomata encontrava seus amigos… Depois de cada missão, assim que voltava para Roma, costumava fazer-lhes visitas, para contar das aventuras e trazer lembrancinhas.
No verão de 1477, o cardeal Orsini adoeceu gravemente. Mandou chamar seu pupilo, que naquele momento estava na abadia de Santa Maria de Farfa. Tristano apressou-se para voltar, mas quando chegou em Roma o casarão já estava de luto. Subindo ao piso nobre, o salão que dava para o morto estava cheio de rituais fúnebres e figurões sussurando: o cardeal estava morto e, com ele, a possibilidade de conhecer pela sua voz o mistério sobre o passado do jovem funcionário.
Infelizmente, o cardeal não havia deixado nada que lhe dissesse respeito. Nem o testamento do prelado tinha qualquer aceno ao segredo mencionado três anos antes.
Nos dias seguintes ao óbito, Tristano investigou com afinco a santa vida de Latino, vasculhando a biblioteca do casarão… mas nada, não conseguiu encontrar nada, nenhum indício relevante… exceto uma página arrancada de um velho diário de viagem. O documento tratava de uma importante missão do cardeal Orsini a Barletta, no ano MCDLIX d.C. Os manuscritos do cardeal estavam quase todos redigidos e conservados com tão obsessiva perfeição que a falta de uma folha, aliás mal cortada, teria sido preenchida e consertada logo, se não por Latino em pessoa, por seus atentos bibliotecários, e isso chamou a atenção de Tristano. Infelizmente não havia ninguém que pudesse dar uma pista ou levantar uma hipótese digna de aprofundamento. Decidiu, portanto, interromper a pesquisa e retornar à Cúria, onde podia continuar seu trabalho diplomático sob Giovanni Battista Orsini, que no meio-tempo recebera a ambicionada nomeação de protonotário apostólico.
Nas primeiras incumbências diplomáticas fora dos Estados Papais, Tristano foi auxiliado pelo núncio pontifício Frade Roberto da Lecce, mas logo sua rara capacidade de diligentia, prudentia et discretione convenceram Giovanni Battista e seus conselheiros a confiar-lhe assuntos cada vez mais críticos e delicados, para os quais devia necessariamente gozar de alguma independência e autonomia.
O complexo contexto da Guerra de Ferrara era um desses assuntos. Não apenas estava o senhorio da península todo envolvido, por muitos motivos e em diversos níveis, mas também nos Estados Papais a situação ficava cada dia mais complicada e exigia hábeis enxadristas, aptos a jogar duas partidas ao mesmo tempo: uma externa e outra, talvez ainda mais perigosa para a Santa Sé, interna; criaram-se duas facções em Roma: os Orsini e os Della Rovere, em apoio ao papa, contra os Colonna, apoiados pelos Savelli.
Enfim, a vida de nosso jovem diplomata não era nada fácil: o aliado garantido do momento anterior podia muito bem tornar-se, em uma noite, o maldito e deplorável inimigo da manhã seguinte, o peão a eliminar do tabuleiro para evitar o impasse ou para possibilitar o roque, a peça a sacrificar para desferir o ataque final…
Após o verão de 1482, a virada da política pontifícia tornava-se evidente. A Santa Sé decidiu pôr fim à guerra e, por isso, Tristano foi enviado à corte dos Gonzaga para manifestar a mudança de intenção de Roma nos confrontos de Ferrara e Mântua. Ao mesmo tempo, gozando da hospitalidade dos patrões da casa e com livre acesso aos refinados ambientes do palácio, o vigoroso rapaz não podia permanecer insensível aos chamados das jovens cortesãs que desfilavam sugestivas para ele.

III
Alessandra Lippi

O encontro com Pietro Di Giovanni e a paragem de Prato
Nos primeiros sinais da aurora mantovana, Tristano, sua jovem amante nos braços de Morfeu, voltara ao quarto há pouco; ele tentava conceder-se um merecido descanso quando uma voz insistente sob a janela o trouxe para a realidade:

– Excelência… excelência… Meu Mestre…
Um soldado com um pequeno pergaminho em mãos exigia sua atenção urgentemente.
A missiva estava claramente em sigilo papal e ordenava que Tristano voltasse a Roma o quanto antes.
Assim, sem sequer esperar notícias do campo de batalha, o oficial pontifício devia deixar a cidade de Virgílio com sua escolta, mas não sem antes redigir duas rápidas mensagens: uma para o marquês Frederico, pedindo desculpas pela partida improvisada e confirmando o apoio do Santo Padre nos confrontos dele e do duque de Ferrara; a outra para sua Beatriz, agradecendo por compartilhar tão generosamente aquela noite e desejando que encontrasse aquele sonhado amor que seu prometido nunca pôde dar.
Cavalgou sem parar todo o dia, parando apenas em Bolonha para alimentar os cavalos, antes de atravessar o Apenino Emiliano ao redor de Florença.
No dia seguinte, atravessando um compacto e silencioso faial, o disparar de uma balestra cruzou o caminho do jovem, fazendo um bando de tordos e toutinegras alçar voo. Enquanto Tristano e seu grupo instintivamente puxavam as rédeas dos cavalos e pegavam nas armas, um cavalo marrom, exausto e sangrando pelo garrote, cortou a frente enlouquecido. Um homem e uma jovem cambaleavam em cima dele. Logo depois, outros quatro cavaleiros, e depois mais dois, claramente seguindo o primeiro.
Por impulso, o audaz embaixador decidiu unir-se à caça no denso bosque, forçando sua escolta a fazer o mesmo.
Assim que o bosque se abriu em uma clareira em declive, os três desaceleraram e, escondendo-se, tentaram compreender à distância o que acontecia.
O cavalo marrom havia caído; os dois jovens, no chão, tentavam em vão proteger-se em uma pequena cabana abandonada, mas já haviam sido alcançados e capturados; dois dos captores estavam desmontados e com espada em riste, enquanto os outros quatro cercavam a barraca.
Enquanto sua protegida usava toda a força para tentar abrir aquela porta velha, o homem, unus sed leo, preparava-se para enfrentar os dois capangas com uma forquilha. Apesar da evidente desvantagem numérica, conseguiu parar um deles com um chute na barriga, voltou-se de chofre para o outro, esquivando-se da espada, agarrou-a e enfiou-a no flanco. Obtida uma arma, olhou rapidamente para a mulher, no meio-tempo cercada pelo resto do bando, e retomou a luta com o primeiro brutamontes, conseguindo desarmá-lo e rendê-lo, apesar de seu tamanho. Enquanto isso, o desesperado grito de ajuda de sua companheira exigiu sua atenção; ao virar-se para a mulher, lançou a espada contra o peito do bruto que os atacava, mas recebeu uma flecha de balestra nas costas do último cavaleiro ainda montado; não pôde fazer mais nada depois que outras duas acertaram suas costas, e os vilões prenderam-no em uma malha metálica similar à usada na caça, atirando-o no chão e imobilizando-lhe subitamente os membros com uma cinta.

