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No Olho Do Furacão
Rebekah Lewis
Um desejo de aniversário, um pirata de outro tempo, um conto de fadas moderno… O cruzeiro de aniversário que Serena fez para comemorar os seus 28 anos não estava saindo conforme o planejado. Todos os seus amigos, com a exceção de um, cancelaram e quando a que veio com ela fica doente, ela é forçada a passar o aniversário sozinha. Por ser introvertida, a probabilidade de se esforçar para conhecer alguém é praticamente inexistente. É então que ela faz um desejo para uma estrela cadente que cruzava o Triângulo das Bermudas. É a coisa mais louca acontece… Christophe Jones nunca pediu para ser pirata, mas quando foi obrigado a se juntar à tripulação, ele foi subindo de posição em um esforço para poder escapar. Só que era mais fácil planejar a fuga do que fugir. Quando finalmente tem a oportunidade de se afastar e voltar para sua antiga vida, ele se agarra a ela, ou é o que tenta fazer, pois um redemoinho o puxa para debaixo das ondas… só que ele não se afoga. Christophe vai parar trezentos anos no futuro, e se vê cativado por uma bela mulher. Será que Serena poderá abrir o coração para o belo estranho que conta uma historinha que não faz sentido nenhum? Será que Christophe voltará para o seu tempo ou ficará preso ali? A pergunta pesa nos pensamentos do pirata enquanto ele sofre por Serena, cujo desejo de amor o convocou atrás dos séculos. Será que eles estão mesmo destinados a ficar juntos?

Rebekah Lewis
No Olho do Furacão

NO OLHO DO FURACÃO

REBEKAH LEWIS

Translated by WÉLIDA CRISTINA DE SOUZA
Este é um trabalho de ficção. Quaisquer referências a pessoas reais, filmes, programas de televisão, organizações e localizações foram usadas para dar autenticidade à história e estão sendo usadas de forma fictícia. Todos os nomes, personagens, negócios, eventos e incidentes ou são produtos da imaginação do autor ou foram usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência.

Original editado por Sandra Sookoo
Capa por Victoria Miller

Copyright © 2016 by Rebekah Lewis
Todos os direitos reservados.

Este livro, ou qualquer parte dele, não poderá ser reproduzido ou utilizado de qualquer forma sem a autorização por escrito do autor, exceto em breves citações em avaliações do livro.

Original impresso nos Estados Unidos da América.

www.Rebekah-Lewis.com

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DEDICATÓRIA

Para todos os que amam contos de fadas, piratas e finais felizes, esse livro é para você

CAPÍTULO UM
18 de junho de 1715

Uma mão sacudia na água escura e agitada, segurando-se com força no bote. Se não fosse pela luz da lua, Christophe o teria perdido antes de uma segunda mão se juntar à primeira e uma cabeça cabeluda de olhos arregalados aparecer sobre a borda. Os membros pertenciam ao pirata magricela que tentou eviscerá-lo enquanto tentava de fugir do navio que ia a pique.
O rangido da madeira acompanhado pelos estalos e estilhaços precederam a pancada quando o mastro caiu na água. O murmúrio dos gritos ecoava pelo horizonte negro do mar infinito. Ninguém para ouvir os homens morrendo, exceto o segundo veleiro que se distanciava da destruição que causou. A pólvora permeava o ar salgado com sua espessa fumaça negra, fazendo os olhos de Christophe queimarem mesmo ele tendo conseguido direcionar o bote para longe do naufrágio.
O homem na água lutava para se impulsionar para o bote, fazendo-o balançar perigosamente. Ele era feio, desnutrido e lhe faltavam vários dentes. A água do mar tinha escondido os traços de suor e falta de banho, mas ainda havia um pouco de bolor no casaco dele que ficara mais evidente por causa da umidade. Ou ele ou o pirata cabeludo teriam um encontro com as profundezas geladas, e Christophe não tinha planos de comparecer a essa reunião em particular. Não quando a liberdade finalmente tinha dado sinais. Esse homem, que Deus proteja a sua alma, não atrapalharia a sua fuga.
Além do pirata encharcado, uma barbatana triangular rompeu a superfície, a carne cinzenta e molhada brilhou no prata pálido que ondulava através das ondas. O tubarão cortou a água como uma lâmina letal, circulando silenciosamente o barco como se percebesse que o jantar esperava por ele. Ou não… já que o pirata que se puxava sobre a borda do bote não conseguiria entrar.
– Desculpa, camarada. – Christophe se encolheu com o estalo seco da própria voz. A fumaça não lhe fez nenhum favor. Na verdade, estava feliz demais por estar deixando a pirataria, e esse maldito estilo de vida, para trás quando remou com o bote para longe. Finalmente entrava no próximo capítulo da sua vida. O problema era que o pirata agarrado ao barco como uma craca indesejada com certeza tiraria a sua vida assim que ele fosse a bordo. Era melhor descartar completamente aquela opção.
Christophe puxou os remos para dentro do bote e então desembainhou a espada. Supôs que poderia se limitar a atirar no homem, mas preferiu preservar o máximo de munição possível. Então ele abaixou a lâmina da espada, como se fosse um cutelo, em direção ao local onde o pirata se agarrava ao barco, mas errou carne e osso e bateu na madeira nua. Com um grito agudo, o pirata se soltou e agitou os braços abertos enquanto caía nas profundezas azuis, chapinhando enquanto tentava se manter à tona. Uma segunda barbatana se juntou à primeira, rodeando o barco pelo lado oposto, e então se afundaram. O homem tossiu, gritou e desapareceu.
Christophe embainhou a espada enquanto vasculhava a superfície da água, mas o pirata não ressurgiu e o primeiro tubarão continuou a circulá-lo, esperando. Desarrolhando a garrafa de rum que tinha pegado durante a fuga, Christophe a ergueu em saudação ao bucaneiro e tomou um bom gole.
– Espere o quanto quiser, tubarão. Você não vai ter um gostinho de mim. – Ele tampou a garrafa e a enfiou na mochila que tinha feito às pressas, então colocou os remos de volta no suporte das laterais do barco, preparando-se para a partida.
Chegaria às Bermudas ao meio-dia, isso se não saísse do curso, e já que só teria rum como alimento até lá, precisava se apressar e ficar acordado até conseguir chegar à terra. De outra forma, teria sua pistola ou se jogaria aos tubarões, mas nenhuma dessas opções tinham o mesmo apelo que a liberdade.
Christophe fechou os olhos, inclinou a cabeça para trás e suspirou. Liberdade. Ansiava por ela há tanto tempo, mas nunca tivera oportunidade para persegui-la sem que houvesse represálias. Sempre tinha havido olhos sobre ele. Sussurros e moedas trocando de mãos por informação quando o navio aportava. Se capturado, a punição pela tentativa de fuga seria severa. Trabalhou muito duro para subir as posições e poder ter essa oportunidade e não iria perdê-la agora. O dinheiro que tinha lhe garantiria uma refeição ou duas e ele poderia trabalhar para conseguir uma passagem de volta para as colônias.
Iria para casa.
O esperado alívio com aquela perspectiva não foi tão forte quanto deveria ter sido. Queria muito ir para casa. Temia, no entanto, que não fosse ser aceito de braços abertos. Tornar-se um pirata, mesmo não tendo sido por escolha própria, tinha posto um preço em sua cabeça. Os crimes cometidos durante o tempo que fez parte da tripulação eram o suficiente para levá-lo à forca. Não importava o fato de ele ter sido forçado à prática, porque as leis sobre a pirataria não eram misericordiosas. Sua volta para casa traria uma mancha para a família, caso a verdade fosse revelada. Sua vida estava tão à deriva quanto ele naquele momento, remando sem destino, exceto pelo propósito de encontrar algo para comer e um lugar para dormir. Perdido. Desamparado. Sozinho.
À distância, A Serpente do Mar, o galeão que tinha atacado, recuava com apenas as velas de velocidade distinguíveis na noite enfumaçada. E, à sua esquerda, bolhas, destroços flutuando, alguns ainda em chamas, e corpos marcavam a localização do Calypso. Assim que a água entrou com maior rapidez, a embarcação afundou. Uma bala de canhão no lugar certo tinha selado a desgraça da escuna. Enquanto a tripulação do navio atacante fazia reféns, o Barba Magricela tinha sido o único pirata a notar a sua retirada. O pirata tinha estado tão determinado a impedi-lo de pegar um dos botes do Serpente do Mar que nadou atrás dele em vez de alertar os outros.
E ele fez um bom trabalho, mesmo com o agito do mar e a ingestão de água salgada. Oh, e então o maldito acabou virando isca de tubarão. A experiência não deve ter sido muito agradável.
– Antes você do que eu – murmurou. Até faria um cumprimento com o chapéu, mas o perdeu durante a fuga. Antes o chapéu do que a vida.
Bem quando tinha acreditado que a tripulação com a qual viajava era formada pelos homens mais estúpidos que já conheceu, o Serpente do Mar chegou com menos bom senso do que o resto deles. A única razão pela qual sobreviveram era que eles tinham mais armas e mais homens. Sem muito intelecto em qualquer um dos lados, os músculos ganharam rapidamente.
Não passou pela cabeça de nenhum deles que um dos tripulantes do Calypso fosse a bordo do Serpente do Mar em vez de lutar para mantê-los fora do navio e que, então, fugiria no bote dos rivais. Ele riu, sentindo a dor por remar percorrer o corpo cansado. Precisava de descanso, mas não agora. Tinha que chegar ao fim do curso perigoso ao que tinha se jogado.
Pouco mais de um ano atrás, ele tinha sido raptado pelos marinheiros depois de desmaiar na taverna por causa de uma bebedeira. Christophe acordou no mar com um monte de piratas sanguinários que tinham baixa moral e nenhum respeito pelas mulheres. Pensar naquilo levou um sorriso ao seu rosto. Dependendo da quantidade de rum que tomasse, ele mesmo poderia ser um pouco canalha. Enquanto o ano se passava, e a fuga parecia menos provável, conseguiu, de alguma forma, ganhar a confiança da tripulação e do capitão, o suficiente para que acabasse sendo elevado a contramestre do Calypso. Provavelmente porque ele era um dos poucos que tinha o mínimo de bom senso para fazer o maldito trabalho. Ele era letrado, e o dono anterior do posto morreu de disenteria. Uma forma horrorosa de ser morrer.
Quando o Calypso começou a afundar, Christophe hesitou por um mero segundo antes de partir para a ação. Agora, quem restou da sua antiga tripulação ou estava morto ou tinha sido levado prisioneiro junto com o Serpente do Mar. Ninguém procuraria por ele. Já tinha passado muito tempo para que alguém descobrisse a sua identidade e pedisse um resgate. E tudo ficaria bem mais uma vez. Finalmente.
Resignando-se a ficar vivo, e longe dos dentes dos tubarões, ele só desejou chegar à terra, o que tinha começado como um plano tão decente quanto a maioria dos planos decentes começava. Ele parou de remar para descansar os braços, mas o cabelo da nuca se arrepiou e ele olhou em volta. O primeiro sinal para voltar a remar para o outro lado deveria ter sido o brilho abaixo da superfície.
A coisa o rodeava, um brilho azul-esverdeado debaixo da água, espalhando-se cerca de quinze metros em todas as direções. Christophe parou para admirá-lo e tentava, ao mesmo tempo, desvendar a causa. A água escura se agitava ao redor do brilho. Nenhuma luz que já tinha visto, seja de lamparina ou de fogo, já criou um brilho assim. Um homem supersticioso presumiria que aquilo era algum trabalho de bruxaria ou magia negra, mas ele não acreditava em mágica. Ele ria de tais disparates – isso se não estivesse olhando para uma luz que parecia vir de outro mundo e que estava brilhando bem no meio do oceano.
As listras da pele do seu companheiro tubarão ficaram claramente visíveis enquanto ele o rodeava com os dentes afiados e mortais. Em volta dele, cardumes de peixes brancos se afastavam freneticamente para todas as direções. Aquele foi o segundo sinal para a retirada, mas era tarde demais.
Um enorme redemoinho se formou abaixo, lento de início. Explosões brilhantes de água turquesa giravam, ficando cada vez mais largo e profundo, até que o meio se afundou e o rugido do mar sugou o bote como uma tromba d’água em uma tempestade de luzes. Não pôde fazer mais nada além de jogar a mochila sobre o ombro e se segurar com a vida enquanto a corrente capturava o bote e a embarcação começava a girar indo para o fundo do abismo.
Havia tantas coisas que desejava para a vida. Casamento, filhos. Fazer a diferença, ainda que não soubesse de que forma. A pirataria tirou tudo dele, e ele se permitiu ter esperança, talvez esperança demais, de que poderia voltar ao caminho a que tinha se proposto antes.
Nunca voltaria.
Christophe ia morrer, sem dúvida, e se não fosse afogado, então seria pela pressão de ser engolido pelo vórtice. De qualquer forma, o rum iria com ele; um pequeno prazer ao qual se agarrar na vida após a morte.


18 de junho de 2015

Eu queria me apaixonar por um homem diferente de qualquer outro que eu já conheci.
Serena abriu os olhos enquanto o meteorito sumia. Fazer um desejo para uma estrela-cadente era meio infantil, mas o conforto do ato tinha sido mais nostálgico que qualquer coisa. Momentos mais tarde, os fogos de artifício se acenderam no céu com explosões de ouro, azul, violeta, verde e vermelho. As explosões de luzes azuis e verdes eram particularmente vívidas, refletindo na água que seguia o rastro do navio, quase como se tivessem sido disparadas por debaixo da superfície. Lindo.
Os passageiros foram só “óóó” e “aaa” enquanto apontavam para o efeito. Com vários outros estouros acima, o navio sacudiu e virou para a esquerda, indo em direção ao lugar ali na água que tinha emitido a luz azul-esverdeada. Serena segurou a amurada com força para se equilibrar. Na água, os reflexos dos fogos de artifício diminuíam, mas o brilho pareceu quase girar ali por um instante, como o ralo de uma banheira. Quando piscou, ele desapareceu.
Uma criança começou a chorar atrás dela, provavelmente assustada por causa do movimento brusco do navio, e o tumulto a fez voltar para a realidade.
– Por favor, permaneçam calmos – alguém disse no sistema de autofalante. – Algo bateu no navio. Provavelmente um… tubarão-baleia? – O sistema de comunicação desligou com um estalido seco. Serena engoliu o impulso de rir. Eles anunciaram mesmo que tinham batido em um tubarão, como se eles não tivessem certeza de que tinham batido mesmo? Não achava que aquele seria o tipo de coisa que anunciariam, mas quem era ela para saber?
Ao seu lado, uma mãe segurava os pequenos com força enquanto eles tentavam espiar sobre a amurada, esperando ter um vislumbre do tubarão-baleia que foi capaz de agitar um navio de cruzeiro. Não parecia plausível, mas, se era mentira, o que mais poderia ter causado o movimento?
– O navio não machucou o turbarão, machucou? – uma garotinha perguntou enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto. – Coitadinho do tubarão.
Serena se afastou da amurada enquanto um homem magro com óculos bifocais olhava ao redor, a paranoia gravada em seus olhos arregalados.
– Esse navio é grande demais para sofrer o baque do golpe de um tubarão-baleia – ele deu voz aos pensamentos dela antes de se virar para o amigo, que se limitou a erguer uma sobrancelha, então ele prosseguiu. – Estamos no Triângulo, cara! Alienígenas.
Ela bocejou e achou que aquela era a sua deixa para voltar para a cabine. Alienígenas e Triângulo das Bermudas eram duas coisas nas quais não acreditava e não começaria a acreditar agora. A nostalgia de infância por fazer um pedido para uma estrela-cadente desapareceu, e a meia-noite parecia uma ótima hora para ir para a cama. Os vinte e oito não a estavam tratando com bondade no que dizia respeito a ficar acordada até tarde, mesmo tendo aquela idade pelo total de um dia. Costumava ser muito boa em só ter duas horas de sono, mas ultimamente… se não dormisse ao menos de 6 a 8 horas, ficava com o humor de uma fera. Além do mais, era para ela se divertir na viagem.
Divertido não era exatamente a palavra que ela usaria para se referir ao cruzeiro que fez pelo Caribe para comemorar o aniversário. Duas das suas amigas cancelaram em cima da hora, e Becky Ann acabou ficando tão enjoada hoje mais cedo que até mesmo os medicamentos que deram para ela não estavam ajudando. Ela teria que ficar na enfermaria até que o navio aportasse no dia seguinte.
As primeiras horas sem Becky Ann foram ok, mas acontece que no dia do seu aniversário, Serena acabou zanzando por aí sozinha, sem falar com ninguém. Verdade seja dita, isso a salvou dos esforços da amiga de lhe arranjar alguém, a maioria dos homens ali estavam com suas esposas e filhos, de qualquer forma. Mal podia esperar para voltar para casa, sério. Fariam uma última parada nas Bermudas e então voltariam para as Bahamas.
Ela foi caminhando em direção às cabines do navio e uma multidão apressada chamou a sua atenção.
– É o Jack Sparrow! – alguém gritou animado.
– Não, dã. Ele é louro. – Isso foi dito como se fosse um sacrilégio colocar os dois na mesma frase. Que Deus não permita.
Parando na base da curta escadaria que conduzia aos quartos, Serena olhou rapidamente para trás, na direção da gritaria, bem na hora que uma pequena horda de mulheres e crianças passavam em uma animada troca de murmúrios.
– Mas eu quero tirar uma foto com ele – a mulher disparou. – Você já tirou uma.
– Você é um rato imundo e desprezível? – um garotinho perguntou com a voz maravilhada.
– Você diz coisas como “faça o navio em pedaços?”
Uma mulher murmurou “Eu o faria em pedaços.”
– Por que você não vai procurar a sua irmã, Tommy? E deixa a mamãe falar com o pirata bonzinho?
– Você é um pirata de verdade? Posso segurar a sua espada?
– Oh, meu Deus, Lisa, olha o traseiro dele. Ele é genuíno e sexy. O cruzeiro investiu mesmo neste ator.
Retrocedendo até chegar perto da multidão, Serena tinha que ver este pirata misterioso que estava atiçando hormônios e imaginações. Era seu aniversário, afinal. Ela não merecia dar uma boa olhada?
O bando de mulheres e crianças curiosas tinha feito um círculo em volta do ator vestido como, é… um pirata. Espada, pistola, botas gastas na altura do joelho, casaco longo e marrom com botões dourados que brilhavam sob a luz. O pelo facial que crescia no rosto dele não era bem uma barba, mas não estava muito longe de ser. O cabelo louro era longo e parecia ondulado por causa da água do oceano e do vento. Anéis cobriam os seus dedos e quando ele virou a cabeça, a pequena argola que adornava a orelha brilhou à luz.
Tá de sacanagem.
Mas que clichê. Tudo o que faltava era um ventilador em algum lugar soprando o cabelo e o casaco enquanto ele tirava fotos estilo capa de romance com as suas ávidas admiradoras. Ele era lindo, ela tinha conseguido um vislumbre dele, mas nem morta se aproximaria daquela horda, não se pudesse evitar.
Estava quase se afastando mais uma vez quando notou que o pirata não estava sorrindo. Em vez disso, ele estava acuado perto da parede, como se estivesse prestes a colocar sua espada meio-que-realista-demais entre os dentes e escalar o casco do navio. Talvez ele não tivesse sido avisando de que não teria apenas crianças obcecadas com piratas, mas mulheres salivando pelo romantismo difundido pela cultura pop também.
Afff. Piratas românticos. Ela revirou os olhos. Faça-me um favor. Eles eram canalhas maliciosos e sujos cheios de dentes podres e sem nenhuma moral. Óbvio, Hollywood fazia com que fossem atraentes, mas piratas de verdade não eram sexys. Não eram modelos cheios de lápis de olho e com roupa de couro igual àquele cara da série Once Upon a Time. Eles eram criminosos. Mesmo quando encaixados nas áreas nebulosas, crimes ainda eram crimes no final das contas.