– Não, Pietro… – gritou a jovem desesperada – deixem-no! Sou eu quem vocês querem – rebentando em lágrimas.
– Parem – mandou aquele que parecia ser o chefe – não terminem logo. – E, apontando para a pobrezinha, continuou – primeiro nos divertimos um pouco.
– Malditos – gritou o homem rendido, que se contorcia inutilmente – canalhas, covardes, filhos da mãe!
A besta pegou a menina aterrorizada pelo cabelo e, arrancando o vestido, prendeu-a contra a parede da cabana, imobilizando-lhe os braços e, enquanto os outros dois amarravam-lhe as pernas com uma corda, baixou as calças, enfiando-lhe um pano na boca para abafar os gritos.
Naquele ponto, Tristano, não podendo manter-se indiferente a tão execrável violência, decidiu finalmente intervir: saiu com os seus do esconderijo e, irrompendo, atirou-se heroicamente contra aquela hedionda matilha de hienas lascivas. Os estupradores, mesmo com baixas, continuavam em número superior e não foram surpreendidos: a tensão aumentou novamente. No entanto, enquanto um dos agressores colocava as calças, Tristano reconheceu na barra da capa o emblema dos Médici e, antes que os atiradores preparassem suas balestras, alçando a mão ao céu, intimou-os:

– Parem, ordeno-lhes em nome do senhor Lourenço de Médici. – E regiamente estendeu o braço à frente, depois à direita e à esquerda, contra cada um dos quatro homens – Tenho 25 homens em minha companhia prontos para prendê-los e entregá-los às galés de meu amigo Lourenço – respondeu.
O maior de todos, então, reconhecendo no anel o emblema de seu senhor e temendo as sérias repercussões, ordenou que baixassem as armas; tentou também esboçar justificativas para o ocorrido, mas Tristano interrompeu-o imediatamente:

– Vá embora, delinquente.
Os quatro, sem mais ordens, montaram no cavalo e desapareceram no faial.
Os soldados pontífices, ainda incrédulos de como o jovem oficial resolveu a questão, soltaram rápido os jovens e, enfaixando as feridas como puderam, carregaram-nos até o dorso de um cavalo.
Retomou-se então o caminho enquanto o sol começava a baixar à direita.
De noite, chegaram em Prato, onde Tristano conhecia alguém que talvez pudesse cuidar dos dois feridos, permitindo-lhes continuar o quanto antes o trajeto para Roma.
Nos arredores da praça do Duomo, duas meninas acabavam de dar um pedaço de pão a um pobre pedinte com frio e se preparavam para voltar para casa. Tristano saltou de súbito do cavalo e, apontando para as duas jovens, exclamou:

– Alessandra!
A mais magra das duas voltou-se de chofre, observou um momento quem ousava chamar seu nome àquela hora e, confirmando com a vista a sensação que aquele som provocou em suas recordações, respondeu:

– Tristano.
Correu rápido a seu encontro e, livre de qualquer convenção ou inibição, como se estivesse entre jovens que já viveram de tudo juntos, envolveu os braços no ombro dele, estreitando de leve os olhos e apertando a cabeça no peito do inesperado forasteiro.
Alessandra era a graciosíssima filha da senhora Lucrécia Buti e do falecido pintor florentino Filippo Lippi. Sua mãe, um dia irmã Lucrécia, tornou-se freira no monastério de Santa Catarina, obrigada pela família a uma clausura forçada. Seu pai, capelão do convento no mesmo monastério, havia sido reconhecido em vida como um dos melhores pintores de seu tempo e, portanto, frequentemente, incumbido, pelas hierarquias eclesiásticas e pelas famílias mais abastadas, de retratar obras importantíssimas, sobretudo de temas bíblicos e hagiográficos. Foi durante um desses trabalhos que os dois se conheceram. A atração foi inevitável e irreprimível… ela muito bela e sensual, ele muito carismático e sensível: os dois religiosos apaixonaram-se perdidamente. A relação pecaminosa entre os sacros muros do convento durou algum tempo, durante o qual irmã Lucrécia se oferecia de modelo para alguns retratos de frei Filippo, até que este, durante a procissão do Cinto de Tomé, decidiu raptar sua amada e recomeçar com ela uma nova vida de concubinato, indiferente do furor, do escândalo e da reprovação geral. Obviamente, a Igreja dificultou o quanto pôde a relação dos dois, rotulando-a luxuriosa e mesmo diabólica; apenas anos mais tarde, graças à intervenção de Cosimo de Médici, protetor de Lippi perante o Santo Padre, os dois foram finalmente reabilitados e obtiveram a dissolução dos votos. Então, alguns anos mais tarde, nasceu a bela Alessandra.
Tristano conhecera e convivera com a desenvolta garota durante as estadias na adolescência em Florença, na casa dos Médici. Foi tomado de imediato, de alguma forma atraído, ainda mais do que pelo trato gentil e a mente aberta, pela extroversão e independência intelectual da garota, características que certamente herdara de ambos os pais, dos quais expressava intrinsecamente o modus cogitandi et operandi.
Agora a via depois de passado quase um lustro, ainda mais bela, ainda mais mulher.
Os dois entraram em casa enquanto o resto da companhia esperava fora.
Tomaram apenas o tempo para contar à dona da casa o que acontecera poucas horas antes, e os amigos saíram novamente, convidando os demais a acomodar-se. Alessandra, não obstante a hora, mandou chamar um médico e preparar quartos para os hóspedes e assegurou Tristano, generosa, que cuidaria, junto de sua mãe, de ambos os feridos até que se recuperassem.
Assim, enquanto um bom copo de vinho acompanhava as histórias do gentil hóspede e acentuava o rubor das bochechas da bela senhora da casa, Hipnos e seus Oniros desciam lentamente na cidade de Prato.
Na manhã seguinte, logo após as laudes matutinas, o jovem representante, agradecendo a hospitalidade, retomou com sua escolta o caminho para Roma, onde seu protetor esperava-o zeloso… e com mais uma missão a cumprir.
Era necessário, portanto, acelerar a viagem, evitando outros possíveis imprevistos.
A menos de cem passos da povoação, na poeirenta estrada para Florença, os três cavaleiros pontífices apenas começavam a apressar o passo quando foram alcançados por um homem a cavalo cheio de curativos nos braços e pernas.

– Senhor… senhor, lhe imploro. Pare…
O angustiado homem era aquele que Tristano salvou e entregou, junto de sua mulher, aos cuidados da casa de Lippi. O oficial pontifício teve de parar novamente.

– Imploro-lhe, meu senhor, que me escute – continuou suplicante. – O que o senhor fez é muito mais nobre que qualquer brasão que possa ornar seu peito e qualquer coroa que enfeite a insígnia de sua casa.
Descendo do cavalo, ajoelhou-se diante do diplomata:

– Permita-me demonstrar-lhe minha mais eterna gratidão e oferecer-lhe meus serviços para quitar em parte a inextinguível dívida que contraí no momento em que Vossa Excelência retirou a mim e minha mulher da ferocidade homicida daqueles monstros. Durante toda a noite, não pude deixar de pensar no que aconteceu e tomei minha decisão: se aceitar, ofereço-lhe, sem pedir nada em troca, minha humilde espada e juro-lhe fidelidade enquanto me permitir servi-lo.
A Tristano, devido ao importante ofício que desempenhava, não faltava proteção. Além disso, até então sempre esteve só… mas brotava dos olhos daquele homem uma luz especial e um senso de reconhecimento sincero, leal, desinteressado, fora do comum. Tanto que, sem que o humilde camponês dissesse mais nada, perguntou:

– Qual é o seu nome, insolente?
– Pietro di Giovanni, meu senhor – respondeu levantando a cabeça.
– Levante-se, Pietro. De nada servirá sua proteção contra a ira de meu senhor, devida ao atraso que você me impôs… Não tenho brasões ou insígnias ou casas a ostentar, mas prezo seu reconhecimento e aceito seus serviços. Agora, no entanto, se se preocupa tanto assim, antes que eu desista, suba no cavalo e vamos sem mais demora.
Assim, a esquadra retomou o caminho para a Cidade Eterna.

IV
O anel do Magnífico

Juliano de Médici e Simonetta Vespúcio
Pietro, homem maduro, áspero, com aparência desgrenhada, mas não tão rude, era muito hábil com a espada (com a herança do pai, havia frequentado a escola bolonhesa de Lippo Bartolomeu Dardi); tinha ótima técnica e, apesar de não tão jovem, bom preparo físico; não gostava de se dizer um mercenário, mas, como tantos outros, tinha ganhado seu pão trabalhando para um ou outro senhor, participando das tantas batalhas e lutas que aconteciam na península naquele tempo.
Durante a viagem, em um momento de marcha mais lenta, o espadachim aproximou-se de Tristano e, cuidando para nunca deixar o nariz do cavalo passar o de seu senhor, ousou perguntar:

– Vossa Excelência me permite uma pergunta?
– Claro, Pietro, diga-me – respondeu o distinto funcionário, virando a cabeça de leve para seu audaz ajudante.
– O que o senhor fez para conseguir aquele anel? É realmente o anel do Magnífico?
Tristano hesitou alguns instantes com um leve sorriso no rosto, mas, sabendo poder confiar naquele homem, que conhecia há poucos dias, mas já estimava tanto, deixou a desconfiança de lado e começou seu relato:

– Passaram-se sete anos desde quando o cardeal Orsini me levou a Florença pela primeira vez, acompanhando uma delegação médica criada especialmente para assistir Sua Excelência Reverendíssima Rinaldo Orsini, arcebispo de Florença, doente e sem sinal de melhora há duas semanas. Chegando à cidade, enquanto o physicus e seus aprendizes – entre os quais estava também meu amigo Jacopo – foram logo enviados à diocese para cuidar do paciente, o cardeal me levou consigo à casa da senhora Clarice, sua sobrinha e esposa de Lourenço de Médici, o Magnífico Senhor.
Ainda posso lembrar o olhar doce e materno com que dona Clarice me acolheu, oferecendo-me a mão. Apresentou-me a seus familiares e amigos e logo me pôs todos os confortos da casa à disposição. Toda noite, seus banquetes tinham convidados letrados, humanistas, artistas, refinados cortesãos e… principalmente belas mulheres.
A mais bela de todas, à qual até hoje nenhuma consegue igualar-se e destronar, era Simonetta Cattaneo Vespúcio.
A noite em que a vi pela primeira vez, vestia uma sobreveste de brocado forrada com veludo vermelho, que deixava à mostra um generoso decote, e lindamente delineada por uma gamurra preta, que se amoldava perfeitamente aos belos seios e preservava a suave forma daquele admirado e desejado corpo. Caíam soltos sobre os ombros a maior parte dos louros cabelos ondulados, enquanto uma parte estava recolhida em uma longa trança decorada com cordéis e pequenas pérolas. Alguns cachos rebeldes enquadravam aquele rosto harmonioso, fresco, radiante, etéreo. Seus olhos eram grandes e melancólicos, sensualíssimos, assim como aquele sorriso esboçado nos aveludados lábios semiabertos, exaltados pela covinha no queixo e tão vermelhos quanto a sobreveste.
Se eu não tivesse recebido a terrível notícia de sua morte algum tempo depois, ainda acreditaria que ela era uma deusa encarnada em um perfeito invólucro feminino.
Tinha apenas um único defeito: já tinha marido… ciumentíssimo e com razão. Com apenas 17 anos, casou-se em sua Gênova natal com o banqueiro Marco Vespúcio, com a presença do doge e de toda a aristocracia da república marítima.
Era muito amada (e invejada) pela sociedade; durante os anos, tornou-se a musa favorita de muitos literatos e artistas, entre os quais o pintor Sandro Botticelli, amigo de longa data da família Médici. O pintor apaixonou-se platonicamente por ela e pintava seus retratos em todos os lugares: até o estandarte que fez para a justa daquele ano, vencida por Juliano de Médici de maneira épica, continha seu etéreo rosto.
No dia seguinte, fomos convidados a um banquete na vila de Careggi organizado pelo Magnífico em homenagem à família Borromeo. O intuito velado era apresentar uma das filhas destes a seu irmão Juliano, o qual, no entanto, como talvez tantos outros, havia perdido a cabeça pela senhora Cattaneo. Inclusive, depois das primeiras formalidades, Juliano retirou-se ao jardim, onde esperava a esposa de Vespúcio, aproveitando-se da ausência do marido, que estava em uma viagem oficial naquela manhã.
Entre um prato e outro, Lourenço deleitava seus hóspedes declamando preciosos sonetos de sua própria composição. Fazendo coro à declamação, alguns ilustres convidados respondiam à rima, animando o simpósio. Além de nobres amigos e familiares, sentavam-se à mesa estimados acadêmicos neoplatônicos como Marsílio Ficino, Ângelo Ambrogini e Pico della Mirandola, além de diversos expoentes do Conselho florentino.
Embora fosse o chefe da família mais rica e potente de Florença e estivesse se tornando, cada vez mais, o incontestável árbitro do equilíbrio político da península, Lourenço tinha apenas 26 anos; teve o mérito de construir em torno de si uma corte jovem, brilhante, mas também prudente e capaz. Após poucos dias de convivência, tornou-se para mim um modelo a seguir, a personificação de valores a aspirar. O que claramente nos diferenciava e que jamais poderia igualar, além dos 11 anos de idade, era o fato de ele poder contar com uma sólida e coesa família: sua mãe, dona Lucrécia, era, ainda mais depois da morte de seu cônjuge Pedro, sua onipresente cúmplice e conselheira; Bianca, doce e amada irmã, admirava o irmão e não perdia a oportunidade de tecer-lhe elogios, brilhando-lhe os olhos sempre que pronunciava publicamente seu nome; Juliano, obstinado irmão mais novo, apesar de eventuais tensões e impertinências, também estava sempre a seu lado, envolvido em cada sucesso ou insucesso político do irmão; Clarice, embora conhecida por algumas indiscrições conjugais, nunca deixou de amar o marido e sempre o apoiaria contra todos, mesmo contra sua família de origem, se necessário fosse. Era bonito ver aquela corte familiar em torno da qual a cidade, com elegante subordinação e reverência, apertava-se em cada festa, em cada celebração, em cada banquete. Aquela foi uma ocasião exemplar disso, a qual, como outros, tive o privilégio de presenciar.
Mas antes que o confeiteiro fizesse sua grande entrada no salão, ouvi um cão latindo fora da vila e decidi por instinto sair para ver por que o animal queria chamar a atenção de seus senhores. Ao entrar no jardim, descobri incrédulo Juliano e Simonetta debatendo-se no chão, sem controle dos próprios membros: a senhora Vespúcio, o rosto corado, os olhos e a boca abertos, tremia como vara verde; seu amante, ao contrário, tentava tapar o corpo, alternando entre risadas e delírios. Sem demora voltei para dentro e, aproveitando uma pausa nas festividades, com máxima discrição, pedi que Lourenço me seguisse.
Vimos os dois corpos sem vida caídos no chão. Lourenço mandou-me chamar um médico imediatamente; embora sacudisse o irmão mais novo, este não reagia de absoluto, nem aos golpes, nem às vozes. Logo depois, começaram as convulsões.
A situação era crítica e muito delicada. Em alguns instantes, no semblante do Magnífico a emoção e o desconcerto transformaram-se em pânico gerado pela impotência. Embora quisesse pedir ajuda a qualquer um presente na casa que pudesse oferecê-la, sabia que a descoberta dos dois jovens naquela condição, além do enorme escândalo, teria significado a perda do importante apoio político de Marco Vespúcio a si e sua família, o que era, naquele momento, decisivo no Conselho já minado pelos Pazzi (o nobre Jacopo de Pazzi, sem sombra de dúvida, aproveitaria a situação para tomar o controle da cidade).
Nem a imediata chegada do médico e do boticário tranquilizou Lourenço, que continuava a questionar-me sobre o que eu tinha visto antes de ele chegar. Os doutores, embora desde o início desconfiassem de um envenenamento, não conseguiam identificar a substância responsável para poder indicar um remédio. No meio-tempo, chegou Ângelo Ambrogini, o único, além de sua mãe, em quem Lourenço confiava cegamente; foi encarregado de pensar em uma desculpa aos convidados, que começavam a perceber e apontar a ausência do chefe da casa. Com a ajuda de Ângelo, os corpos logo foram levados em segredo para um abrigo próximo.
Percebi então que onde antes jazia o corpo de Simonetta havia um cestinho com mel e frutas do bosque, tudo aparentemente comestível e inofensivo. Peguei com a ponta dos dedos um mirtilo e apertei-o. Num instante lembrei-me que Jacopo me mostrou em Roma, alguns meses antes, uma planta muito venenosa chamada "atropa", também conhecida como "cereja de Satã", cujos frutos eram muito parecidos com o comum mirtilo, embora letal mesmo em pequenas quantidades. As folhas de atropa maceradas são comumente usadas pelas mulheres para dar brilho ao olhar e dilatar a pupila, para ficarem mais sedutoras. Minha hipótese foi aventada pelos médicos e confirmada pelo fato de que ambos os moribundos apresentavam manchas escuras nos lábios. No entanto, o cientista sentenciou que, naquele caso, não havia nenhuma cura conhecida, lançando o dono da casa na mais desesperada resignação.
O ocorrido foi aclarado alguns dias depois: alguém, a mando de Francesco de Pazzi, havia substituído os mirtilos pela atropa naquele cesto de frutas que dona Vespúcio viria a dividir com seu amante. Juliano, portanto, envenenou-se em um jogo erótico, chupando os frutos venenosos diretamente da boca da bela Simonetta. Assim, depois de alguns minutos, a potente droga fez efeito.
Ainda horrorizado pelo ocorrido, ousei intrometer-me uma segunda vez e propus ao senhor Lourenço um derradeiro esforço, consultando a delegação pontifícia hospedada na diocese. O magnífico, fazendo-me prometer a máxima discrição, consentiu e mandou-me buscar Jacopo com pressa, com quem voltei em seguida. Meu amigo analisou os frutos e ministrou um antídoto vindo de desconhecidas terras africanas. Depois de cerca de uma hora, os sintomas amenizaram, a temperatura dos doentes começou a baixar e, em oito dias, os jovens estavam completamente recuperados.
Todos os suspeitos foram afastados, dentro e fora dos muros. Quando Marco Vespúcio retornou à cidade com seus banqueiros, não tomou conhecimento de nada: ele estava ainda mais rico, Simonetta estava ainda mais bela, Juliano ainda mais apaixonado… mas, acima de tudo, Florença pertencia ainda mais aos Médici.
Até o arcebispo parecia recuperar-se aos poucos; preparamo-nos, portanto, para retornar a Roma. No entanto, o Magnífico, como gesto de afeto e estima, além de agradecimento e reconhecimento, honrou-me com este que todos consideram uma das maiores condecorações da república: o anel de ouro com seis bolas, um passe universal entre os territórios da cidade… e não apenas lá.
Desde então, sempre o carrego comigo, como um precioso testemunho da amizade de Lourenço e eterna memória daqueles infelizes amantes que, como Páris e Helena, muitas vezes correram o risco de transformar Florença em Tróia.
Durante toda a narração, Pietro, fascinado e tomado pelos fatos extraordinários, pela oratória do narrador e pela riqueza dos detalhes, não ousou dizer palavra.
Esperou alguns segundos depois do alegre fim para certificar-se de não estar profanando o incrível conto e, contraindo seu semblante impassível, finalmente disse orgulhoso:

– Obrigado, Senhor. Servir-lhe não será apenas uma honra, será um prazer.
Depois de dois dias na estrada, a via Cássia revelou o esplendor de Roma. Embora homens e animais estivessem bastante cansados, diante daquela visão, os ânimos revigoraram-se, e os corpos recuperaram a força. Tristano acariciou o cavalo e apressou o passo.