Ainda assim, Serena não conseguiu não se simpatizar com o cara enquanto ele olhava, com cautela, para a multidão. Pois bem, pirata. Ela deu de ombros. Multidões eram uó. Pessoas demais pairando com seus olhares curiosos e julgadores… Não. Simplesmente… não. Preferia saltar numa piscina de ácido. Infelizmente, por ser adulta, não conseguiria escapar das responsabilidades com facilidade. Principalmente porque precisava pagar as contas. O trabalho maçante no arquivo do enorme escritório de advocacia era perfeito para ela. Ela tinha a própria sala, não precisava ver os clientes e podia evitar pessoas durante a maior parte do dia.
Também era o trabalho mais chato da face da terra, por isso os amigos lhe deram um cruzeiro como presente de aniversário. Uma aventura muito necessária, eles disseram.
Serena bufou quando uma mulher se atirou no cara, agarrando-se a ele com força. Os olhos do pirata se arregalaram e ele baixou lentamente os olhos para a mulher agarrada a ele como uma estrela-do-mar e pigarreou. Ele embainhou a espada meticulosamente e tentou afastá-la. Era óbvio que ele não tinha bancado o pirata antes. Talvez fosse a estreia dele, o que era estranho considerando que o cruzeiro estava chegando ao fim. Naquele momento, ele parecia quase uma alma irmã; uma vítima de uma multidão que não queria deixá-lo em paz.
Os poucos amigos que tinha a ajudavam quando as pessoas, em geral, sobrecarregavam-na. Talvez fosse o que ela devesse fazer no seu aniversário: devolver o favor. Respirando fundo, Serena se preparou para o inevitável horror de falar com pessoas que não conhecia. O carma pela boa ação deveria dar uma guinada na sua sorte, era o mínimo a se esperar.
– Ok, pessoal, ok. Abram caminho. O capitão, é, Morgan voltará amanhã. Ele precisa ir alimentar o papagaio. – Serena pegou o pirata pelo braço e o puxou apesar das reclamações da multidão de que não havia um papagaio de verdade. O couro grosso do casaco dele era macio ao toque, o braço ali embaixo era quente e forte. Ela tremeu, e não foi de frio. Muito pelo contrário. Ele não se mexeu, e o calor subiu pelo pescoço e pelo rosto dela. Esperava que não tivesse feito algo que acabaria em humilhação. Odiava passar vergonha em público. Não lidava muito bem com essas ocasiões, o que divertia muito os seus amigos.
Em vez disso, ele encarou a sua mão e então foi subindo lentamente o olhar, viajando do braço até o seu rosto. O contato visual a atingiu como uma bala de canhão, um golpe certeiro que destruiu a sua decisão e a deixou nua enquanto o mundo ao redor deles se estilhaçava nas profundezas da sua percepção. Como se tivesse experimentado o mesmo que ela, os lábios dele se entreabriram. Então um sorriso presunçoso ergueu um dos cantos da boca do cara e ela engoliu em seco enquanto a realidade dura e fria voltava com toda intensidade. Não havia dúvida de que ele tinha a aparência de um malandro temerário, e Serena temia que não fosse tão imune àquilo quanto desejava.
– Oh, meu Deus. Aquele olhar – disse uma mulher do meio da multidão, quebrando o que restava do que quer que fosse aquele feitiço que amarrou Serena e o pirata por um instante. – Ali está. Saqueie-me, pirata! Saqueie-me com força! – Risadinhas e arquejos escandalizados da multidão fizeram Serena sair da inércia enquanto um garotinho perguntava em voz alto o que significava saquear, e muitas risadas sem graça foram ouvidas.
– Certo – adicionou Serena quando o homem não colaborou. O coração batia com força no peito, e a respiração ficou mais rápida por causa do pânico causado pela atenção dele e das pessoas que tinha sido focada nela. – Você pode vir comigo ou ficar com eles. A escolha é sua. – Precisava escapar dali antes que começasse a hiperventilar. Estava se fazendo de boba. Ele não precisava da sua ajuda, e ela tinha presumido algo que não deveria.
O pirata olhou para as mulheres e para as crianças com desdém, só pareceu lembrar da presença deles quando se virou para ver o que a fizera parar de olhar para ele, o que criou ainda mais tumulto. Ele se inclinou para pegar uma sacola velha e suja e a jogou sobre o ombro antes de fazer sinal para que Serena fosse na frente. Ela se virou, seguindo para o corredor de onde tinha vindo sem sequer esperar para ver se ele a seguia.
Podia ouvir a multidão às suas costas começar a se dispersar, e assim que eles viraram no corredor, sozinhos, o capitão Morgan a fez parar. Ele a pegou pela mão e levou as juntas dos seus dedos aos lábios, beijando-as levemente.
– Preciso lhe agradecer, amor, pelo audacioso resgate.
Sentiu um frio na barriga que a fez tremer. Ele tinha um sotaque inglês que era influenciado pelas inflexões das ilhas caribenhas. Uma cacofonia de dialetos dentro de um único e delicioso timbre de voz masculina. Ótimo. Agora eu sou uma das adoradoras do pirata.
– A seu dispor. – Ela puxou a mão da dele e brincou, desconfortável, com uma mecha de cabelo. – Olha, você precisa melhorar sua lengalenga para amanhã, ou eles vão te comer vivo.
O capitão Morgan franziu o cenho.
– O que diabos é esse lugar? Um navio gigantesco cheio de canibais?
– O quê? – Ele só poderia estar brincando, mas a expressão horrorizada dele logo a fez adicionar – Oh, não. Não. Eu não quis dizer que eles o comeriam vivo literalmente falando. Eu quis dizer figurativamente, como em uma figura de linguagem. – Serena esperou que ele risse, que batesse no ombro dela de brincadeira e dissesse “sacanagem”. Mas ele não fez isso. Maldição. Ele estava realmente imerso no personagem agora que não estava sendo assediado. Deve ter sido medo de palco.
O pirata percorreu o seu corpo com os olhos aquecidos, observando as coxas nuas por baixo do seu short jeans e se demorou no lugar onde a blusinha floral deixava à mostra um pedaço de barriga. Ele lambeu os lábios, e Serena teve que afastar o olhar e respirar fundo. Por que não estava vestido calça e casaco? Que se danasse a temperatura de 35ºC.
O corredor era estreito, e o homem tomava a maior parte do espaço. O quarto dela era perto da proa do convés superior, e a vontade de fugir começou a ter certo apelo. Um homem nunca a olhara com tanta fome antes, e ela não sabia como agir como se não tivesse notado. Com certeza não iria encorajá-lo e fazer com que ele esperasse por algo que ela não estava disposta a dar. Bem, estar disposta não era bem a questão. Na verdade, a questão era a ação. O que a deixava com nenhuma outra opção que não fosse recuar. Era mais seguro. Nada de passar vergonha ou de ter conversas embaraçosas.
Conhecer pessoas novas sempre foi difícil para ela, especialmente quando essas pessoas eram homens. Todas as coisas engraçadas que ela diria em uma conversa normal não aconteceriam até que ela repassasse toda a conversa em sua mente mais tarde. Assim que as conhecia por mais tempo, as coisas ficavam mais fáceis, mas ela era péssima em flertar e sequer podia fazer contato visual por muito tempo, a menos que estivesse louca da vida. A raiva lhe dava mais coragem do que normalmente possuía. Uma bênção e uma maldição, a depender da circunstância.
– Rapariga – disse o capitão Morgan, dando um olhar corajoso e persistente demais para o seu peito —, eu morri e fui para um veleiro de devassidão como recompensa? Essa é a vida após a morte?
Serena cuspiu marimbondo. Ele está usando falas de pirata? Sério? Além do mais, ele estava dando mole para ela? De todos as respostas em que pôde pensar, o melhor que veio a sua mente foi:
– Você me chamou de rapariga? – Quando ele se limitou a piscar como resposta, ela suspirou, fazendo o possível com o que tinha, por pior que fosse. – É claro que chamou. – Movimentando a mão para fazer xô para ele, ela adicionou – Vá fazer suas devassidões em outro lugar. Eu estou indo para a cama. Tente se resolver antes de voltar lá para aquela multidão. Boa noite.
Ela deu as costas para ele e deu no pé, talvez um pouco rápido demais. Becky Ann ficaria de cara com o que ela fez. Quando Serena dissesse a ela que o ator pirata meio que deu em cima dela e ela fugiu intocada, a amiga lhe daria um sacode. Ela sabia que Serena era um horror na arte da pegação, mas ela não a teria deixado fugir como uma corça assustada.
Na verdade, provavelmente foi um presente do céu Becky Ann ter ficado doente porque ela os teria trancado no armário de limpeza até se convencer de que eles tinham feito vários dribles e marcado ao menos um gol. A melhor amiga era extremamente à vontade com a sexualidade. E no que dizia respeito ao seu método de formar casais, era à vontade demais. Era exaustivo se esquivar das ideias da amiga sobre diversão quando ela, com um drinque na mão e um sorriso maligno nos lábios, mandava Serena passear.
Enquanto enfiava a mão no bolso procurando pelo cartão, ela olhou para trás e soltou um gritinho. O capitão Morgan a seguira e esperava a alguns metros de distância com um brilho quase que ansioso nos olhos. Ele ergueu uma sobrancelha dourada e cruzou os braços quando ela não conseguiu destrancar a porta.
– Abra a porta da cabine, rapariga. Estou cansado, mas tenho estamina o bastante para cuidar de você primeiro.
O significado das palavras dele foi como um soco no estômago, liberando todo o frio que estava lá dentro. Tudo aquilo fez as suas partes entrarem em alerta máximo: preparando, esperando, ansiando. Ah, merda. Ela fodeu com tudo.
– Mas que diabos? – aquilo era ela, fodendo com as coisas. – Você não vai entrar. Esse é o meu quarto. Vá procurar o seu. – Ele estava sendo assustador, não estava? Então por que a respiração dela ficou profunda, quase como se ela estivesse pensando em permitir que ele entrasse no quarto?
Aquilo jamais aconteceria. Não poderia seduzir um homem nem se tentasse. Faltava confiança, ela se sentiria boba… e muito, muito ansiosa.
O pirata balançou a cabeça.
– Eu vou ficar com você até aportarmos. Talvez você possa resolver o mistério desse… navio. – Ele fez um gesto abrangendo o ambiente.
Aquilo era de verdade?
– Hum, que tal… não. – Mistério? Que mistério? Sua mente e o seu corpo a puxavam para direções opostas. Ao menos sua mente tinha bom senso, e estava dizendo para ela se fechar no quarto e trancar a porta. Esse homem é perigoso, mas não por ele ser um pirata falsificado. Estava atraída por ele, e ela não iria se envolver com ninguém naquele cruzeiro, não importa o que Becky Ann dissesse.
O pirata pareceu pensar naquilo, coçou a barba no queixo, mostrando os múltiplos anéis de prata que brilhavam à luz. Ambas as orelhas tinham argolinhas de ouro. Nunca tinha sido do tipo que tinha uma quedinha por homens com piercing, mas eles caíam bem nele.
– Eu gosto da perseguição, amor. Posso esperar a noite toda. – O sorriso espertalhão implicava que ele estava bem ciente de que ela o desejava. Uma pena, para ele, que aquilo não tinha a mínimo de importância.
– Não estou brincando de nada. – A voz dela tinha soado tão rouca para ele quanto soou aos seus ouvidos?
Ele invadiu o seu espaço pessoal, colocando a mão sobre a porta e enjaulando-a com o corpo. Serena prendeu a respiração e ele ergueu a outra mão para afastar o cabelo do seu rosto com carícias suaves. Ela tremeu quando ele murmurou:
– Você está. – As mãos dele eram grandes, calejadas e quentes. Como seria a sensação delas sobre o seu corpo nu?
Não, não iria pensar naquilo.
O cheiro de mar, suor, rum temperado e alguma coisa que não reconheceu tomou os seus sentidos, e ela quase podia acreditar que ele tinha saído de um navio pirata para tomar tudo e qualquer coisa que ele quisesse… dela. Ela franziu o nariz.
– Que cheiro é esse?
Surpreso, o capitão Morgan recuou e levou a lapela do casaco marrom escuro ao nariz e deu uma fungada.
– Pólvora.
Imagens dele atirando, com a pistola que estava enfiada no cinto da espada, em piratas vis penetraram em seus pensamentos. Canhões retumbando, madeira quebrando. Pancadas de água enquanto corpos caíam sobre as laterais de um navio alto ostentando o sinistro Jolly Roger preto na bandeira. Coisas que não acharia atrativas, mas que de alguma forma, achava. Filmes demais.
– Certo. Eu não ouvi pistolas disparando. Só os fogos de artifício. Podemos deixar a encenação de pirata de lado, capitão Morgan? Você pode sair do personagem quando estiver perto de mim. Não vou contar para o seu chefe. – Talvez ele fosse ter problemas caso saísse do personagem assim como acontece nos parques temáticos.
O pirata franziu o cenho, toda a provocação tinha sumido de seus traços.
– Eu me chamo Christophe Jones, e eu não sou capitão. Não houve explosões porque o seu veleiro não estava por perto quando o meu afundou sob o ataque. – Christophe cruzou os braços novamente e murmurou – Nem tenho certeza de como vim parar a bordo desse… – Ele olhou em volta, desconfiado. – … mamute. – De certa forma, ele parecia um pouco aflito. Por causa do tamanho do navio?
A tripulação o trouxe a bordo e o colocou para trabalhar como pirata para pagar a passagem dele depois de ele ter sobrevivido a um naufrágio? Aquilo era absurdo. Ela deveria ligar para o sindicato dos trabalhadores quando aportassem.
– Sinto muito pelo acontecido – respondeu Serena, sem saber o que mais dizer sobre os comentários estranhos. – Mas eu ainda não vou deixar que você entre no meu quarto.
Cristophe, mais uma vez, deu um sorriso pretencioso, colocando mãos possessivas em seus quadris e puxando-a para perto. Apesar do seu desconforto por ser objeto da atenção dele, o desejo se acendeu por todo o seu corpo. Essa onda de excitação e luxúria era paixão? Tivera intimidade com os namorados no passado, mas de alguma forma aquilo era diferente. Por que ele estava vestido como um pirata? Não, nunca curtiu muito desse negócio de faz de conta. Não conseguia apontar o que o fazia ser tão… interessante.
– Eu vou fazer valer a pena. – Ele levou uma mão à algibeira presa ao cinto e tirou de lá duas moedas com caras de velha. – Pago adiantado.
Seu cérebro não compreendeu o propósito.
– Pagamento pelo quê?
Christophe levou os lábios aos dela com força, quase como se ele acreditasse que nunca mais voltaria a beijar uma mulher e quisesse aproveitar a experiência ao máximo. A língua dele tinha gosto de rum caribenho e a cabeça dela nadou. Ele trilhou beijos por sua bochecha e ela o puxou para mais perto, não acreditando no que estava acontecendo e desejando que nunca terminasse. Daquela forma ela não teria que recuar e quebrar o encanto. Então ele sussurrou:
– Pelos seus serviços, é claro.