V
A condessa de Forlì

Girolamo Riario e Catarina Sforza
Nos aposentos do protonotário, não encontrou Giovanni Battista, mas um gordo clérigo que o convidou a encontrar o ocupado monsenhor direto na basílica de São Pedro, para onde este havia sido convocado com urgência pelo pontífice em pessoa. Encontrou ambos mergulhados em uma reunião séria, frente ao monumento fúnebre de Roberto Malatesta, herói da batalha de Campomorto.
Ao lado de Sisto IV estava seu sobrinho, o sinistro capitão general Girolamo Riario, que Tristano conhecia por ter sido um dos principais defensores da malsucedida conspiração de Florença quatro anos antes, ordenada em detrimento de seus amigos Lourenço e Juliano de Médici e que custou a vida deste último.
Não satisfeito de receber de seu tio as Senhorias de Ímola e Forlì, depois de não ter conseguido tomar posse de Florença e falhado na conquista de Urbino, o insaciável Riario arriscava agora também assistir ao malogro definitivo de suas ambições sobre Ferrara.
A República de Veneza continuava indiferente às advertências e excomunhões do pontífice; assim, após ter retirado seus embaixadores de Roma, ameaçava cada dia mais as fronteiras milanesas e os territórios da Igreja em Romanha. Era isso que preocupava agora, mais do que qualquer outra coisa, o velho Sisto IV.
Antes que fosse tarde demais, pensou-se em jogar a carta aragonesa: falava-se em encaminhar Tristano à Nápoles do rei Fernando para tentar convencê-lo, após Campomorto, a estabelecer um novo acordo de coalizão (do qual participariam também Florença e Milão) contra a Sereníssima. Na verdade, Giovanni Battista não se entusiasmava muito com essa solução e propôs no lugar tentar tratar diretamente com o doge, mas, dada a firme determinação do Santo Padre, teve de aceitar o encargo.
O mais satisfeito com a solução era obviamente Girolamo, que via nesse movimento o último vislumbre de esperança de sentar à mesa dos vencedores como protagonista e finalmente pôr as mãos em Ferrara.

– Monsenhor Orsini – convocou este último antes que o Santo Padre dispensasse os presentes. – Queiram fazer-me a cortesia, Vossa Magnitude e o Nosso honorável embaixador, de aceitar o convite para um sóbrio banquete que eu e minha senhora ofereceremos amanhã de noite em meu humilde palácio em Sant'Apollinare para inaugurar o período do Santo Natal.
Giovanni Battista, deferente, aceitou agradecido.
Tristano, que de propósito não se pronunciara diante do capitão, finda a reunião, reservadamente, foi também persuadido por seu protetor a aceitar o convite sem reticências. Descendo a escadaria da basílica constantiniana, Orsini intimou-o:

– Amanhã de manhã espero-o em meu escritório para os detalhes sobre Mântua, mas antes confirme a presença a Riario. Você poderia até declinar o convite do sobrinho do papa, mas não de seu filho!
Logo depois, partiu em uma carruagem e desapareceu entre as vias movimentadas da cidade.
O jovem diplomata estava exausto, e aquela última indiscrição deixou-o atônito; entrou na primeira estalagem aberta e, depois de colocar algo no estômago, convidou Pietro e os dois cavalos para o abrigo temporário; enquanto o sol se punha, seguiu a pé para casa.
Chegando em casa, no entanto, as emoções daquele dia pareciam ainda não terem acabado…
Da rua, viu uma fraca luz de vela iluminar por um momento o andar mais alto da residência.
Pegou na espada e, subindo com cautela ao piso superior, viu o lampejo reacender no quarto de dormir…. Depois outro brilho mais intenso e uma terceira vela…

– Quem está aí? – perguntou, tirando uma adaga de um escudo na parede. – Saia! – e, com um chute, escancarou a porta entreaberta do quarto.
Uma impertinente risada dissolveu a tensão e, diante de seus olhos, delinearam-se as curvas de um corpo feminino que conhecia bem. Era sua Verônica.

– Diga-me, ó meu herói. Meus ouvidos estão loucos para escutar sua voz – sussurrou a insubstituível confidente e impagável amante.
– Não tanto quanto as minhas mãos para acariciar suas ancas, minha cara – rebateu Tristano, colocando as armas na cadeira onde estavam as roupas da jovem meretriz e, deixando a capa azul-marinho cair no chão, foi viril a seu encontro.
Ela sorriu, aproximando-se um pouco da boca, e soltou os louros cabelos. Ele tirou a camisa e, empurrando-a para a cama, acrescentou:

– O conto de seu herói você deverá merecê-lo.
Entre risadas e joguinhos eróticos a que ambos estavam habituados, o cansaço desapareceu rapidamente.
No dia seguinte, recuperadas as forças, buscou o elegante casaco de lã negra que mandou fazer antes de partir para Mântua, dirigindo-se, ob torto collo, ao evento dos Riario.
O novo palácio, que surgia das ruínas de um antigo templo de Apolo, era estupendo. Fora projetado pelo mestre de Forlì Melozzo di Giuliano degli Ambrosi para saciar a mania de grandeza de Girolamo e o refinado gosto de sua jovem e bela senhora: Catarina Sforza, filha natural do falecido duque de Milão, Galeazzo, com sua amante Lucrécia Landriani.
A amável e desenvolta dona da casa recebia com seu consorte, vinte anos mais velho, os ilustres convidados no admirável pátio, apesar da particular rigidez daquela noite. Vestia uma longa e apertada gamurra, ornada sensualmente com rendas negras que faziam contraste com a palidez de sua pele. A veste estava fechada com cordões frontais e acrescida de mangas bordadas com fios de ouro, costuradas com diversos tecidos, cortados e amarrados por fitinhas, e de cujos cortes brotava a alva camisa. Os cabelos estavam envoltos por um sensual véu decorado com pérolas e pepitas de ouro.
Assim que chegou sua vez, Riario apresentou obsequioso o agradável convidado à mulher:

– Sua Excelência Tristano di Ginni, aquele em quem Sua Santidade põe Sua total confiança e graça – disse, como se quisesse sublinhar que era daquele homem que dependia o sucesso da próxima empreitada e o destino de sua família.
– Uma extraordinária fama o precede, senhor – enfatizou Catarina, voltando-se de imediato ao convidado.
– Extraordinária é a confecção de seu magnífico pingente gravado a cinzel com a excelente técnica dos mestres franceses de fusão de cera persa, senhora – respondeu logo o jovem diplomata, encarando o longo pescoço e levantando a mirada aos olhos, profundos, orgulhosos por pertencer a uma estirpe de gloriosos guerreiros, mas ao mesmo tempo taciturnos, conformados portais de uma alma insatisfeita, fiéis indicadores da típica infelicidade da alegria de fachada.
Tristano foi capturado por esses olhos, não se desligou deles nem um momento durante toda a noite e, aproveitando a ausência temporária do marido, entretido do lado de fora por cardeais e políticos, ousou convidar a senhora a uma basse dance.
Ela, desde Milão, costumava praticar diversas atividades, mesmo as consideradas inconvenientes para seu sexo e sua categoria: era uma hábil caçadora, tinha verdadeira paixão pelas armas e uma forte inclinação ao comando, herdada de sua mãe, além de amar entregar-se a experimentos de botânica e alquimia. Era aventureira e amava os aventureiros.
Embora todo o salão prestasse atenção, não pôde recusar.

– Adoro a escultura grega de Policleto e Fídias. E a senhora? – perguntou Tristano enquanto os passos de dança permitiam que a boca dele se aproximasse do ouvido dela.
– Sim, é sublime. Adoro-a também eu – respondeu Catarina sorrindo.
– Nunca viu a coleção de arte do palácio Orsini? Há corpos hercúleos de mármore inestimáveis – acrescentou o audaz cavaleiro.
– Oh. – fingiu admirar-se e inquietar-se a nobre. – imagino… O senhor também precisa ver os retratos de meu Melozzo, que guardo com zelo em meu palácio –  replicou voluptuosa, antes que a música os separasse.
Durante o resto da noite, a refinada dona da casa ignorou as atenções do jovem sedutor, que, ao contrário, não via ou sentia nada além do brilho e o odor daquela pele que acabara de tocar.
A ceia terminou e, um após o outro, os comensais abandonaram o exitoso banquete.
Tristano já estava no pátio quando um pajem se aproximou com um bilhete  dobrado…

"As obras de meu Melozzo estão no salão do piso nobre".
E assim como não pôde recusar o convite do filho do papa, não podia de forma alguma recusar o de sua estimada nora. Voltou para dentro e seguiu o empregado até o piso superior, onde esperou impaciente o momento em que poderia finalmente desatar aqueles longos cabelos louros, sob os quais descobriu a intensidade dos lábios, escarlates como as feridas das inúmeras misérias humanas.
Catarina tinha uma psique complexa… e a complexidade da psique de uma mulher um bom sedutor sabe observar melhor em duas circunstâncias: no jogo e entre os lençóis.
Até a aurora do novo dia, não se poupou, nem mesmo quando confidenciou a Tristano, entre lágrimas, as violências sofridas desde criança.

– Às vezes os segredos só podem ser confiados a um estranho – disse.
Logo depois, começou sua comovente narrativa:

– Não era eu a esposa prometida a Girolamo Riario: estava tudo acertado para que fosse minha prima Costanza, à época com onze anos de idade, quem se uniria diante de Deus àquele animal raivoso. Na véspera do casamento, porém, minha tia Gabriela Gonzaga exigiu que a consumação da legítima união apenas acontecesse após três anos, ao chegar a idade legal da pequena Costanza. Diante de tais condições, Girolamo, furioso, anulou o matrimônio e ameaçou terríveis repercussões contra toda a família pela grave humilhação sofrida. Foi assim que, como se faz com um anel danificado, meus pais substituíram-me pela prima recusada, consentindo a todas as exigências do despótico esposo. Eu tinha apenas dez anos.
Tristano, chocado, apenas a abraçou com força e enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto.

VI
O cerco de Otranto

Ahmed Paxá e a liga contra os turcos
Depois de alguns dias, arranjados os últimos detalhes, o incansável mandatário pontifício partiu para Nápoles.
Acompanhando-o na secreta missão estava o valente Pietro, plenamente recuperado e ansioso para ver a cidade partenopeia de que seu pai lhe havia tanto falado quando era jovem.
Para Tristano, não era a primeira vez e, após as insistências um tanto impertinentes de seu servente, começou a contar dos ocorridos de quase três anos antes:

– Eu estava tão animado e curioso quanto você agora. Pense, eu só conhecia Nápoles por um velho mapa beneditino desenhado para mim pelo meu falecido avô, para mostrar onde minha mãe havia prestado serviço à corte quando jovem.  Acompanhei o Frade Roberto, meu mestre e guia, que à época era conhecido como Frade Roberto Caracciolo da Lecce, até a maravilhosa capela real de Nápoles, e juntos advertimos o rei Fernando de Aragão do iminente perigo turco nas costas orientais.
Uma enfática carta do Grão-Mestre dos Cavaleiros Hospitalários havia informado o pontífice sobre a tentativa da República de Veneza de pressionar os otomanos a realizar uma expedição contra a península italiana, mais especificamente no Reino de Nápoles. Obviamente, isso, causava indizíveis preocupações não apenas aos aragoneses, mas a todo o cristianismo.
No entanto, Ferrante (nome que os súditos davam ao rei Fernando), não apenas se manteve alheio aos avisos sobre os turcos, mas logo ordenou, irresponsavelmente, a remoção de 200 cavaleiros de infantaria de Otranto para lançá-los contra Florença.
Assim, o grão-vizir Ahmed Paxá, depois de uma tentativa frustrada de tomar a Ordem dos Cavaleiros de São João de Jerusalém, aportou sem problemas com sua frota na costa de Brindisi, voltando sua atenção para a cidade de Otranto. Logo enviou seu mandatário àqueles brancos muros, garantindo a vida do povo de Otranto em troca da imediata rendição incondicional. O povo, no entanto, não apenas recusou as condições do mensageiro turco, mas desastrosamente o mataram, provocando a previsível ira do feroz Ahmed Paxá.
No verão, os turcos irromperam na cidade como feras sedentas de sangue e em poucos minutos destruíram tudo que se opunha a eles.
A catedral foi o único refúgio para mulheres, crianças, velhos, homens com deficiências, moradores aterrorizados, o último bastião onde se proteger quando todas as outras defesas haviam caído: os homens reforçaram os portões, as mulheres, com os filhos nos braços, em fila ao longo da cosmogônica árvore da vida, pediam aos religiosos a última comunhão… e, como os primeiros cristãos, exaltavam a Deus com um triste canto litúrgico à espera do martírio; a cavalaria arrombou o portão, os demônios lançaram-se, viraram-se contra a multidão sem fazer qualquer distinção; o arcebispo ordenou em vão que os infiéis parassem, mas foi ignorado, ferozmente golpeado e decapitado junto com os seus; nem mulheres ou crianças foram poupadas daquela cega fúria homicida. Mulheres nobres saqueadas e desnudadas, as mais jovens estupradas repetidamente na presença dos próprios pais e maridos amarrados pelo pescoço, mortas antes na honra e na alma que no corpo. Da catedral, a mais cruel e hedionda violência espalhou-se por toda a cidade. Num primeiro momento, oitocentos homens conseguiram fugir para uma colina, mas mesmo eles foram presos pelo exército do bárbaro chefe e passados um a um pelo fio da cimitarra. A população foi abominavelmente exterminada: dos cinco mil habitantes, ao fim do dia contavam-se apenas algumas dezenas, poupados sob a condição de converter-se ao Corão e pagar a incrível quantia de trezentos ducados de ouro.
Apenas quando essas execráveis notícias chegaram à corte, Ferrante compreendeu o enorme erro que cometeu e decidiu confiar a reconquista daquelas terras a seu filho Afonso.
Paternalmente, o Santo Padre escreveu a todas as senhorias da Itália, pedindo-lhes que botassem as rivalidades internas de lado para formar uma frente única contra a ameaça otomana e, em troca, concedeu aos aderentes da liga cristã a indulgência plenária. Dada a gravidade da situação, a Cúria disponibilizou 100.000 ducados para a construção de uma frota de 25 galés e o equipamento de 4.000 soldados de infantaria.
Ao apelo de Sisto IV responderam, além do rei de Nápoles, o rei da Hungria, os duques de Milão e Ferrara, as Repúblicas de Gênova e Florença. Como era previsto, nenhum apoio chegou de Veneza, que no ano anterior havia firmado um tratado de paz com os turcos e não podia permitir-se parar mais uma vez as rotas comerciais com o oriente.
Apesar da tardia, mas imponente mobilização cristã, os otomanos não apenas conseguiram manter sob seu controle a Terra de Otranto e parte da Terra de Bari e Basilicata, mas estavam prestes a voltar seu exército para o norte sobre a Capitanata, e para o oeste sobre Nápoles.
Foi graças a nossa diplomacia que se conseguiu interceptar uma mensagem de Maomé II na Anatólia; oportunamente modificada e acondicionada, entregamos a Ahmed Paxá por um espião nosso. O capitão turco mordeu a isca: com dois terços de seu exército, deixou Otranto temporariamente e embarcou para Valona; durante a travessia, foi cercado pelas naves da liga cristã e finalmente, depois de meses de conquistas e vitórias, sofreu uma derrota devastadora, pesadíssima, tão grande que foi obrigado a fugir em uma pequena embarcação na Albânia.
A notícia da vitória naval e, ainda mais, da terrível fuga do chefe bárbaro, reergueu a moral dos napolitanos e seus aliados… o duque Afonso conseguiu reorganizar um discreto exército de mercenários apoiados também pelos outros senhores católicos, que agora viam a reconquista de Otranto e da Apúlia como uma possibilidade. A Espanha enviou 20 naves, e a Hungria, 500 soldados escolhidos.
Foi um dos mais imponentes cercos navais que a História registra: o colossal cerco de Otranto.
Enquanto Tristano falava, os cavalos começavam a cansar-se e precisavam de água limpa. Ele olhou em volta e parou a épica narrativa.
Pietro estava como sempre encantado e mudo, sonhador como as crianças que ouvem pela primeira vez os poemas homéricos e virgilianos.

– E depois? O que aconteceu? Como acabou, senhor?
– Bem, o resto é bastante recente: depois da morte de Maomé II, o novo sultão proibiu Ahmed Paxá de retornar à Itália. No fim do verão do ano seguinte, esgotados pela fome, a sede e a peste, os otomanos renderam-se, e os aragoneses finalmente retomaram controle da cidade. Segundo alguns, o famigerado líder turco está preso, outros dizem que foi executado por seus próprios soldados em Edirne. “O quam cito transit gloria mundi”, concluiu Tristano.
– Como, excelência?
– Nada, Pietro, nada. Apressemos o passo. Os fartos e hirtos seios da sereia Partenope nos esperam.
Acariciando o cavalo, apressou o passo, deixando para trás um Pietro ainda mais confuso.

VII
Dom Ferrante e os porquês de Nápoles

A emboscada e a criada
Depois de dois dias, chegaram a uma ensolarada e atarefada capital, bem no meio de um colorido mercado que vendia qualquer coisa que se pudesse conceber: frutas sobre móveis, peixes em cordas de cânhamo, da música à esculturas, de doces a animais, de relíquias a prostitutas.