CAPÍTULO DOIS
A bela rapariga seminua se afastou bruscamente dos seus braços e lhe deu um tapa na cara. A cabeça de Christophe virou para o lado e a dor formigou marcando a sua pele. Momentaneamente atordoado, ele levou a mão à bochecha e a encarou. Uma mulher jamais tinha lhe dado um tapa.
– Oh, não me olhe assim. Babaca machista. – Ela atirou as moedas nele e elas bateram no seu peito antes de caírem no chão enquanto ela destrancava a porta com um quadrado branco estranho e a batia às suas costas. Franzindo o cenho para aquela chave ridícula que ela usava, ouviu enquanto ela passava o trinco. Christophe esfregou a bochecha golpeada, já que não podia fazer nada além de encarar a porta que a separava dele.
Que peculiar. Era óbvio, pelo estado de nudez da mulher lá dentro, que aquele navio era algum tipo de bordel onde as mulheres tinham passe-livre com os seus filhos bastardos. Ele também tinha visto homens, obviamente clientes ou tripulação. Onde mais ele poderia estar? A outra explicação é que ele tinha morrido e agora estava em um inferno cheio de mulheres parcialmente vestidas que não o queriam em suas camas.
Não, as mulheres no convés o desejaram. A que ele desejava, não. Antes de ser forçado a se juntar à pirataria, as mulheres o adoravam. Não teve muito tempo para cortejar ou levar alguém para a cama no último ano, mas nas poucas ocasiões que fora um bordel, nunca tinha visto os falsos sorrisos relutantes que os outros homens normalmente recebiam. Ele não era um ogro horrendo que maltratava mulheres ou que ignorava os desejos delas, então o que tinha feito de errado naquela noite?
Christophe olhou ao redor e então estremeceu. Em um momento tinha caído em um redemoinho, e no seguinte se viu deitado no convés de um veleiro enorme, seco como um osso, com pessoas demais à sua volta, tochas sem fogo mais brilhantes que qualquer chama, e roupas e frases estranhas que o deixavam confuso. Ele tinha sido bombardeado com perguntas esquisitas e disparos luminosos de luz e mulheres animadas demais vestidas de forma semelhantes à sua tímida sedutora. Nada fazia sentido, mesmo quando se firmou no convés. Então ela colocou a mão nele.
O coração dele saltou uma batida no minuto em que reparou na beleza dela. O cabelo castanho-escuro emoldurava o rosto em formato de coração com os lábios mais beijáveis nos quais já tinha posto os olhos. O caos em volta deles tinha diminuído, borrando-se até virar nada. Tudo o que parecia errado naquele navio tinha fugido para o seu subconsciente e só ela pareceu ser importante. Conhecê-la, prová-la… poderia se preocupar com suas estranhas circunstâncias outra hora, tinha ficado tão confuso, tão afoito, inferno, ele ainda estava. Talvez tivesse se enganado quanto à profissão dela, e a tinha ofendido por manchar a reputação dela.
Ele sequer sabia o nome dela.
Erguendo a mão, ele a colocou na porta, pensando em chamá-la para se desculpar por qualquer ofensa que ele, inadvertidamente, causou. Talvez tivesse sido audaz demais. A julgar pela reação e a linguagem corporal dela, ela estava nervosa, mas tinha sido afetada e não lhe faltou desejo.
Aquilo o deixava com um dilema, já que ele não conhecia ninguém a bordo, exceto ela. Sem ter outro lugar para ir, procurar pelo capitão seria seu próximo caminho para obter informação, mas como explicaria sua aparência? Como convenceria o homem de que não queria causar nenhum mal? Ele pegou as moedas e memorizou os números ao lado da porta da mulher. Ela o confundia, e Christophe gostava de resolver uma charada. Ele se desculparia pelo erro de julgamento e ganharia o carinho dela, ao menos pelo resto da viagem.
– Senhor, você não é membro do staff. – Atrás dele, um homem em um uniforme branco imaculado o examinava da cabeça aos pés. – Terei que pedir que o senhor tire a fantasia e pare de fingir que trabalha para a companhia de cruzeiro. – Ele não parecia ameaçador, mas a voz soou autoritária. – Essa pistola é de verdade? – O homem se aproximou. – Preciso que o senhor me acompanhe.
Christophe olhou mais uma vez para a porta fechada e deu de ombros. Não era como se ele tivesse algo melhor para fazer, e o homem parecia preocupado, justamente por encontrar um homem estranho e armado que não deveria estar ali, mas não era hostil, o que lhe surpreendeu. A arma não ter sido tomada dele só podia significar duas coisas: o navio não se deparava com violência normalmente ou nunca, ou eles eram crédulos demais. Precisando conseguir algumas respostas, Christophe fez sinal para ele ir na frente e o seguiu.
Uma sensação incômoda na nuca o tentou a olhar para trás uma última vez. A rapariga estava parada na porta, mas ela recuou no momento em que seus olhos se conectaram. Ele deu um sorriso largo.
Não tinha acabado com ela. Não mesmo.