– Quem faz uma viagem a Nápoles deve estar preparado para conhecer pelo menos 3 divindades: a massa, a muçarela e os strufolis – disse Tristano brincalhão a seu companheiro.
– Espero conhecê-las todas logo, senhor – retrucou Pietro.
Deixaram os cavalos em um pequeno estábulo e seguiram a pé pelos becos, por onde se articulava aquela confusa exposição de rua.
Mas logo os forasteiros perceberam que estavam sendo seguidos. Tentaram então confundir-se com a multidão, entre as tendas dos bancos, abrindo caminho entre os mercadores, mas aquele sujeito parecia conhecer aquele ambiente melhor que qualquer outro e não tinha nenhum problema em segui-los de perto. Pietro decidiu então confrontá-lo; gesticulou a Tristano que se desviasse por uma viela secundária e, assim que o homem dobrou a esquina, sacou sua espada, tentando dissuadi-lo.
A ele juntaram-se logo outros dois, muito bem equipados.
Cinicamente ameaçadores, começaram a aproximar-se, abaixando-se e curvando-se como leões sobre a presa. Depois de algumas voltas ao redor de Pietro, começou a luta: o de veste escura adornada com penas lançou um ataque duplo sobre Pietro, da direita e do alto, e de chofre avançou com o sabre na altura da cintura, fazendo aquele recuar. O outro usava um gibão vibrante com adorno octogonal de preciosos lápis-lazúli incrustados. Virando-se, levantou a espada ao céu, convidando Tristano a fazer o mesmo; lançou então a espada na direção do punhal de Tristano, que prontamente deteve o golpe, contra-atacando com sua espada e um chute na perna do adversário. Enquanto isso, o terceiro homem, de calças listradas, sacou uma espada e começou a ajudar o primeiro, alternando-se com este contra o espadachim bolonhês; lançou a espada na altura da cabeça, que Pietro bloqueou levantando o braço e invertendo a espada com a lâmina para baixo; depois, fez um amplo arco no ar e respondeu ao golpe, forçando o adversário a mudar de posição.
Enquanto o ar aquecia com as faíscas das lâminas e o estrondo dos punhais, eles entravam sem perceber nas escuras vielas da cidade velha.
Pietro fez um recuo sábio e deu um pequeno passo adiante com uma ameaça de investida; após outro vacilo falso, partiu para o ataque decidido: rapidamente, avançou com a espada de baixo para cima e, com um magistral jogo de punho, deu um golpe da direita para a esquerda, forçando o valentão a abrir o braço e deixar seu peito desprotegido; bloqueando então a lâmina com o escudo, afundou inexorável a arma no peito.
No outro fronte, Tristano estava em sérias dificuldades, enfrentando um adversário bem treinado, ágil, que avançava com o joelho esquerdo golpeando com a mão direita e vice versa, simulando rotações com o corpo, mudando com agilidade ritmo e guarda, na busca de qualquer incerteza na vacilante defesa do diplomata. Pietro tentou prestar-lhe socorro, e o teria feito se também não estivesse ocupado com seu osso duro de roer.
Caíram de repente na cabeça dos napolitanos enormes lençóis brancos  remendados e chumbados nas pontas; ficaram presos neles por alguns instantes. O assobio de um malandro indicou a Tristano e seu ajudante uma via de fuga e, quando os valentões conseguiram soltar-se, a portinhola de uma cantina subterrânea já havia engolido os forasteiros, dando-lhes segurança por algum tempo.
Cessado o perigo, puderam finalmente retornar ao beco, que no meio-tempo se encheu de alguns pobres coitados, mas não viram nem puderam agradecer os meninos de rua a quem provavelmente deviam a vida; haviam desaparecido, assim como o saco de dinheiro do bravo Pietro!
Enfim, depois de espontâneos e justos palavrões, os dois riram-se e, ao meio dia, chegaram ao Castel Nuovo.
Foram logo recebidos com os maiores cumprimentos do velho soberano, que, embora indisposto com o papa, conservava por Tristano um particular senso de reconhecimento e uma consideração que ia além das respectivas funções públicas: provavelmente via nele o amigo Latino.
Foi na verdade o cardeal Orsini, então legado apostólico a latere, que, dado o boletim de investidura concedido pelo papa Pio II e apoiado pelo cardeal Trevisan, pelo arcebiso de Nazaré em Barletta, Giacomo de Aurilia, pelo arcebipso de Taranto e de muitos outros prelados, em 4 de fevereiro de 1459 d.C., com uma extravagante cerimônia na praça diante do castelo de Barletta, coroou Fernando I de Nápoles, abençoando-o no triplo título de rei da Sicília, de Jerusalém e da Hungria. O episódio e os acontecimentos dos dias seguintes à coroação foram registrados por Latino naquela página de diário estranhamente arrancada e misteriosamente desaparecida do arquivo pessoal do cardeal.
Dom Ferrante e dom Tristano fecharam-se em conclave por mais de duas horas.
Antes de partir, o funcionário pontifício empenhou-se para afastar o principal obstáculo diplomático às relações da Santa Sé com a corte partenopeia: fez que a secretaria real tomasse conhecimento de algumas missivas secretas, obviamente falsas, que o embaixador veneziano em Nápoles enviava ao doge. Nesses despachos, o soberano napolitano era descrito como inepto, vaidoso e libertino. A reação aragonesa foi imediata.
Graças ao retorno do homem da Sereníssima e à pessoal estima do rei, o colóquio foi muito cordial e, ao fim, embora dom Ferrante não tivesse tomado nenhuma decisão, a Tristano pareceu que o soberano estava disposto a considerar as razões expostas e analisar o cenário proposto.
Não se equivocou: dois dias depois, convocou o jovem pupilo do falecido cardeal Orsini e comunicou-lhe verbalmente que o Reino de Nápoles participaria da nova aliança contra Veneza. O comando seria confiado a seu filho Afonso, duque da Calábria, que também assumiu a função de capitão da liga. O acordo seria formalizado e oficializado no dia de Natal.
Tristano estava muito satisfeito.
Depois de uma abundante ceia de massas e doces natalícios, certamente desprezados pelos barões e demais cortesãos representantes da nobreza napolitana, o jovem decidiu retirar-se a seu apartamento para tentar relaxar, tomando um banho na banheira quente que sua majestade tão generosamente mandou preparar.
A velha senhora que lhe havia preparado o banho, enquanto arrumava os últimos lençóis em um armário, continuava a mirá-lo fixamente, mas Tristano não lhe fez caso, pois estava imerso em seus pensamentos e questões futuras.

– Vocês têm os mesmos olhos. Sua mãe era uma santa mulher – disse a mulher, antes de desaparecer atrás da porta do quarto.
O sonhador voltou-se de chofre. Aquelas palavras puxaram-no de volta à realidade em um instante.

– Espere – gritou em vão.
Como aquela criada conhecia sua mãe? Seria possível que tivesse encontrado ou trabalhado com ela durante o período em que a jovem havia servido aquela corte? Tristano precisava saber… Saltou da banheira e, tapando-se como pôde, colocou a camisa, as calças, as botas e correu para procurá-la pelo palácio.
Subindo ao piso de serviço, ouviu inconfundíveis gemidos humanos, alternados por murmúrios mais agudos misturados com o estalar regular de madeira queimando, vindos do quarto ao fundo das escadas.
O confeiteiro, sublime artífice daquelas deliciosas obras de açúcar dispostas sobre a mesa de banquetes do palácio, costumava satisfazer as criadas malandras que ao fim do dia limpavam a cozinha. No entanto, naquele momento o jovem embaixador não tinha tempo para aquele tipo de espetáculo e, dando uma rápida olhadela, passou decidido adiante.
Depois da cozinha, em um estreito corredor, entreviu metade do perfil corpulento de uma mulher, caído de costas através da porta aberta de um quarto com a lareira acesa, que iluminava o entorno como se alguém tivesse tentado mover o corpo depois de derrubá-lo. Era exatamente a senhora que Tristano procurava.
Correu até a criada, que tinha os olhos arregalados e a boca semiaberta, e já não respirava. No chão do quarto, percebeu uma pequena pedra de um intenso azul, provavelmente parte de uma joia de lápis-lazúli similar àquelas incrustadas no adorno da arma do rival de alguns dias antes.

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