Serena logo fechou a porta e a trancou uma segunda vez antes de se apoiar nela e fechar os olhos com força. Ele pensou que ela fosse uma prostituta! O cara tentou pagá-la com moedas velhas para fazer sexo. Como se sequer fosse digna de dinheiro de verdade? Talvez ele estivesse brincando, ainda no personagem. Sacudiu a cabeça. Ele a tocou como se esperasse que ela caísse naquela cantada barata.
Aquele beijo. Gemeu, confortável na solidão do seu quarto, sem poder ser criticada por ninguém. Serena levou a ponta dos dedos aos lábios e podia sentir a memória dos dele ali, a maciez, o calor. A aspereza da barba por fazer em contato com o seu queixo. Arrgh. Seu corpo tinha ficado aceso até que ele arruinou tudo chamando-a de puta. Talvez o famoso balde de gelo tivesse sido uma coisa boa. Com certeza foi. Não o conhecia e não tinha desejo de ir para a cama com alguém que acabou de conhecer.
O toque musical penetrou no silêncio e ela deu um salto. Tirando o celular do bolso de trás, esperou que a ligação conectada pelo wi-fi do navio funcionasse direito, já que o parelho não tinha sinal da operadora. Era horrível na melhor das hipóteses, mas era ótimo ter o serviço. Bem-vinda ao século XXI. Ao atender, Serena sorriu de alívio ao ouvir o quanto a voz da amiga estava boa.
– Sinto muito por ter perdido o seu aniversário! – A voz de Becky Ann a cumprimentou. – Já estive em barcos antes. Talvez eu não estivesse bêbada o bastante. Lembre-me de ficar bêbada na ilha para a viagem de volta. Aí sim eu ficarei bem.
Ficou feliz por ter notícias da amiga. Ela a visitara várias vezes durante o dia, mas o quarto ficava solitário sem ela.
– Tudo bem. Estou feliz por você estar se sentindo melhor.
Becky Ann continuou a falar.
– Mal posso esperar até atracar nas Bermudas amanhã. Vou aproveitar ao máximo a terra firme enquanto eu posso. Uma pena não termos mais um dia em Nassau. – Ela mudou de assunto, abruptamente. – Por favor, diga que você ao menos conversou com algum cara enquanto eu estava fora de serviço. Não me diga que se trancou no quarto enquanto eu estava presa nesse lugar chato.
Ela bufou.
– É claro que conversei. – Verdade seja dita, Christophe foi o único. Becky Ann não precisava saber desse pequeno detalhe. – Eu estava com medo demais de ser jogada pela amurada caso você me pegasse escondida no quarto. – Como eu estou agora.
– E por que eu estou com a sensação de que você está dormindo? – Becky Ann arfou. – Não foi com o bartender, foi? Isso é trapaça. Se eles estão trabalhando para o cruzeiro, não conta. Você deveria se envergonhar, mocinha. Não me importo se você já tem vinte e oito anos, eu vou te dar uns tapas na bunda.
Serena não tinha nenhuma sombra de dúvida de que Becky Ann ia levar aquela ameaça a cabo. Uma vez a amiga a avisou que se ela não parasse de usar só calça jeans e blusas grandes demais quando saísse, que ela iria lhe fazer cócegas até que ela fizesse xixi nas calças. Então, em uma tarde, depois de passar no mercadinho, Serena, que estava usando roupas confortáveis, foi para a casa, e acabou sendo emboscada assim que abriu a porta. Ela não tinha feito xixi nas calças, por pouco. Foi igual a um foguete para o banheiro.
– Era um cara fantasiado de pirata lá no convés. Suponho que ele trabalhava para o navio. – Não tinha ouvido o que o cara falou para ele lá no corredor, mas presumiu que ele tinha se encrencado por abandonar a posição. Bem feito, mesmo tendo sido ela quem o tirou de lá.
– Serena! – gemeu Becky Ann. – Você precisa conversar com homens disponíveis, não com os que são pagos para te ajudar.
A lembrança do mal entendido no corredor a fez se encolher. Ficou irritada por alguém ter pensado que ela era uma prostituta. Ela mal podia manter contato visual com ele, então como diabos poderia seduzi-lo a troco de dinheiro?
– Pera lá. – A voz de Becky Ann se partiu na última palavra. – Pirata? Ele era gostoso? Ele parecia com o Billy Bones? Charles Vane? Você sabe muito bem que eu amo Black Sails, e é sua obrigação como minha amiga me dar cada detalhezinho. E também dar para ele, já que eu estou sendo feita de refém pela minha própria saúde. Vou ter que viver indiretamente através de você, gata. Vá dar uns pegas nele e me liga. Eu vou esperar.
Revirando os olhos, ela se deitou na cama e descreveu Christophe, deixando de fora o jeito como eles se separaram, esperando que a amiga não percebesse o quanto tinha sido afetada por aquele homem.
– Você. Beijou. O. Cara? Estou tão orgulhosa! – Dava para perceber só pela voz que ela estava pegando no seu pé.
– Hum… não fique. Ele é um idiota, e não vai voltar a acontecer. – Infelizmente, o corpo não estava concordando com a mente. E ela se inquietou, precisando parar de imaginar as mãos dele, os lábios, ou os olhos azuis tão fixos nela e prometendo coisas sujas sobre as quais só um pirata poderia saber tanto.
Um suspiro exasperado veio do outro lado da linha.
– Você nunca mais o verá depois que voltarmos. É seu aniversário, e essa aventura não vai terminar em casamento ou em bebês, caso você use camisinha. Vá se divertir e depois dê um perdido nele. Parando para pensar, essa coisa de brincar de pirata é excitante pra caralho. Você pode pedir para ele te amarrar e te ameaçar a andar pela prancha caso você se negue a entregar os espólios.
Aquilo nunca iria acontecer. Perturbada, ela pigarreou antes de começar a fantasiar com tudo o que Becky Ann tinha dito.
Serena não era extrovertida, e de jeito nenhum usaria alguém para fazer sexo e então agir como se nada tivesse acontecido. Não estava no seu sangue. Gastar tanta energia com um cara com quem queria ter intimidade significava que ela se jogaria de cabeça, e as primeiras impressões não foram muito favoráveis para Christophe. Ela sequer sabia por que estava deixando Becky Ann colocar essas ideias na sua cabeça.
Ele é muito atraente. Se não fosse aquele fiasco…
Para!
Alguém falou no fundo da ligação e Becky Ann disse que precisava desligar. Depois de prometer esperar por ela para desembarcarem na minha seguinte, Serena desligou. Momentos mais tarde, brincando com os dedões e tendo pensamentos indecentes sobre o homem que a insultara, ela gemeu e rolou para fora da cama.
Christophe era o culpado por ela estar inquieta e sem poder dormir mesmo se tentasse. Não tinha trazido um livro porque acreditava que Becky Ann estaria com ela durante a viagem toda, e elas se divertiriam muito para que tivesse tempo de ler.
O relógio mostrava que faltavam quinze minutos para a uma da manhã. Os bares estariam abertos, e uma boa taça enorme de algo feito com rum iria relaxá-la o bastante para que dormisse. Não estava desejando rum só porque ainda sentia o gosto da bebida na língua depois de ter beijado Christophe. Era só que gostava de rum, e aquele era um cruzeiro pelo Caribe, afinal de contas.
Serena pegou a chave, abriu a porta e foi para o corredor. Não havia ninguém lá. Só para garantir, seguiu pelo lado oposto do que Christophe tinha ido e seguiu para o bar da piscina. Ainda tinha vários drinques de crédito na conta do cruzeiro e planejava fazer um estrago antes de ir para a cama. Sozinha.


Seu companheiro uniformizado não falou muito, mas Christophe achou bom. Sem saber qual era a patente do homem, observou a parte de trás da cabeça dele. O cabelo escuro era curto, e o uniforme muito branco contrastava com o tom mais escuro da pele. O uniforme era bem diferente de qualquer um que ele já tinha visto, e, em vez de botas, ele usava um calçado mais simples, e branco. Nenhuma arma estava a vista, mas uma estranha caixa preta estava presa na camisa dele.
O homem irradiava autoridade, no entanto, e foi isso o que deteve Christophe. Tinha certeza de que não estava em um navio que pertencesse às colônias ou à Inglaterra, pois nada parecia familiar. Mas até descobrir onde estava e onde pretendiam aportar, não presumiria nada. Não depois do que aconteceu com a rapariga mais cedo. Suas circunstâncias viriam à luz em algum momento.
Era o que esperava.
Uma porta se abriu e a cabeça de uma mulher mais velha com a pele escura e cabelo grisalho apareceu.
– Josiah Baker, eu não disse que estava te esperando para… – a voz dela foi se apagando e ela estudou Christophe da cabeça aos pés. – Quem é esse? – Ela devia ser a mãe de Josiah. Era difícil saber se eles eram parecidos, já que a idade tinha mascarado as feições dela.
O homem colocou a mão no ombro da senhora enquanto ela se atrapalhava no corredor segurando a bengala com força na mão esquerda, um anel de diamante no dedo anelar. Com certeza não era um navio das colônias. Ele suspirou aliviado por causa da evidência da relação deles. Suspeitava que o trabalho de Josiah no navio era pago, como qualquer trabalho deveria ser. Aqueles que trabalhavam como criados mereciam salário e também o privilégio de poder dizer que a vida era deles. Durante o breve tempo que passou nas colônias, aquele não tinha sido o caso, suspeitava que o que acabou o colocando em um navio pirata sob servidão forçada foram os discursos que fez contra a escravidão em mais de uma ocasião.
– Mãe, não posso sentar e conversar contigo antes de o meu turno acabar. Ainda faltam vinte minutos. – Josiah não tinha o sotaque forte como o da mãe, mas eles tinham uma leve semelhança em seus traços. Com base nos ossos malares, a mãe dele deve ter sido muito bonita quando jovem.
Christophe fez uma mesura.
– Christophe Jones, senhora. É um prazer. – Ele deu uma piscadinha para ela enquanto se punha ereto, e Josiah fez ainda mais careta. A Sra. Baker semicerrou os olhos e se aproximou. Ela levou as duas mãos ao rosto dele e moveu, gentilmente, o queixo dele para lá e para cá. Ela arfou e deu um passo para trás.
– Mãe! – Josiah passou um braço em volta dos ombros dela. – A senhora está bem?
Mas ela não deu atenção ao filho. Ela olhava para Christophe e o assombro impregnava a sua voz.
– Sua aura está errada. Assim como nas histórias, mas… eu nunca acreditei muito nelas. Esse não é o seu tempo, é?
Ele riu, mas os outros dois olharam para ele como se ele tivesse interrompido o funeral de alguém.
– A senhora está falando sério? – Sobre ler auras e não ser a época dele? Loucura. Embora… ele tinha mesmo sido arrastado para uma nova terra, mas só que ele estava no mar, e viagens no tempo não eram uma possibilidade. – Isso é absurdo. – Seu sotaque adaptado desapareceu. Ele era da Inglaterra, originalmente, mas usava um pouco de entonação caribenha para que pudesse se encaixar melhor a bordo do Calypso. Continuou usando-o naquele navio estranho, maior do que qualquer coisa que já tinha visto ou sabido que existia, porque tinha se acostumado com ele depois de um tempo. De alguma forma, não achava que precisava escondê-lo por mais tempo. Não tinha certeza do porquê.
A mulher mais velha deu um sorriso cálido.
– Alguma coisa aqui faz sentido para você? A eletricidade, por exemplo?
– O que é… eletricidade? – A palavra estrangeira soou estranha em seus lábios.
Josiah abriu a boca e a mãe bateu no joelho dele com a bengala.
– Cale-se. Você não vê que esse homem não faz ideia de onde ou quando ele está? – Ela apontou para as luzes sem chama. Christophe tinha parado de prestar atenção nelas, pois elas o deixavam muito confuso, assim como a estrutura do navio, e as roupas, e o palavreado, e todo o resto. – Eletricidade é uma fonte de energia que usamos para criar luz, ou para cozinhar, ou aquecer a água do banho. Entre outras coisas.
– A senhora está falando como se fosse doida – disse Josiah entredentes, inclinando-se para esfregar o joelho.
Christophe queria concordar com ele. Tudo aquilo soava totalmente insano. Seu primeiro impulso foi rebater o que ela quis dizer. Poderia o vapor criar o efeito da iluminação sem uma chama? Ainda assim, quanto mais pensava nas luzes, mais temia que aquela fosse uma substância misteriosa que ele não entendia. Um cordão de luzinhas não muito maiores que vagalumes decoravam o convés superior e ele tinha ficado impressionado por elas não piscarem ou voarem como os insetos. Assim que a bela mulher o distraíra, ele foi capaz de se concentrar nela e não no pânico causado pelos arredores. Agora, sem ela, conseguia se concentrar e tudo voltou a ser real demais.
A eletricidade, como a Sra. Baker tinha chamado, estava lá na frente dele, por todo o navio. Um navio que era grande demais e feito de materiais com os quais navios não eram feitos. Onde estava a madeira? Alguma coisa era de aço, como a amurada, e não tinha um mastro ou velas no convés. Era como se eles estivessem em uma armadura da Idade das Trevas, mas com certeza aquilo afundaria. Armaduras não flutuavam. Temia estar preso em um sonho estranho, mas só que o tapa que a rapariga tinha dado no seu rosto doeu o bastante para assegurar a sua consciência. Ele poderia mesmo estar na época errada como a Sra. Baker tinha sugerido?
Não era possível… ainda assim, ele se ouviu fazendo a pergunta que pensou que seria recebida com bufos e escárnio.
– Que ano é este?
A Sra. Baker bateu na mão do filho quando ele abriu a boca para responder e ela disse:
– Estamos em 2015. – A voz gentil disse aquilo de forma tão suave que ele quase não ouviu. Com certeza ele tinha ouvido errado.
Christophe recuou vários passos e sacudiu a cabeça. Isso é…
– Impossível – sussurrou. Essa mulher estava brincando com os seus temores? Ela achava que ele era tão fácil de enganar?
Qualquer outra explicação faria sentido?
Josiah sorriu depreciativamente, esfregou os olhos com o polegar o indicador.
– Que dia você acha que é? – Então, baixinho, ele adicionou – Isso vai ser interessante.
– Dezoito de junho. – Christophe odiou o tremor na própria voz. Não podia aceitar que aquilo era verdade, mas ele olhou para Josiah quando adicionou – Do ano de nosso Senhor de 1715. – O homem não gostava dele, e o curvar dos lábios e o balanço desdenhoso de cabeça o comprovou. Eu tinha sido sugado pelo oceano e pousei em outra era?
A Sra. Baker se limitou a assentir.
– Três séculos. Exatamente como nas histórias. Sempre em três. – Ela olhou para ele, os olhos castanhos brilhando. – Pobrezinho. Você deve estar tão confuso, tão perdido. – Segurando a bengala com força, ela adicionou – Quero que me conte tudo.
Josiah ergueu a mão para pôr um fim àquela conversa, e então um barulho estranho veio da caixa preta presa à camisa dele. Vozes abafadas se seguiram antes do estouro bizarro de sons entrecortados. Christophe olhou para aquilo boquiaberto.
Definitivamente incomum. Em 1715… Deus, estava pensando mesmo naquilo. Esfregou a testa, verificando se estava febril, mas a pele continuava fresca ao toque. Talvez estivesse tudo acontecendo em sua cabeça.
– Vá fechar o seu turno – disse a Sra. Baker para Josiah quando ele xingou baixinho. – Quero conversar com o nosso amigo.
– Ele está armado – disse Josiah, sério. Apontando para ele como se ele fosse sair matando todo mundo. Christophe não o culpava por querer discutir, e sorriu enquanto eles se debicavam sobre se ele iria ou não matá-la a sangue frio antes de roubar o navio e condenar a todos. Só de eles pensarem que ele, sozinho, seria capaz de roubar um navio desse tamanho, o deixou de ânimo elevado, que voltou a diminuir por causa da confusão do navio em si e sua… eletricidade.
– Ele não vai atirar em mim – disse a Sra. Baker. Ela era algum tipo de bruxa? Cabelo grisalho, encurvada, e a bengala… ela se encaixava no papel, mas havia menos gargalhadas e cânticos do que ele imaginava. – Eu tenho as respostas que ele precisará. – Aquilo era verdade, e ele não atirava em pessoas aleatórias. Normalmente, elas mereciam, ou era questão de vida ou morte.
Josiah puxou a mãe para longe para falar com ela em particular, mas Christophe ainda podia ouvir o que ele dizia.
– Mãe, os contos dos nossos ancestrais foram criados para nos dar lições sobre moral. Para tratarmos todos com respeito, assim como gostaríamos de ser tratados. Que a gente pode ser recompensado de formar inimagináveis, se nossa alma não for contaminada pelo mal. – Josiah se inclinou para que eles se olhassem olho no olho. – Aquele homem não tem a alma pura. Viagem do tempo não existe. Ele está brincando com a senhora. Está tirando vantagem da sua bondade. Olhe para ele, pelo amor de Deus!
Ela examinou Christophe e então meneou a cabeça.
– Como você sabe se a alma dele não é pura? Isso me parece uma suposição, se quiser saber. Ele com certeza parece um pirata de 1715, se alguma vez eu tivesse visto um. Eu aposto uma boa quantia com você de que a arma e a espada são autênticas. Quer apostar? – Ela arqueou a sobrancelha, e Christophe escondeu uma risada por trás de uma tosse fingida. A idade não tinha apagado o fogo dela, nenhum pouco.
– Virou historiadora agora? – Josiah sacudiu a cabeça. – Além do mais, a senhora se lembra do que os nossos ancestrais estavam fazendo em 1715? Se ele estiver falando a verdade, o que não está, por que a senhora iria querer ficar sozinha com ele?
Christophe cruzou as mãos atrás das costas e encontrou o olhar atravessado de Josiah com a cabeça erguida.
– Eu nunca comprei ou possuí um escravo, se é isso o que está sugerindo. – Lá na Inglaterra, a prática não era comum. No máximo, servos podiam ser contratados para pagar um débito ou uma viagem pelo mar, mas era só quando chegaram às colônias que a prática cruel foi apresentada à sua família. Embora o pai tenha conseguido o cargo de governador, o que os fez mudar da Inglaterra, ele não tinha sido capaz de dissuadir os outros da prática bárbara, e a Coroa estava preocupada demais para ouvir qualquer coisa que o pai tinha a falar sobre o problema. Resumindo, o rei Jorge não se importava, contanto que as colônias continuassem leais e pegando os impostos devidamente. A situação não foi tão tranquila quanto ele desejava.
– Isso não existe mais – disse a Sra. Baker, séria, a boca formando uma linha fina. – Tenho certeza de que isso não será um problema.
Sem hesitar, ele respondeu com um sincero “não, senhora”. Nunca gostou da escravidão, e ficou feliz por ela ter acabado. Talvez a senhora até fosse lhe contar o desenrolar dos fatos, mas, ao perguntar, teria que aceitar que ele tinha, mesmo, viajado trezentos anos para o futuro.
– Bom. O respeito ainda é difícil de conseguir, mesmo depois de tanto tempo. Os horrores que os homens podem impor aos outros são aterrorizantes. – Ela alisou uma ruga na longa saia preta, modesta comparada com o que as mulheres mais novas a bordo daquele navio vestiam, mas muito diferente dos vestidos que tinha crescido vendo as mulheres usarem. – Eu sei que você é um homem decente, está na sua aura, e você não olhou nenhuma vez para mim ou para Josiah como se estivéssemos passando de qualquer tipo de limite. Mas notei um momento de incerteza quando você olhou para isso aqui. – Ela ergueu a mão com o anel de diamante.
– Ele deve ter pensado que a senhora o roubou. – Josiah passou um braço protetor em volta da mãe. – Homens daquele tempo teriam pensado.
Revirando os olhos, Christophe apontou para o anel.
– Se uma pessoa de uma classe inferior tivesse roubado algo assim, ela não teria a coragem de usá-lo à vista de todo mundo. Pensei que fosse um símbolo de status, confirmando em minha mente que eu não estava no navio de alguém que comete as atrocidades das quais você pensa que sou capaz. – Ele olhou para a Sra. Baker. – Entenderei, no entanto, se a senhora quiser seguir seu rumo e se me considerar culpado por associação.
A Sra. Baker meneou a cabeça e deu um tapinha no rosto de Josiah.
– Meu filho está sendo superprotetor, já que meu marido ficou em casa. Estou viajando para Nassau para visitar uns parentes, é bom ter um filho que trabalha em uma companhia de cruzeiro e que pode conseguir descontos para a mãe. – Ela estreitou os olhos para ele e então adicionou – As mulheres também têm direitos iguais agora. Você acha que pode lidar com uma mulher dizendo o que deve fazer, talvez até mesmo uma mulher de cor como eu, sem que seu orgulho seja ferido? – O fogo voltou para o espírito dela. Christophe gostou daquela mulher.
Soltando uma risada, ele disse:
– Eu tinha uma mãe, uma preceptora e duas irmãs. Cresci com mulheres me dizendo o que fazer. – Embora ele entendesse por que ela tinha trazido aquele assunto à tona. Os homens do seu tempo estavam acostumados a terem todo o controle. Tudo começava a soar mais real a cada vez que pensava por aquele ângulo.
Josiah abriu a boca como se quisesse continuar argumentando com a mãe quanto a associação com ele, mas a caixa preta soltou mais alguns ruídos, e a Sra. Baker abriu a porta. Xingando baixinho, Josiah atirou:
– Vou voltar daqui a pouco. Desrespeite a minha mãe e nós teremos um problema sério. – Com aquilo, ele deu meia-volta e saiu pisando duro pelo corredor.
Ele fez sinal para ela entrar antes dele. Christophe pode ter se adaptado à vida de pirata, mas não tinha esquecido de como ser um cavalheiro. Na maioria das vezes. Ele se encolheu, lembrando-se do ultraje no rosto da mulher quando ele se ofereceu para pagar pelos serviços dela. Cristo, ele tinha sido um idiota pretensioso.
Assim que entrou, Christophe olhou ao redor da pequena cabine para um. Parecia mais com um quarto de pousada do que com uma cabine de barco. Uma pousada muito elegante que não existia em 1715. A mobília estava pregada. O puro luxo dos lençóis, das pinturas e da mobília foi chocante, tudo parecia tão limpo e intrincado! A janela de um dos lados ia do chão ao teto, e o guarda-corpo do outro lado dava a entender que ela se abria como uma porta para que se pudesse desfrutar da vista do oceano. Tão diferente de quaisquer alojamentos ou porões de navio em que ele já viajou. Precisou manter as mãos cruzadas para se impedir de sair olhando e tocando todas as superfícies.
– Há quanto tempo você tem estado… navegando? – Ela escolheu as palavras com cuidado.
– Não muito. – Por alguma razão, ele achou que fosse importante justificar a sua aparência. Nada de uniforme militar, mas armado. Muito parecido com um pirata da sua época. – Eu fui forçado à pirataria há mais ou menos um ano. Ganhei o respeito dos meus homens e fui subindo de posição. E escapei no momento em que o nosso navio foi atacado.
Ela fez que sim e se sentou no banco construído na parede ao lado da janela.
– Ouvi falar dessa época. Eles foram terríveis, e você fez o que tinha que fazer. – Ela começou a brincar com a barra da blusa azul brilhante, mas não deixou de olhar para ele, sentando-se ereta, como se tentasse decifrar o tipo de pessoa que ele era. Como se a alma dele fosse tão digna quanto as histórias sugeriam.
A Sra. Baker se acomodou mais no assento e tirou os chinelos. As unhas dos pés estavam pintadas de vermelho. Ela mexeu os dedos quando o viu olhando. Embora ela fosse velha, a mulher tinha um sorriso lindo.
– Uma pena eu não ser uns quarenta anos mais jovem. – A alegria coloria a voz dela. – Sempre sonhei em viajar no tempo ou conhecer alguém que tenha viajado. Eu teria arrasado com o seu mundo, jovem. Você não ia saber o que te atingiu.
Ele não era de corar fácil, mas ouvir uma senhora dizendo aquilo para ele quase levou o rubor às suas bochechas. Como respondia a uma coisa assim?
A senhora riu.
– Ah, bem. A maior parte da minha família se mudou de Nassau para o Mississippi há umas duas gerações e trouxe com eles histórias de outras pessoas que diziam ter visto viajantes do tempo. As histórias eram passadas de mãe para filha, histórias de acontecimentos misteriosos que aconteciam no Triângulo do Diabo.
Christophe tremeu e olhou para a enorme janela. Nunca tinha acreditado nas superstições que rodeavam aquela misteriosa parte do Atlântico. Veleiros inteiros nunca mais foram vistos, nem histórias eram contadas sobre eles, e a julgar pelo o que aconteceu com o Calypso, ele imaginou que teriam sido vítimas de pirataria ou dos perigos da intempérie. Uma tempestade de arrasar com um navio nem sempre chegava à terra, e muitas vezes os detritos do naufrágio eram levados para longe ou os piratas atacavam antes de sequer serem vistos.
– Diz a lenda – prosseguiu a Sra. Baker, e ela olhou por cima do ombro dele. – Que todo mundo tem uma alma-gêmea, e a cada trezentos anos essas almas têm a chance de se encontrar. Às vezes, as almas se prendem ao futuro, ou vice-versa. – Ela ergueu as palmas na frente dela para demonstrar. – Mas elas precisam estar passando sobre um vórtice no mesmo lugar, no mesmo dia. – Então ela juntou as mãos.
– O redemoinho – saiu em um sussurro. O vívido espiral de água azul-esverdeada que sugou o bote para as profundezas. Ele não ter morrido foi um milagre. Outro arrepio percorreu o seu corpo enquanto ele ficava de costas para a janela. A luz do quarto deixava o vidro muito escuro para ver bem o que estava lá fora, mas o movimento familiar do oceano ainda era o mesmo. Ele poderia muito bem ter se afogado em vez de terminar aqui.
– O vórtice apareceu para você na forma de um redemoinho? Imagino que tenha sido muito assustador.
Ele tossiu uma risada.
– Foi… não agradável.
A Sra. Baker sorriu.
– E você, por acaso, se encontrou com alguém por quem sentiu uma atração instantânea? – Ela estalou os dedos. – Uma compulsão para estar com ela, mesmo sabendo que deveria estar imaginando como sobreviverá nessa nova época?
Uma imagem da rapariga de mais cedo veio à sua mente e ele suspirou. Ela o enfeitiçara através do redemoinho e então o expulsou no momento em que ele demonstrou desejo? Claro, ele a tinha insultado, mas ela estava assustadiça. Ele queria ver as defesas dela ruírem enquanto se entregava a ele. Ver a apreensão dar lugar à paixão. Por alguma razão insondável, ansiava ganhar a confiança dela, como se fosse o maior tesouro de toda a terra e mares.
– Ah – a Sra. Baker levou as mãos às bochechas. – Encontrou. – Então, como se o que quer que ela tivesse visto na sua expressão tivesse resolvido o problema que apontara, a senhora usou a bengala para voltar a ficar de pé. – Josiah vai voltar logo, e nós não temos tempo a perder. Teremos dois dias nas Bermudas antes de voltarmos para terra e sua alma-gêmea ir embora para longe de você. Vamos limpá-lo, alimentá-lo e ver o que podemos fazer quanto a sua documentação, para que, assim, você possa encantá-la.
Documentação? Se ele tivesse chegado a uma nova época, todos os traços da sua identidade teriam se perdido. Talvez o afogamento tivesse sido uma melhor opção.

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